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CAPÍTULO 2 – CONTEXTO E ANTECEDENTES DA OPERAÇÃO

3.2 A defesa das Usinas: temos licenças agroindustriais, a competência é

As defesas administrativas132 apresentadas contra as autuações do IBAMA pedem que o auto de infração seja julgado nulo, ou improcedente. Além de contestarem os fatos apresentados nos Relatórios, inserem uma discussão jurídica sobre a competência do órgão estadual pelo licenciamento das usinas e a legalidade da autuação (por suposta afronta ao Princípio da Ampla Defesa, Devido Processo Legal, Legalidade, Razoabilidade etc), discussão que não figura como objetivo específico de nosso trabalho.

Foram poucos os documentos anexados pelos usineiros aos processos e não há homogeneidade quanto ao tipo e quantidade apresentados pelas usinas. De uma forma geral, todos os empreendimentos anexaram cópias das licenças de operação emitidas pela CPRH, em relação à qual alegam que abrange não só a parte industrial, mas também a parte agrícola do empreendimento, tratando-se de uma Licença Agroindustrial (o aspecto Agroindustrial é

132 Utilizamos como fonte o PA n. 02019.001827/08-92, mas todos os demais processos administrativos trazem

sempre sublinhado); algumas usinas anexaram cópias de outorgas de uso de recursos hídricos, das autorizações de queima da cana emitidas pelo próprio IBAMA, do acordo da CPRH de 2007 e matérias de jornais noticiando ações de reflorestamento realizados por elas.

As defesas apresentadas afirmaram a existência do licenciamento ambiental e tentaram transformar as autuações do IBAMA em um problema de conflito de competência entre o órgão ambiental federal e o estadual. Segundo as usinas, a autuação do IBAMA se deve a uma discordância entre IBAMA e CPRH quanto ao tipo de licença exigida, pois a CPRH (que é competente para o licenciamento) considera que as Usinas se encontram devidamente licenciadas, enquanto que o IBAMA sinaliza “que o órgão estadual não vem cumprindo com a sua atribuição fiscalizadora”.

Poucas usinas trouxeram para o Processo Administrativo cópias do Plano de Controle Ambiental (PCA), que integram o licenciamento das mesmas na CPRH, ou do “Projeto de uso de vinhaça” na fertirrigação da cana”. Entretanto, faz parte da argumentação dos usineiros a alegação de que os PCAs exigidos pela CPRH contêm informações sobre o aproveitamento agrícola de vinhaça e o controle do uso de agrotóxico, que são parte da atividade agrícola; portanto, a licença emitida abrangeria tanto a parte industrial quanto agrícola.

A defesa não menciona o fato de que no PCA e na licença não há qualquer referência às Áreas de Preservação Permanente e às de Reserva Legal, dentre outras. Aliás, em relação a estes espaços, as usinas contestam o fato dos relatórios discorrerem sobre esses assuntos, não relacionados à autuação, já que o auto de infração se deu pela ausência do licenciamento ambiental. A defesa aduz, também, que os temas dos relatórios do IBAMA e a fiscalização na qual se basearam as autuações possuem caráter genérico e que a queima criticada pelo IBAMA é autorizada exatamente por este órgão.

Além disso, contestam a dosimetria da pena aplicada pelo IBAMA, que consideram equivocada, pois deveria ter seguido os valores estipulados pela lei estadual, em relação à qual se baseou a autuação; neste caso, o valor da multa seria de R$ 967,88, ao invés dos R$ 5.000.000,00 aplicados pelo IBAMA com base na Lei dos Crimes Ambientais.

Conforme já referido, antes das autuações o IBAMA requereu de algumas usinas o envio dos comprovantes do licenciamento ambiental do funcionamento da parte industrial e do cultivo da cana-de-açúcar. Como nem todas receberam esta notificação, tal fato é utilizado na defesa como argumento para a afirmação de que as notificações não passaram de uma “farsa processual, para coonestar uma condenação pré-estabelecida em manifesta afronta ao direito de ampla defesa” (Defesa Administrativa no PA n° 02019.001827/08-92).

Num momento posterior, após alegar que os dispositivos legais que embasaram a autuação são equivocados e que o analista autuante não solicitou documentos ou orientou a usina no sentido de corrigir eventuais falhas no licenciamento da CPRH, a defesa afirma que está evidente que “todo o setor sucroalcooleiro foi selecionado para ser AUTUADO pelo IBAMA, pouco importando os documentos que poderiam ser apresentados” (fls. 201 do PA n. 02019.001827/08-92. Destaque original).

Em trechos posteriores as usinas lançam afirmações que vão no mesmo sentido das já citadas, como: “Tais relatórios expressam uma posição pessoal dos seus apócrifos autores, sua visão ideológica133, negativista, da cultura da cana de açúcar”; e ainda, referindo-se à possibilidade da licença única: “Inexiste qualquer impedimento técnico ou jurídico para esse procedimento, exceto um entendimento equivocado da fiscalização do IBAMA, que projeta para a suposta ilegalidade todo um setor produtivo AGROINDUSTRIAL, justamente o maior do Estado de Pernambuco...” (fls. 204 do PA n. 02019.001827/08-92. Destaque do original).

Num outro trecho, a usina expõe sua indignação à autuação da seguinte forma: “O que a autuada pode constatar deste procedimento é que já existia um processo correndo à surdina neste órgão, no qual a Autuada e os demais integrantes do setor já haviam sido previamente „condenados‟” (fls 216 do PA n. 02019.001827/08-92).

Partindo do princípio de que possuem a licença ambiental, as alegações jurídicas e as interpretações do direito trazidas pelos usineiros centram-se na discussão sobre a competência do órgão estadual para efetuar o licenciamento das usinas e a legalidade da licença de operação única para todo o empreendimento sucroalcooleiro. Portanto, não caberia ingerência do IBAMA na definição do formato desta licença (cita a Lei Estadual n° 12.916/05 e

133 Esta alegação de que a atuação do órgão ambiental é ideológica não é exclusiva dos usineiros de Pernambuco.

No debate sobre as mudanças do Código Florestal tem sido comum aos setores favoráveis à flexibilização das leis ambientais, particularmente aos ruralistas (mas não só eles), a alegação de que as ações ambientais e as leis ambientais são tratadas de forma ideológica e não de forma “técnica ou científica” (que não é o caso, como discutido anterirmente), utilizando-se de uma retórica que desqualifica as medidas mais protetivas ao ambiente, conforme pode ser observado em inúmeras declarações divulgadas pela mídia, as quais citamos, a título de exemplo, as seguintes: Ideologia foi o grande problema da discussão do Código Florestal. O argumento do

deputado federal Abelardo Lupion (DEM-PR), que participou nesta sexta, dia 15, do Fórum Canal Rural na ExpoLondrina 2011, realizado em Londrina (PR). Para ele, o assunto envolve uma série de fatores técnicos e deve ser tratado como ciência. (AGRON. Código Florestal deve ser tratado sem ideologia. 15/04/2011.

Disponível no site AGRON, Agronegócio online: http://www.agron.com.br/v/30596-codigo-florestal-deve-ser- tratado-sem-ideologia). “Trata-se de um ranço ideológico, uma infâmia mesmo, atribuir ao projeto do novo

Código Florestal Brasileiro as tragédias que se verificam nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo”. O protesto é do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR)...” (COASUL. Código Florestal não amplia

chance de tragédia, defende deputado. 21/01/2011. Disponível no site da Coasul: http://www.coasul.com.br/codigo-florestal-nao-amplia-chance-de-tragedia-defende-deputado/.

Instrução Normativa n° 006/2006 da CPRH) que pode ser única, a Agroindustrial, que as usinas já possuem.

O texto suscita também a eventual responsabilização civil e criminal dos atos praticados pelos analistas ambientais autuantes cujos nomes constam nos Relatórios Técnicos de Constatação, no Circunstanciado de Fiscalização. Defendem que o auto de infração é nulo por não ter garantido a ampla defesa e o devido processo legal, com desobediência à formalidade legal, uma vez que o embasamento do auto de infração encontra-se nos Relatórios e estes são apócrifos e sem identificação da data e local de realização.

Ao abordar a violação ao direito de ampla defesa, alega que algumas usinas sequer foram notificadas a apresentar as licenças ambientais, e que no mesmo dia em que algumas usinas foram notificadas a apresentar a documentação, já foram autuadas, denotando supostamente que o auto de infração decorre de uma “farsa processual montada contra a Autuada e todo o setor sucroalcooleiro do Estado de Pernambuco.” E mais:

79. O que a Autuada pode constatar desse procedimento é que já existia um processo correndo à surdina neste órgão, no qual a Autuada e os demais integrantes do setor já haviam sido previamente “condenados.”

80. É forçoso concluir, portanto, que todas essas empresa vinham sendo investigadas, processadas e condenadas, sem que lhes fosse dado o menor direito à defesa, numa verdadeira conduta anti-democrática, mais próxima de estados policialescos, que não se coaduna com a realidade política e jurídica brasileira” (Defesa, Processo Administrativo n° 02019.001827/08-92, fls. 216)

O que se verifica nas defesas administrativas das usinas é que, não obstante o teor mais abrangente dos relatórios, elas limitaram-se a abordar quase que exclusivamente a infração administrativa em relação à qual foram efetivamente autuadas, não dando margem a discussão sobre APPs e Reserva Legal ou fornecimento de informações sobre as propriedades. Também não mencionam nada sobre as queimas irregulares e a insinuação de falsidade ideológica feita no Relatório Analítico do IBAMA, mas igualmente suscitam a possibilidade de processar os analistas do IBAMA.

Mostraram-se indignadas com o procedimento de fiscalização do órgão federal, como se este fosse fruto de um procedimento ilegal, fomentado “na surdina”, quando, legalmente, este deve ser o procedimento normal do órgão ambiental em relação a quaisquer empreendimentos em Pernambuco, inclusive às usinas. A defesa também desqualificou os técnicos do órgão, que realizaram relatórios “apócrifos”, “genéricos” etc, e tentou transformar a inexistência do licenciamento de cultivo numa divergência de procedimentos entre os órgãos ambientais estadual e federal. Segundo a defesa das usinas, a licença agroindustrial

abarca atividade industrial e agrícola “quando menciona que o empreendimento consiste na fabricação de açúcar e álcool e se refere à vinhaça utilizada na fertirrigação dos canaviais” (PA n. 02019.001827/08-92, fls 204).

Os usineiros alegam, ainda, que o setor sucroalcooleiro de Pernambuco vem se adequando à modernidade e são fiscalizados pela CPRH, citando o Planto de Controle Ambiental para Usinas e Destilarias do estado de Pernambuco, instituído pela Instrução Normativa n° 6/2006 da CPRH.

Como dito acima, em 2006 foi instituída a obrigatoriedade de apresentação do PCA para as usinas, mas este plano não inclui a parte agrícola, refere-se basicamente à parte industrial do empreendimento, na media em que solicita informações a respeito da captação de água para uso industrial e irrigação, e destinação da vinhaça, da torta de filtro, etc, que são rejeitos industriais. Analisando alguns PCAs anexados por algumas usinas, o que se verifica é a impressionante capacidade dos empreendimentos aproveitarem 100% da vinhaça resultante do processo de produção do álcool na fertirrigação, assim como dos demais rejeitos. Elas alegam que possuem tanques de armazenamento da vinhaça e das águas de lavagem, há controle de qualidade e de riscos de contaminação, possuem outorga do uso de água e tudo funciona muito bem e sob a fiscalização da CPRH.

Contudo, a título de exemplo, podemos verificar que este funcionamento é bastante relativo. A usina Trapiche, que é apontada como exemplo de adequação e preocupação ambiental no estado de Pernambuco, sofreu uma autuação do IBAMA no ano de 2009 por despejo de água de lavagem da cana diretamente no rio, não obstante possuir tanques para recepção e tratamento deste líquido, que simplesmente não estava sendo utilizado134.

Ademais, conforme já referido, desde o ano de 2006, quando foi instituída a obrigatoriedade de elaboração do PCA pelas usinas, até novembro de 2010, apenas seis entregaram estes planos à CPRH (Melo, 2011).

134

A denúncia de mortandade de peixes que resultou na autuação da usina Trapiche foi realizada por pescadores do rio Sirinhaém ao IBAMA. Usina Trapiche é multada por cometer crime ambiental. 30/10/2009. Site globo.com: http://pe360graus.globo.com/noticias/cidades/meio- ambiente/2009/10/30/NWS,501314,4,77,NOTICIAS,766-USINA-TRAPICHE-MULTADA-COMETER- CRIME-AMBIENTAL.aspx. Acesso em 10/11/2010.

Segundo o entrevistado Silvio, a equipe do IBAMA demorou praticamente um dia inteiro para localizar a origem do vazamento que, inicialmente, era tida como de vinhaça e, somente após percorrerem as margens do rio e seguirem as calhas e encanamentos localizaram o ponto de saída, de água de lavagem da cana que, simplesmente, não estava sendo direcionada para os tanques da usina, existentes e sem defeito no funcionamento.

até novembro de 2010 apenas cinco usinas haviam entregado os PCAs, que são analisados no bojo do processo de licenciamento agroindustrial do empreendimento, e nem por isso houve suspensão das licenças pela CPRH (Melo, 2011).

3.3 Ações civis públicas: pedidos de informação, licenciamento e aplicação do