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FINAIS DO SÉC

4. A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO

É principalmente após o 25 de Abril de 1974 que o fenómeno da democratização do ensino adquire especial relevância no nosso país.

Sousa (1968) definiu este conceito como sendo a política que visa tornar o ensino, e em particular o Ensino Superior, acessível a todas as classes sociais sem distinção de meios materiais.

Também Peters (1967, cit. por Fonseca, Freitas, Barroso, & Sequeira, 1998) reflecte sobre a democratização do ensino na década de 60 do século XX, fazendo assentar a sua teoria em três pilares: (1) A democratização da educação; (2) A escola como instituição democrática; (3) A educação para a democracia.

No âmbito da democratização do ensino, e ainda antes do 25 de Abril de 1974, foi dado um contributo muito especial pelo ex-ministro da Educação, José Veiga Simão. A reforma do ensino que encetou tinha, entre outros, o objectivo evidente de promover o acesso alargado dos portugueses aos diversos sectores da educação, de acordo com a sua perspectiva de que tal alargamento contribuiria decisivamente para o desenvolvimento do país.

A partir da primeira metade dos anos 50, verifica-se uma viragem na escolarização, em parte sustentada no crescimento económico a que se assistia. O aumento do rendimento das famílias permitiu uma nova perspectiva das vantagens do prolongamento da escolarização dos seus descendentes (Gago, 1994). Também Grácio (1997) se refere a este assunto quando nos diz que o modelo que permite uma decisão individual no sentido de um prolongamento dos estudos tem por base a teoria da economia da educação e do capital humano. Tal consiste no facto, comummente aceite, de que mais educação aumenta as probabilidades de se obterem rendimentos mais elevados na vida profissional. Ainda sobre este investimento na escolarização, diz-nos Diogo (2008) que essa é uma questão actualmente considerada fundamental quer pelas sociedades, quer pelos Governos e uma questão central para as próprias

famílias dos estudantes que são quem mais promove esse investimento mediante a realização de escolhas e o desenvolvimento de estratégias tendentes à promoção do sucesso escolar por parte dos seus membros.

Nesta abordagem, importa referir que os sistemas educativos conheceram no século XX uma expansão sem precedentes, consequência do desenvolvimento económico-social. Passou a reconhecer-se a educação como um direito embora não da mesma forma em todos os países. Desencadearam-se campanhas de combate ao analfabetismo; passou a considerar-se o ensino básico como uma necessidade essencial para a realização do indivíduo enquanto interventor na sociedade. Este é também o século da UNESCO enquanto instituição direccionada para o apoio aos Estados na sua tarefa de erradicação do analfabetismo e de massificação da formação educativa das populações. A UNESCO teve um papel decisivo no desenvolvimento científico e educativo de diversos países.

A principal consequência do sucessivo investimento por parte dos Estados na educação traduziu-se no alargamento a faixas sociais que até aí dela não beneficiavam. Consequentemente, o alargamento da escolaridade a um nível mais lato conduziu, passados alguns anos, a um acréscimo da população estudantil nos níveis seguintes. Tal como referimos anteriormente, esta evolução não se processou do mesmo modo em todos países. Houve alguns em que este esforço de investimento na educação não pôde ser mantido, nomeadamente em alguns países africanos, asiáticos e sul-americanos e em particular em países recém tornados independentes, tendo havido mesmo, em alguns deles, um retrocesso no que respeita à formação. Nos países mais desenvolvidos foi possível atingir níveis de escolaridade abrangendo a quase totalidade da população com idade inferior a 16/18 anos. Esta massificação ao nível do Ensino Secundário traduziu-se no consequente aumento da frequência do Ensino Superior (Crespo, 1993).

Relativamente a Portugal, a questão da democratização do ensino merece destaque especial na Constituição da República Portuguesa (CRP) (sendo para o efeito aqui considerada na versão de 1976, com a sétima revisão constitucional de 2005), nomeadamente no art.º 73.º. Neste artigo, indica-se que todos têm direito à educação e à cultura, cabendo ao Estado a promoção da democratização da educação e a criação das condições necessárias para a sua realização através da escola e de outros meios formativos, contribuindo assim para a igualdade de oportunidades, para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, contribuindo também para o desenvolvimento do espírito de tolerância, compreensão

mútua, solidariedade e responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva. Comentando este artigo, Miranda e Medeiros (2005) entendem que, sob o ponto de vista da CRP, a democratização da educação e também da cultura, andam a par da própria ideia de democracia, sendo que a participação democrática se revela em si mesma um importante instrumento educativo e cultural.

Também o art.º 75.º da CRP aponta no sentido da democratização do ensino quando prescreve que o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos que possa assegurar, a esse nível, as necessidades da população.

Finalmente, no ponto 1 do art.º 76.º, que trata em concreto da Universidade e do acesso ao Ensino Superior, verifica-se um retorno a este tema quando se preconiza que o regime de acesso à Universidade e restantes estabelecimentos de Ensino Superior deve garantir a igualdade de oportunidades e a democratização do ensino e atender, quer às necessidades de quadros qualificados, quer à elevação do nível científico, cultural e educativo do país (Miranda & Medeiros, 2005).

Outro marco fundamental em que se consagra o princípio da democratização do ensino é a Lei n.º 46/86. A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), publicada em 14 de Outubro de 1986, faz constar dos seus princípios gerais, entre outros, o direito à educação, à cultura e a democratização do ensino, assente numa justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares (Pires, 1987). Embora estes sejam princípios que derivam implicitamente da nossa Constituição, é mediante a LBSE que ganham forma e se concretiza a sua execução.

Segundo Freitas (1998), o caminho para a democracia em Portugal tem sido longo e difícil, embora tenham sido alcançadas algumas metas, dando como exemplos a liberdade de expressão ou o direito universal ao voto, chama a atenção para o facto de a plena democracia não ter sido ainda alcançada. No caso concreto do sistema educativo português, o ponto da situação impõe que se refira que estamos a caminhar para a concretização da democratização, não tendo ainda atingido o estádio pleno. Concretiza a ideia afirmando que existem etapas próprias que se não podem contornar. Para este autor, uma coisa são as intenções, nomeadamente as políticas, e outra é a situação económico-financeira de um Estado. Na sua opinião, é utópico pretender uma igualdade de facto entre todos os cidadãos no que respeita à Educação quando a realidade indica existirem noutras áreas desigualdades insanáveis. As desigualdades combatem-se mais eficazmente (embora não apenas) desde que não escasseiem os recursos económicos, sendo disso exemplo os países do Norte da

Europa, nos quais se construiu uma Educação de qualidade resultante, em boa medida, de regimes democráticos consolidados.

Na opinião de Arroteia (1998), tem havido nos últimos anos um aumento da procura social da educação, quer nos níveis superiores do ensino básico e secundário, quer também no Ensino Superior. Este movimento tem sido acompanhado de um acréscimo no investimento em recursos humanos, materiais e financeiros. O fenómeno da democratização do ensino tem tido uma repercussão à escala mundial. No caso particular dos países em desenvolvimento tem sido suscitada a discussão à volta do tema de uma escola que se confronta com um aumento demográfico em simultâneo com um aumento da sua abertura a novas camadas sociais. Também nos países considerados desenvolvidos foi possível assistir, nomeadamente a partir dos anos 50 do século XX, a um aumento do número de estudantes a frequentar o Ensino Secundário e Superior, aumento este devido, entre outras circunstâncias, às exigências de mão-de-obra qualificada como resposta ao desenvolvimento económico verificado. Menos do que a um surto demográfico, o aumento da procura dos níveis superiores do ensino, deve-se, nestas sociedades, principalmente a motivações de ordem social, sendo que esta procura excedeu as capacidades que os sistemas educativos então detinham. Esta incapacidade dos sistemas de ensino para absorver contingentes crescentes da população, apesar do seu progressivo alargamento e aumento das despesas para o seu funcionamento, foi também acompanhada por resultados nem sempre positivos. Daí suscitar-se a questão de se esta democratização do ensino tem sido acompanhada de um reforço da sua qualidade ou, por outro lado, a realidade com que nos confrontamos nos leva a um quadro de deterioração do sistema. O autor recorda-nos que esta questão não é de resposta fácil e que nos países em desenvolvimento, este fenómeno da democratização teve lugar depois da II Guerra Mundial e permitiu que, de uma situação em que apenas poucos privilegiados tinham acesso à educação, se passasse para um processo que quebrou barreiras sociais e culturais, permitindo que cidadãos de sectores sociais cada vez mais alargados pudessem aceder a escalões superiores do ensino e não apenas à escolaridade obrigatória.

Uma consequência tem sido evidente: o alargamento da escolaridade e o aumento da frequência do sistema educativo tem trazido a cada país efeitos benéficos sob o ponto de vista do desenvolvimento económico e social. Apesar deste reconhecimento, Arroteia (1998) alerta para o facto de que os investimentos necessários para tornar o sistema de ensino acessível a todas as camadas sociais, estão directamente dependentes dos recursos humanos e materiais disponíveis, bem

assim como dos níveis de desenvolvimento económico, científico e cultural do país, o que condiciona implicitamente todo o processo de democratização dos diversos níveis de ensino.

Quando em capítulo anterior nos referimos ao impacto da adesão de Portugal à União Europeia, incluindo esse aspecto neste trabalho, foi porque nos parece que tal adesão constituiu um marco fundamental para o desenvolvimento do nosso país. Tendo esse impacto tido reflexos nos mais variados sectores da nossa sociedade, influenciou também, decisivamente, as questões educativas. Sobre este assunto, parece ter sido entendimento generalizado, quer por parte das autoridades portuguesas, quer pelas instâncias comunitárias que a democratização e desenvolvimento da nossa sociedade teriam de ser encaradas sob uma perspectiva de desenvolvimento global e integrado onde confluíssem de forma harmónica os aspectos económicos, sociais e culturais. É nessa medida que surge, nesse contexto, o papel da Educação. O texto prossegue, referindo-nos o PRODEP (Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal), cujos objectivos eram os de preparar o nosso sistema educativo para as exigências de ordem social e económica que a integração europeia do nosso país impunha, nomeadamente as relativas ao desenvolvimento e formação dos recursos humanos. Assim sendo, importa referir que ao PRODEP correspondiam três vectores estratégicos: generalizar o acesso à educação, modernizar infra-estruturas e elevar o nível qualitativo da acção educativa, dos quais nos interessa, neste capítulo, destacar o primeiro já que se prende directamente com a democratização do ensino (Fonseca, Freitas, Barroso, & Sequeira, 1998).

Também Almeida (2008) se refere à questão da democratização do ensino. Assinala este autor que a democratização do Ensino Superior se terá iniciado após a II Grande Guerra, na sequência da migração de mão-de-obra dos campos para as cidades. Este movimento populacional teve como origem, entre outros factores, a libertação da mão-de-obra do sector primário em consequência da introdução de máquinas que permitiram alterar o contexto em que se cultivava a terra. Em simultâneo, aumentava a necessidade de mão-de-obra na indústria e nos serviços. Como resposta ao desenvolvimento, não bastava que esta mão-de-obra acorresse em quantidade. Tornava-se cada vez mais necessário que fosse qualificada. É neste contexto que se assiste, na década de setenta, à duplicação do número de instituições de Ensino Superior a nível mundial. Porém, a resposta que as Universidades deram a esta solicitação de ordem económica e social revelou-se insuficiente. O modelo tradicionalista e voltado para si mesmo destes estabelecimentos acompanhava com

dificuldade as mudanças sociais dado que centrava a sua missão no seu interior institucional, no seu ensino e nos seus professores em vez de se focar nas suas relações com o mundo exterior, nos estudantes e na aprendizagem. A reacção deste sistema de ensino tradicional à democratização do acesso e ao consequente aumento da procura de formação superior consistiu no aumento do número de vagas e no aumento da sua dimensão.

Mas as novas descobertas científicas e o desenvolvimento económico e social comportavam novas exigências. Não bastava já apenas criar conhecimento a partir da investigação fundamental – tornava-se necessário aplicá-lo, disponibilizando-o de modo a que pudesse ter impacto na vida das populações. Também as formações que eram ministradas pelos ensinos médio e secundário se revelaram progressivamente desadequadas a esta evolução em curso e face às exigências cada vez maiores de qualificações profissionais e da capacidade de aplicação dos novos conhecimentos. Como resposta a esta situação, a generalidade dos países manteve a missão fundamental das Universidades tradicionais e, em paralelo, criou novas instituições de Ensino Superior com missões diferentes. Esta génese do sistema binário: Universitário e Politécnico constituiu-se também como uma resposta decisiva à democratização do Ensino Superior (Almeida, 2008).

Seguindo a mesma linha, Simão e Costa (2000), a propósito da génese do Ensino Politécnico, assinalam que em qualquer sistema, a educação é um contributo para a evolução da sociedade. Na sua opinião, o progresso social inclui expectativas de crescimento económico e preocupações relativas à justiça social, visando a superação de desigualdades, quer de ordem individual, quer regional. É neste contexto que surge o Ensino Superior Politécnico: como resposta, em matéria de recursos humanos àquilo que o mercado de trabalho exigia, tendo-se como horizonte o desenvolvimento nacional; como contributo para a igualdade de oportunidades no acesso ao Ensino Superior também efectivada pela sua implantação regional; enquanto subsistema de ensino cujos conteúdos e práticas se adequam a diferentes grupos populacionais, abrindo-se assim a novos públicos; e promovendo diversas modalidades nos campos da formação contínua e da educação recorrente, constituindo-se deste modo como factor para a democratização.

Em jeito de balanço do que têm sido as últimas décadas em Portugal, no que à democratização do ensino respeita, Sebastião e Correia (2007), revelam em primeiro lugar que a resposta é necessariamente parcial atendendo aos problemas que estão ainda por clarificar. Afirmam, no entanto, que há tendências contraditórias no seio do

sistema educativo: se por um lado se verificam indícios de abertura e democratização, por outro há situações em que são evidentes algumas tendências de retorno a uma escola de elites. Na sua opinião, entre os estudantes, permanecem assimetrias que se revelam em percursos escolares diferenciados e que radicam em factores como a origem social, o estabelecimento de ensino frequentado ou o local de residência. Deste modo há muito ainda por fazer se pretendermos um quadro autêntico de igualdade de oportunidades para todos, nomeadamente proporcionando a todos condições de ordem material, social ou cultural que permita um desenvolvimento em equidade das capacidades individuais. Há também trabalho a desenvolver no que respeita ao estabelecimento de redes que envolvam agentes educativos e institucionais da comunidade promovendo-se assim o desenvolvimento. Finalmente, para o sucesso da democratização do ensino, consideram essencial que se promova um ensino diferenciado com oportunidades diversificadas, não elitista, que fomente nos estudantes o desejo por escolaridades mais longas conferentes de qualificação e que se estimule a auto-aprendizagem e o envolvimento em projectos colectivos.

Actualmente, o conceito da democratização do ensino e em particular do Ensino Superior assume também outros aspectos, para além dos anteriormente referidos. Vivemos numa sociedade de rápidas mudanças e desafios e na qual a educação desempenha um papel central e decisivo. É sabido o seu impacto no desenvolvimento cultural, económico e social dos diferentes países, qualquer que seja o seu estádio de desenvolvimento. Nesta medida, as sociedades actuais serão tanto mais competitivas quanto maior for a capacidade de gerir a informação, produzir conhecimento e de fomentar o capital intelectual. O desenvolvimento socioeconómico depende, neste mundo globalizado, dessa capacidade de produção de conhecimento e, sobretudo, numa perspectiva de democratização, da capacidade de disseminar esse conhecimento produzido por sectores cada vez mais vastos da sociedade. Considera- se determinante, nesta sociedade cada vez mais assente em plataformas tecnológicas, que esses recursos se encontrem cada vez mais acessíveis a todos em condições de relativa equidade. Sabe-se que a sociedade actual requer, para o seu desenvolvimento económico, mão-de-obra altamente qualificada. Os exemplos que nos chegam de países como a Finlândia, o Japão, Singapura, Suécia e Dinamarca, reportam-se a casos em que houve e continua a haver uma forte aposta na formação, a todos os níveis de sectores cada vez mais alargados das suas populações, formação esta assente na transmissão de conhecimentos, mas igualmente na formação de atitudes e na promoção dos valores (Saraiva, Coelho, & Rosa, 2007).

5. A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO EM