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Capitulo 3. A retórica de intolerância de Edir Macedo

3.2 A demonização no discurso de Macedo

A pesquisa feita sobre intolerância do discurso de Macedo leva a pensar que o saber comunicar, o que comunicar e para quem comunicar tem sido um dos recursos de maior sucesso empregado por Edir Macedo e na Igreja. Macedo, ao dirigir e dedicar o discurso de seu livro Orixás, Caboclos e Guias... “a todos os pais-de-santo e mães-de-santo do Brasil, considera que todos eles mais que qualquer pessoa, merece e precisam de um esclarecimento” (MACEDO, 2006:10), e o livro é um recurso que responde a essa necessidade de informação. Ao dirigir-se aos pais e mães-de-santo Edir Macedo deixa bem claro qual é o seu público alvo. O seu público alvo seria formado por sacerdotes e sacerdotisas e pelos freqüentadores e simpatizantes das religiões afro-brasileiras e mediúnicas, ou então aos que compartilham essa visão de mundo. Esse público, ainda que não possua um número suficientemente significativo de fiéis para disputar em equivalência ao total de seguidores da IURD, oriundos do catolicismo ou do grupo de evangélicos, não deixa de ser o “calcanhar de Aquiles” de sua argumentação.

A esta altura pode-se perguntar: por que a IURD bate tanto nos cultos afros se esses, conforme os números do Censo do IBGE têm muito menos adeptos do que os pentecostais? Pressupõe-se que Macedo tenha em mente, as seguintes intenções: determinar o público alvo à quem ele dedica seus escritos, e desqualificar os seguidores das religiões por considerá-los “ignorantes”. Essa perspectiva fica clara na afirmação: “eles merecem e precisam de um esclarecimento”. Por outro lado, ao deslegitimar e estigmatizar as práticas das religiões mediúnicas, ele busca estabelecer uma identidade própria para a IURD, à qual ele atribui uma situação diferenciada no campo religioso. Como afirma Silva (2007:11) o panteão afro, ”sobretudo a linha ou categoria de Exú, associada ao diabo cristão” tem sido um dos alvos principais desse combate de Macedo. A estigmatização de alguns grupos ocorre, segundo Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, quando um indivíduo ou “um grupo dominante, faz crer a si e aos próprios execrados que tais estigmas são (ou podem ser) verdadeiros” (GUIMARÃES,2002:172). Daí porque, ainda segundo Guimarães (2002) um dos modos utilizados para estigmatizar um grupo é atribuir-lhes conceitos de inferioridade, considerando-

responsáveis pela anomia (desorganização social e familiar), delinqüência e atitudes quase- animais, ou não inteiramente pertencentes à ordem social.

Ricardo Mariano, (in: SILVA: 2007) considera que “os grupos minoritários são os mais atentos e sensíveis para identificar procedimentos de exclusão e perseguição”. O modo como a intolerância é aprendida e combatida são por vezes complexos, e variam segundo o contexto onde o indivíduo ou grupo por ela atingido, está inserido. Deste modo, Mariano (2007:121) tem afirmado que: “a definição e interpretação (por parte dos agentes sociais em geral e dos poderes públicos) dos atos que caracterizam ou configuram a intolerância religiosa varia muito de um contexto histórico para o outro e de uma sociedade para outra, bem como de um grupo religioso”. Dessa maneira, Macedo, ao atribuir as religiões afro-brasileiras e mediúnicas a categoria de “obras do demônio”, cria um estigma que é atribuído aos seguidores desses sistemas religiosos, contribuindo assim para práticas de intolerância religiosa.

Ao fazer uma análise do combate aos cultos afro-brasileiros por Macedo e pela IURD, Mariano afirma que “para Macedo, a melhor defesa contra os demônios é o ataque, e em obediência ao líder eclesiástico, pastores obreiros e fiéis, partem para ofensiva” (MARIANO in SILVA, 2007:137). Em momento algum, no livro Orixás, Caboclos e Guias.., Macedo defende a agressão física dos “possuídos pelo demônio”. Porém, é possível que alguns leitores sintam-se sugestionados a pratica da violência física, estimulados pela mensagem implícita no texto. Observemos o que escreve Macedo:

“Amigo leitor, comece hoje mesmo a exercer a autoridade que Jesus lhe confere. Não abra mão de seus direitos; não deixe de lado o que o Senhor lhe concedeu; agarre-se com unhas e dentes às bênçãos de Jesus e pise na cabeça dos exus23 e Cia. Ilimitada! Quando você ordena a um demônio que

saia de um corpo, o Espírito Santo confirma a autoridade de que você está investido. Pode chamar o chefe dos demônios que está dominando aquele corpo; o que está na casa da pessoa, nos parentes ou em quem quer que seja, que eles têm de obedecer! (MACEDO,2006:129 e 130).

Alguns exemplos de agressão física por parte de fiéis iurdianos são apresentados por Silva a partir de noticiário jornalístico:

“... no Rio de Janeiro, umbandistas do Centro Espírita Irmãos Frei da Luz foram agredidos com pedradas pelos freqüentadores de uma IURD, situado

ao lado desse Centro, na Abolição. Uma adepta da Tenda Espírita Antônio de Angola, no bairro do Irajá, foi mantida por dois dias em cárcere privado numa igreja evangélica em Duque de Caxias, com o objetivo de que esta renunciasse à sua crença e se convertesse ao evangelismo” (SILVA, 2007:12).

A retórica, a nosso ver, tem sido utilizada pela IURD como um instrumento de poder, para impor sua ideologia e cosmovisão. Macedo e seus pastores desenvolveram a arte de “utilizar as palavras como se fossem armas de guerra” (CAMPOS, 1997:311). Nas sessões de descarrego, antes da “oração forte” para a “libertação da opressão dos demônios”, o pastor leva os fiéis a pronunciarem em alta voz algumas palavras chaves como “sai satanás”, “sai, sai, saaai!”, “queima” ou “tá amarrado”. Após alguns segundos, repetindo essas palavras como se fosse um mantra, muitos dos presentes começam a entrar (ou a dramatizar) um estado de transe, transformando o culto num verdadeiro espetáculo teatral. A respeito das performances, dramatização ou teatralização presentes nas liturgias e rituais religiosos, Campos (1997) apresenta um minucioso estudo descritivo e analítico da maneira como o sagrado é dramatizado na Igreja Universal do Reino de Deus.

O desfecho do discurso demonizador seja identificado como “guerra santa” ou por “intolerância religiosa”, traz alterações significativas ao campo religioso brasileiro. Dá-se continuidade então as perseguições que as religiões afro-brasileiras tem sofrido há muitas décadas por parte de cristãos, sejam eles católicos ou evangélicos. Ela tem se destacado entre as demais igrejas cristãs pelo número de publicações produzidas a respeito desse tema. Oro (2007) faz referência a pesquisa feita neste campo por Ronaldo de Almeida.

“A primeira publicação da Igreja Universal do Reino de Deus foi a revista Plenitude, criada pouco tempo depois de sua fundação e, desde o seu primeiro número, o ataque à Umbanda e ao Candomblé imperaram como matérias principais. A Folha Universal, que substituiu posteriormente a revista (sic), traz todas as semanas diversas reportagens a respeito dos males causados por estas religiões” (ALMEIDA,1996:55).

A IURD, na concepção de Oro, é uma Igreja em que “o exorcismo e a demonização das entidades afro-brasileiras ocupa um lugar central no seu discurso e em sua ritualística cotidiana” (ORO in SILVA, 2007:35). Também podemos notar que esse discurso ganha maior amplitude quando ele sai da esfera privada dos templos e passa à pública graças aos meios de comunicação, como aponta Vagner G. Silva:

“Dos púlpitos, esse ataque estende-se para os programas religiosos (“Fala que Eu te Escuto”, “Ponto de Luz”, “Pare de Sofrer”, “Show da Fé” etc.)

transmitidos pela Rede Record (de propriedade da IURD) e por outras emissoras que tem seus horários comprados pelas igrejas neopentecostais. Em muitos desses programas são exibidas “reconstituições de casos reais” ou dramatização nas quais símbolos e elementos das religiões afro- brasileiras são retratados como meios espirituais para obtenção unicamente de malefícios: morte de inimigos, disseminação de doenças, separação de casais ou amarração amorosa, desavença na família etc.” (SILVA, 2007:11). Edir Macedo, afirma no livro aqui analisado que a prática da mediunidade ou a solicitação e a intercessão para se alcançar algum benefício por meio de guias, orixás e caboclos é “pecado contra Deus” e que isso impossibilita alcançar à felicidade, à prosperidade e a alcançar a salvação (MACEDO,2006:34). Ora esse mesmo discurso é repetido constantemente pelos pastores e fiéis, o que demonstra o poder, a influência e a coerência entre os fiéis e o autor. Por isso mesmo podemos considerar o discurso de Macedo dentro da perspectiva apontada por Pierre Bourdieu, como uma manifestação do “ poder das palavras” que se torna muito mais “o poder delegado do porta-voz cujas palavras (quer dizer, de maneira indissociável, a matéria de seu discurso e sua maneira de falar) constituem no máximo um testemunho entre outros de garantia de delegação de que ele está investido” (BOURDIEU,2008:87). Nessa mesma linha de raciocínio Tereza Halliday argumenta que a “retórica é um instrumento intencional e de poder, que um comunicador faz da linguagem e de outros símbolos para influenciar ou persuadir públicos selecionados a fim de que ajam, creiam e sintam, em situações específicas tidas como “problemáticas” da maneira como o comunicador deseja” (HALLIDAY,1987:100).

No entanto, para Silva (2007), essa retórica que contém ataques da IURD contra às religiões afro-brasileiras, é uma estratégia de proselitismo, sem deixar de ser ao mesmo tempo “conseqüência do papel que as mediações mágicas, e experiência do transe religioso presente no sistema neopentecostal”. Compreendemos assim que o discurso demonizador de Macedo, está também relacionado à necessidade que a IURD tem de delimitar as suas fronteiras. Isso se deve a proximidade da cosmovisão dessas religiões com o que ocorre nos cultos, ritos e símbolos utilizados pelos iurdianos. A necessidade de criar uma identidade própria para diferenciar-se daquelas que lhe são tão semelhantes, encontra no processo de estigmatização e demonização, o meio eficaz para combatê-las e deslegitimá-las.