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Nos últimos anos, viram-se ressurgir, de modo vigoroso, discussões em torno da descentralização no cenário internacional. Conforme constata Dillinger (1995), dos 75 estados subdesenvolvidos cujas populações ultrapassavam cinco milhões de habitantes, em apenas doze não estavam em andamento processos de descentralização. A intensificação da redistribuição de poder político-econômico do poder central dos Estados Nacionais, rumo às unidades subnacionais de governo, pôde ser observada desde meados do século XX em nações de diversos matizes político-econômicos, desde os países de Primeiro Mundo – ante a crise do Welfare- State – àqueles egressos do desmontado centralismo do “socialismo real”, chegando às nações em desenvolvimento, frente ao esgotamento do modelo nacional- desenvolvimentista (AFFONSO, 2000).

Segundo Afonso (2000), alguns dos fatores que justificaram a difusão de processos descentralizadores entre os países foram a emergência do fenômeno da “globalização” ou mundialização do capital, com o enfraquecimento do poder regulatório dos Estados nacionais; a emergência dos regional states – espaços econômicos que se conectam com a economia internacionalizada, “acima” do controle do Estado-nação; e a reascensão do ideário liberal, advogando pela redução do papel do Estado na economia e assumindo o paradigma da descentralização como caminho para elevação da eficiência no setor público.

As sucessivas crises econômicas que se abateram sobre o mundo capitalista a partir de 1970, passados trinta anos de relativa prosperidade nos países centrais após a Segunda Guerra Mundial, e o consequente movimento do capital em busca de sua reprodução, acumulação e expansão, delineiam o contexto histórico em que se deu o esgotamento dos arranjos políticos e econômicos vigentes (NOMA, 2011). Até então, o Estado, fortalecido pela inspiração keynesiana, detinha papel proeminente de regulação social, política e econômica, seja em sua manifestação “Desenvolvimentista”, nos países subdesenvolvidos; seja em sua face de “Bem Estar Social”, nos países centrais da América do Norte e da Europa.

Com as crises cíclicas do capitalismo, ganharam força argumentos que creditavam à configuração intervencionista do Estado e a sua insatisfatória capacidade administrativa a responsabilidade pelos colapsos – agravados, no caso dos Welfare State, aos custos econômicos da ampla rede de proteção social que se

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criara (NOMA, 2011). O Estado, que outrora figurava como fórmula salvadora para promoção de projetos de desenvolvimento econômico sobre bases keynesianas; na perspectiva neoliberal, passou a ser encarado como parte principal do problema, motivo pelo qual veio predominar a ideia de necessidade de redefinição de seus papéis, de reforma em seu aparelho, assumindo como modelo de excelência a “forma de ser” do mercado (idem). Com o esgotamento dos modelos anteriores, ocorre reconfiguração e nova dinâmica da produção e acumulação capitalista, assim como do sistema ideológico e político que as suportam, cujos contornos se evidenciaram com o advento do neoliberalismo (idem).

O enxugamento da estrutura do Estado, a descentralização, a adoção da administração pública gerencial – flexível, adaptável e orientada às necessidades dos “cidadãos-clientes” – foram algumas das principais diretrizes dos processos reformadores neoliberais (NOMA, 2011). Essas reformas, cujos expoentes se deram na Inglaterra e Estados Unidos, em 1979 e 1980, respectivamente, nos governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, vieram a repercutir em reformas similares em diversos países, como foi o caso da Suécia, Nova Zelândia, Austrália, México, Argentina e Uruguai, na década de 1980, e do Brasil, na década seguinte (BRESSER PEREIRA, 1999).

Na América Latina, a descentralização esteve associada aos processos de redemocratização que sucederam a partir dos anos 1980, à crise fiscal dos governos centralizados e a problemas de governabilidade (AFFONSO, 2000).

Sob a perspectiva progressista, a descentralização era encarada como condição necessária para viabilização do ideário democrático, à medida que a elevação do poder dos níveis mais locais ampliaria a visibilidade e controle dos sistemas decisórios, favorecendo a participação cidadã sobre as estruturas e processos de decisão (TOBAR, 1991). Já sob a ótica neoliberal, as transferências de responsabilidades atenderiam às exigências de “aplacamento” da crise fiscal, mediante diminuição do Estado Central, introdução de regras de “comportamento privado” no setor público, possibilitando concorrência entre as esferas descentralizadas, tendo por fim o aumento da eficiência na prestação dos serviços, em que o maior beneficiário seria o “cidadão-cliente” (AFFONSO, 2000). Esses

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multifacetados propósitos em torno da descentralização, ressaltando seu sentido de “meio”, são sintetizados por Tobar (1991):

[...] o conceito foi esboçado como ferramenta para expansão e intensificação da democracia, e também como mecanismo de controle e dominação. Da mesma forma, há definições que são compatíveis com a estatização dos serviços e outras centradas na transferência dos mesmos ao setor privado. Na sua aplicação pode- se perseguir tanto a equidade como manter as diferenças no acesso aos serviços que existem até o presente. (TOBAR, 1991, p. 4).

Conforme Fiori (1995), independentemente do espectro político-ideológico, havia certo consenso em torno da necessidade de transferência de poderes e responsabilidades: a) entre um mesmo nível de governo (da administração direta para indireta), b) entre níveis de governo (do poder central para as esferas subnacionais), c) para organizações da sociedade civil, e, finalmente, d) para empresas privadas.

Em que pese a recorrente utilização do termo em contraposição à extrema centralização, Vieira (2012) ressalta o atributo dinâmico associado ao conceito de descentralização, isto é, de existência de diferentes graus de descentralização e a possibilidade de se situarem os vários sistemas políticos-administrativos em pontos específicos desse espectro. Nesse sentido, a descentralização pode ser enfatizada, como sinaliza Rodden (2005), sobre os vieses de transferência de autoridade fiscal – que enfoca a distribuição de despesas e receitas entre os níveis de governo –; política – assegurando-se a possibilidade de que, pelo sufrágio universal, os cidadãos escolham seus dirigentes locais –; e de políticas públicas – conferindo poderes para os governos locais e regionais decidirem sobre áreas específicas, como educação, saúde e infraestrutura.

As experiências concretas de descentralização, no entanto, apontam diversas limitações relativas a esse processo, como falta de capacidade técnica e/ou autonomia financeira das unidades subnacionais para assumir novos encargos; inadequação no controle e acompanhamento das políticas sociais descentralizadas; dificuldade de estruturar e manter coalizões políticas em prol da descentralização; incongruência entre descentralização e as políticas de estabilização macroeconômica; e dificuldades de articular descentralização com as políticas redistributivas (AFFONSO, 2000; RODDEN, 2005; TOBAR, 1991).

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