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2.3. Métodos de tratamento utilizados no Juquery

2.3.2. A influência alemã e a adoção de novos métodos terapêuticos

2.3.2.1. A diatermia

Nos anos 1920, além das psicoses, duas doenças que preocuparam imensamente os médicos e psiquiatras do hospital de Juquery, foram a sífilis e a paralisia geral. Tais patologias, vistas como intimamente ligadas às doenças mentais, eram muito freqüentes no hospital e desafiaram o saber psiquiátrico que buscou vários métodos terapêuticos para o tratamento dessas moléstias.

O primeiro método de tratamento adotado pelos psiquiatras brasileiros foi a malarioterapia, muito utilizado no tratamento da paralisia geral. Criada pelo austríaco Von Jauregg, esta prática consistia na inoculação do plasmódio causador da malária no organismo do paciente. No entanto, em virtude do grande número de contra-indicações e perigos oferecidos aos indivíduos, em finais da década de 1920, esta prática começou a ceder lugar a novos processos piroterápicos, como a diatermia.

Criada pelos americanos Neymann e Osborne, de Chicago, a diatermia procurava “obter uma hiperpirexia artificial, não por meio de agentes bioquímicos ou pela inoculação de outras doenças, mas agindo por um processo físico”. O método testado nos Estados Unidos não tardou a interessar os psiquiatras brasileiros, tanto que em 1930 os doutores Antonio Carlos Pacheco e Silva, L. Passos, J. Fajardo e Marques de Carvalho, publicaram um artigo nos Arquivos de Memórias do Hospital de Juquery discutindo a diatermia no tratamento da paralisia geral (PACHECO e SILVA et. al., 1930-31, p.112).

Como estes mesmos autores relatam: “as experiências iniciais foram feitas em animais de laboratório, visando os seus autores obter uma elevação de temperatura com a diatermia, partindo do processo de Mehrtens e Pouppirt, que se propuseram a tratar a paralisia geral por meio de banhos quentes” (Idem, p.113). O fato interessante é que a maioria das práticas terapêuticas utilizadas nos hospitais psiquiátricos foram adaptações de métodos experimentados em animais de laboratório. Segundo Neymann, “o método exige um aparelho potente para não só se alcançar uma temperatura elevada, como ainda mantê- la, evitando-se, ao mesmo tempo, o aparecimento de queimaduras no paciente” (Idem, p. 114). Muito embora tenha sido desenvolvido por estes médicos americanos, a prática muito se assemelha à hidroterapia criada em 1896. Na hidroterapia, por exemplo, o paciente era enrolado em uma rede e mantido dentro de uma banheira encoberta por uma lona (com um buraco para a cabeça) por horas ou até dias. Água gelada e água fervente eram usadas alternadamente para encher a banheira. Acreditava, dessa forma, que o banho prolongado

induziria à fadiga psicológica e estimularia a produção de secreções da pele e dos rins, que podem reestruturar as funções do cérebro. O que houve, na verdade, foi uma modernização do método.

Visto que os internos de hospitais psiquiátricos tenham assumido papel de “cobaias” desde tempos remotos, não tardou e o método começou a ser testado em seres humanos. O hospital de Juquery foi escolhido como um lugar de ensaio do novo método; antes mesmo de ter confirmado a eficiência do mesmo, o Dr. Neymann enviou a técnica para que os psiquiatras fizessem seu experimento na seção de fisioterapia do Hospital de Juqueri. Isto porque naqueles tempos o hospital já se constituía em um dos maiores complexos psiquiátricos do mundo. Nas palavras de Silva, Passos, Fajardo e Carvalho: “(...) dentro de pouco tempo, embora não dispuséssemos da necessária aparelhagem, pelo que fizemos construir nas oficinas do hospital os eletrodos aconselhados, conseguimos pleno êxito com a nova técnica” (Idem, p.114).

Como se percebe nas palavras dos psiquiatras, o método começou a ser experimentado no hospital sem que ao menos os aparelhos estivessem adequados às normas estabelecidas pelo criador do método.

O Dr. Neymann preconiza o emprego de eletrodos de estanho, fenestrados, e que cubram grandes superfícies do tórax e do dorso, a fim de facilitar a passagem de correntes de 4000 mA, no mínimo, através do corpo, sem o que não se consegue a temperatura desejada. Há, ainda, a necessidade de se intercalar no circuito um reostato disposto de forma a distribuir dois terços da corrente através do peito e um terço através do abdômen. O isolamento do paciente se consegue facilmente com 7 a 8 cobertores e um lençol de borracha. Os eletrodos são ajustados ao corpo por um colete de pano, bem aplicado, para se evitarem atritos. A elevação da temperatura depende do peso do paciente, da intensidade da corrente e da eficiência do isolamento. (Idem, p.114).

No Juquery, a técnica foi seguida quase por completo, salvo os eletrodos que eram diferentes. Como mostra os autores:

(...) a princípio empregamos os eletrodos por ele aconselhados, isto é, feitos de lâminas de estanho de meio a um quarto de milímetro de espessura, tendo 50 cm de comprimento por 60 cm de largura. Verificamos, porém, que tais eletrodos se inutilizavam ao fim de 2 a 3 aplicações, o que muito encarecia o tratamento, tornando-o quase impraticável. Esse inconveniente foi afastado substituindo-se as lâminas de estanho por eletrodos de tela de cobre (Idem, p.114).

O uso dessa tela permitiu que se conseguissem os mesmos resultados, no entanto era necessário imergi-la em uma solução de cloreto de sódio ou untá-la com vaselina, antes do uso, para que fosse possível obter uma melhor passagem da corrente elétrica. Feito isto, a tela era fixada a coxins de borracha por meio de botões de pressão, a fim de conseguir isolamento e, principalmente, uma perfeita adequação ao corpo do paciente. Para aumentar ainda mais o isolamento e evitar a possibilidade de os eletrodos serem arrancados pelo paciente, utilizavam-se coletes preconizados por Neymann, os quais foram confeccionados de pano impermeável, seguindo um modelo idealizado pelos próprios psiquiatras do Juquery.

Na fase de ensaio, o método foi aplicado em um total de cinco pacientes e as aplicações ocorreram de três em três dias. Dos cinco doentes tratados - convém lembrar que, dois já haviam sido submetidos anteriormente à malarioterapia, obtendo algumas melhoras, e os outros três não passaram por nenhum tipo de tratamento anterior - dos cinco pacientes, os três primeiros fizeram dez aplicações, o quarto 11 e o quinto, fez 15 aplicações, seguindo-se os conselhos de Neymann que aconselhava de nove a 12 aplicações. Segundo Silva et al: “Em todas as aplicações feitas, o tempo máximo da duração foi de seis horas, sendo que a corrente permaneceu ligada durante quatro horas. As aplicações eram iniciadas, em regra das 8 ½ ás 9 horas, e terminavam entre 14 ½ e 15 horas” (PACHECO E SILVA et. al., 1930-31, p. 115).

Durante as aplicações, os psiquiatras observavam as mudanças fisiológicas no corpo do paciente, verificando a mudança da temperatura, pressão arterial e batimentos cardíacos. Devido ao grande aumento de temperatura do corpo que chegava a atingir os 40 graus os pacientes sofriam uma perda de peso muito rápida, perda que chegava a cinco quilos ao fim de uma única aplicação. Por este motivo, dava-se ao indivíduo, durante a aplicação, uma grande quantidade de líquido para ingerir, a fim de evitar a desidratação. Mas as mudanças não ocorriam apenas a nível fisiológico, durante as aplicações do método no hospital de Juquery, os médicos notaram a freqüente ocorrência de “excitação psicomotora e exteriorização de idéias delirantes, durante as quais os pacientes procuravam se desvencilharem dos eletrodos”. Os autores falam que a tentativa dos pacientes se livrarem dos aparelhos era decorrente de suas idéias delirantes, mas é preciso estar em situação de delírio para tentar se desvencilhar de algo que incomoda e aflige como era o caso dos eletrodos? Os doentes se mantinham agitados durante todo o período da aplicação, o que nos faz pensar que a técnica era de um incômodo imenso. E esta agitação

acabou dificultando consideravelmente o emprego do método no hospital. Durante as aplicações, o paciente era sempre assistido pelos médicos responsáveis pelo tratamento, que além de verificar as mudanças fitológicas no corpo do indivíduo, procuravam evitar acidentes, como queimaduras, que eram muito recorrentes.

O fato mais curioso deste método é que ele se insere em um período de tentativas da psiquiatria brasileira de dotar o seu campo de pesquisa de novos métodos e técnicas terapêuticas já utilizadas na Europa e Estados Unidos. Isto nos revela o grande interesse da psiquiatria brasileira em se orientar pelo discurso da psiquiatria moderna e científica. Neste sentido, a diatermia abre um período em que as terapêuticas utilizadas no Juquery foram se modernizando cada vez mais marcando um período de “ouro” para a psiquiatria brasileira.

O que não pode ser esquecido é que estas terapêuticas foram, muitas vezes, mal utilizadas dentro dos hospitais, servindo mais como métodos de punição, pois sua aplicação era imensamente dolorosa, do que de tratamento ou de cura como mostram os escritos dos psiquiatras que trabalharam nestas instituições. É o que se verá no caso das psicocirurgias e, principalmente, do eletrochoque.