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A dicotomia entre dano emergente e lucro cessante

O dano é a figura central da obrigação de indenizar, pois não haveria porque procurar indenização se não houvesse o prejuízo. Neste sentido, se um agente avança o sinal vermelho, mas não colide com nenhum outro veículo, nem atropela alguém, apesar da conduta ilícita, não há objeto para a atuação do instituto da responsabilidade civil.

Há responsabilidade civil sem culpa, mas não há sem danos, pois indenização sem danos importa em enriquecimento ilícito.

A doutrina classifica o dano em duas modalidades: dano patrimonial ou material e dano moral ou extrapatrimonial. O primeiro atinge os bens integrantes do patrimônio do lesado. Segundo Sergio Cavalieri Filho101, os bens integrantes do patrimônio devem ser entendidos como o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa e que sejam apreciáveis economicamente, sendo coisas corpóreas e coisas incorpóreas.

Ainda classifica, a doutrina, os danos patrimoniais em danos emergentes e lucro cessante.

A própria lei Portuguesa acolhe a distinção dos danos emergentes e lucros cessantes, embora em termos superficiais, conforme se extrai do art. 546º, nº 1102 do Código Civil.

O dano emergente, também chamado positivo, importa na efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima em razão do ato ilícito. O lucro cessante é a perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima.103

Rui Cardona104 defende que o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, enquadra-se como danos emergentes; e aos benefícios

100 PIETROSKI, Lisiane Lazarri – PERDA DE UMA CHANCE e Responsabilidade Civil dos Profissionais Liberais, Florianópolis: Ed. Conceito, 2012, p. 60.

101 FILHO, Sérgio Cavalieri – PROGRAMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL, 11ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2014, p. 93.

102 Art. 564. Cálculo da Indenização. 1 – O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

103FILHO, Sérgio Cavalieri – Op. Cit., p. 72.

104 FERREIRA, Rui Cardona – Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance, Coimbra : Ed. Coimbra, 2011, p.242.

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que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que ainda não tinha direito à data da lesão, enquadra-se como lucro cessante.

Levando essa classificação ao âmbito da perda de uma chance, como já citamos, Maurízio Bocchiola, com base nos ensinamentos de Adriano De Cupis, entende que o dano da perda de uma chance é emergente, pois a perda da chance de obter uma vantagem é o próprio dano, e esta chance já fazia parte do patrimônio imaterial ou incorpóreo no momento da conduta.

Ante a autonomia da perda da chance, esta é um dano independente do dano final, portanto, não se trata de um benefício perdido no futuro, mas de um dano que ocorre no momento da conduta lesante. A chance é um interesse presente no momento da conduta desvaliosa, sua perda é o próprio dano. Sendo a chance um bem pertencente à vítima, sua existência é anterior à conduta lesante.

Neste sentido, Daniel Carnaúba105 assevera que a reparação de chances pressupõe que a vítima dispunha de uma oportunidade no momento do acidente e que seu desaparecimento representa uma deterioração dessa situação anterior. Portanto, de um dano emergente.

Entender a perda de uma chance como um lucro cessante, parece uma tese sedutora, pois a perda tem como objetivo mediato a vantagem futura. Quando falamos na perda de uma chance de obter uma vantagem, essa vantagem é um evento futuro e, portanto, parece se enquadrar em um lucro cessante.

Um equívoco comum encontrado em diversos julgados consiste em ver o dano como a perda do interesse ou vantagem futura, quando na verdade não é. Pois há uma incerteza intransponível quanto ao nexo causal entre a conduta e o dano final, conforme já amplamente debatido.

Quanto a possibilidade de qualificar o dano da perda da chance como lucro cessante, não é a aleatoriedade que distancia esta qualificação, mas as suas técnicas de indenização.

Neste sentido, Flávio Costa Higa106 adota a distinção entre a perda de uma chance e os lucros cessantes no traço de diferentes técnicas de indenização. Assim, no caso da perda da chance, o juízo a ser feito é de probabilidade de que o ofendido teria de obter o resultado final e no caso do lucro cessante de supor qual seria o estado da vítima se não fosse a conduta lesante.

105 CARNAÚBA, Daniel Amaral – RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE-A álea e a técnica, São Paulo: Ed. Método, 2013, p.169.

106 HIGA, Flávio da Costa, RESPONSABILIDADE CIVIL – A perda de uma chance no Direito do Trabalho, São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 68.

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O dano é a perda da chance de obter a vantagem. Esta chance foi destruída com a conduta e nela está o prejuízo.

Neste sentido, Cavalieri107 citando Sanseverino aduz que na perda de uma chance há prejuízo certo, e não apenas hipotético, situando-se a certeza na probabilidade de obtenção de um benefício frustrado por força do evento danoso. Repara-se a chance perdida, e não o dano final.

Se entendermos que a perda de uma chance é um dano emergente, desaparecem as dificuldades quanto a identificação do dano, bem como quanto ao nexo causal. A conduta lesante causa o dano da perda da chance, que por sua vez já existia no patrimônio incorpóreo da vítima.

Há parte da doutrina que admite a perda de uma chance como uma terceira modalidade de dano. Um julgado do STJ brasileiro denota claramente essa corrente nos seguintes termos:

(...) A perda da chance, na verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas pela chance que ele privou o paciente (...); a partir da percepção de que a chance, como bem jurídico autônomo, é que foi subtraída da vítima, o nexo causal entre a perda desse bem e a conduta do agente torna-se direto. Não há necessidade de se apurar se o bem final (a vida, na hipótese deste processo) foi tolhido da vítima. O fato é que a chance de viver foi subtraída, e isso basta. O desafio, portanto, torna-se apenas quantificar esse dano, ou seja, apurar qual o valor econômico da chance perdida.

(REsp. 1.254.141/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 20/02/2013)108.

Podemos, facilmente, constatar que apesar de acolher a ideia da perda de chance como uma modalidade de dano sui generis, o acórdão fundamenta a perda de chance como um bem autônomo e que não se confunde com o dano final. Assim, forçoso é concluir que esse bem, consubstanciado na chance, já fazia parte do patrimônio do lesado no momento da conduta lesante, razão pela qual se enquadra perfeitamente no conceito de dano emergente.

Segundo Sílvio Sávio Venosa, “a denominada perda de chance pode ser considerada uma terceira modalidade nesse patamar, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante109.

No mesmo sentido, Sérgio Savi110 conclui que a perda de uma chance deve ser considerada como uma subespécie de dano emergente que assim considerada, elimina a

107 FILHO, Sérgio Cavalieri – Op. Cit., p. 99.

108 RECURSO ESPECIAL: Processo nº 1.254.141, 3ª Turma, relatora Minª Relª Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça.[Em linha]. (04.12.2012) [Consult. 08 junho 2017]. Disponível em http://www.stj.jus.br 109 HIGA, Flávio da Costa, RESPONSABILIDADE CIVIL – A perda de uma chance no Direito do Trabalho, São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 61.

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incerteza do dano, tendo em vista que, ao contrário de indenizar prejuízo decorrente da perda do resultado útil, indeniza-se a perda da chance de obter este resultado.

No mesmo sentido de acolher a perda de uma chance como um dano emergente está a jurisprudência portuguesa, como se denota neste julgado do STJ:

Na “perda de chance”, podem englobar-se as situações em que um sujeito se encontra num estado que lhe propicia a possibilidade de alcançar um determinado resultado favorável e em que, por virtude de um comportamento de um terceiro, essa possibilidade fica irremediavelmente perdida. (...) Há também que ter em conta que estamos perante um dano autónomo, de um dano presente, de um dano emergente e não de um lucro cessante e de um dano certo. 111

Dessa forma, percebe-se que a doutrina e jurisprudência reconhece, também, como dano emergente a perda de uma chance, apesar de corrente que a defende como espécie de dano intermediário entre essas duas classificações. Contudo, há corrente no sentido de que a perda de uma chance seria um dano exclusivamente de natureza extrapatrimonial ou moral.