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A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA DA PROFISSÃO NO CURSO DA

No documento tamaraduarteramos (páginas 117-125)

2 SERVIÇO SOCIAL E A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA

2.4 A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA DA PROFISSÃO NO CURSO DA

O Serviço Social possui uma dimensão socioeducativa que é constitutiva da profissão, a qual apresenta uma relação transversal com as demais dimensões do trabalho profissional. Desde a gênese da profissão pode-se observar a presença de uma função socioeducativa no trabalho profissional do assistente social, a qual “afeta as concepções, comportamentos e representações das pessoas em relação ao Estado, a sociedade e a si mesmo” (GIAQUETO, LIGABUE E PROENÇA, 2015, p. 05).

No período da gênese da profissão, como vimos, identifica-se uma função socioeducativa que buscava o “enquadramento” social dos sujeitos, baseava-se numa lógica de doutrinamento, e a profissão encontrava-se vinculada à Igreja Católica, o que demonstra as bases de práticas educativas conservadoras.

No decorrer da trajetória histórica da profissão, a função socioeducativa que predominava em seu trabalho profissional foi se metamorfoseando. Sobretudo com o processo de renovação crítica do Serviço Social, em que as mudanças no direcionamento da profissão foram se intensificando, e as bases com o tradicionalismo foram se rompendo.

Quando nos referimos a uma função socioeducativa ou função pedagógica de cunho emancipatório é fundamental demarcarmos a extrema relevância da vertente de intenção de ruptura, que representou para a profissão um rompimento com as bases conservadoras em que a profissão se apoiava – todavia estas ainda continuam presentes e em disputa no campo profissional. A partir dessa ruptura, a profissão passa a ter como substrato a perspectiva crítico-dialética, tendo assim, como referência a teoria social de Marx. Mediante isso, emerge um cenário propício – o qual foi apresentado no item anterior – para a emersão de uma função socioeducativa emancipatória.

Nesse sentido, para fundamentar o debate acerca da dimensão socioeducativa do Serviço Social, é fundamental recorrer à autora Marina Maciel Abreu (2016), para assim, compreendermos as funções pedagógicas presentes na profissão. A autora traz um debate sobre os perfis pedagógicos da prática profissional, trabalhando com a categoria denominada função pedagógica, trazendo como pressuposto básico para este estudo a definição de que

[...] a função pedagógica do assistente social em suas diversidades é determinada pelos vínculos que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa, fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nos processos da prática. Tal função é mediatizada pelas relações entre o Estado e a sociedade civil no enfrentamento da questão social, integrada a estratégias de racionalização da produção e reprodução das relações sociais e do exercício do controle social (ABREU, 2016, p. 21).

Além disso,

A função pedagógica desempenhada pelo assistente social inscreve a prática profissional no campo das atividades educativas formadoras da cultura, ou seja, atividades formadoras de um modo de pensar, sentir e agir, também entendido como sociabilidade. A formação da cultura, no pensamento gramsciano, adequa-se às necessidades do padrão produtivo e do trabalho,

sob a hegemonia de uma classe (ABREU; CARDOSO, 2009, p.01-02, grifos das autoras).

Esta concepção está alicerçada na proposição gramsciana de que “toda relação de hegemonia é eminentemente pedagógica” (GRAMSCI, 1978, apud ABREU; CARDOSO, 2009, p. 03).

Abreu (2016) analisa a função pedagógica do assistente social considerando a conexão orgânica existente entre as relações pedagógicas e a construção de determinada hegemonia, elemento fundamental para compreensão dos diferentes perfis pedagógicos existentes e seus respectivos direcionamentos. Além disso, a autora aponta que para as classes subalternas, a organização da cultura possui a função significativa de organizar o processo de classe para si, ou seja, processo em que é possível que a classe conquiste sua própria consciência, oposta à hegemônica, construindo uma contra-hegemonia50. Contribuindo para esta reflexão, Ammann (2013, p. 37), com base em Gramsci, destaca que: “A hegemonia, exercida pela burguesia, no sistema capitalista, pode vir a ser conquistada pela classe trabalhadora”.

Ademais, a função pedagógica do assistente social encontra-se relacionada à elaboração e à difusão de ideologias no processo de organização da cultura. Abreu (2016) coloca que a intervenção profissional do assistente social se situa em um cotidiano marcado pelo embate entre as classes sociais antagônicas, por meio da inserção em diversos espaços sócio-ocupacionais: no campo das políticas públicas e privadas, na formulação e gestão de recursos humanos, serviços sociais, e também nos processos de luta e resistência das classes subalternas.

Assim, concordamos com Abreu e Cardoso (2009, p. 03) ao afirmarem que: “É inquestionável a função pedagógica desempenhada pelo assistente social nos diferentes espaços sócio-ocupacionais em que se materializa a prática profissional”. Visto que esta função, que aqui denominamos enquanto dimensão socioeducativa, é constitutiva da profissão, logo, se expressará em qualquer espaço sócio-ocupacional no qual o assistente social desenvolva seu trabalho profissional, podendo assumir um direcionamento crítico ou de reafirmação da ordem vigente, como foi possível identificar em alguns pontos já abordados ao longo deste trabalho e também como veremos mais adiante.

Nesse sentido,

50 Compreendemos que existem ideologias em disputa na sociabilidade capitalista, atrelada aos interesses da classe dominante ou aos interesses da classe subalterna. Quando tratamos da ideologia da classe subalterna, é importante situar que esta pode fomentar o processo de construção de uma luta contra-hegemônica, ou seja, que deseja romper com a ordem capitalista, até então hegemônica, e que assim, se construa uma nova forma de sociabilidade.

[...] a função pedagógica desempenhada pelos assistentes sociais na sociedade brasileira, ao longo da sua trajetória histórica, define-se a partir de estratégias educativas postas na luta de classes, em que podemos distinguir: a) as estratégias educativas subalternizantes, vinculadas à necessidade de reprodução das relações de dominação e exploração do capital sobre o trabalho e o conjunto da sociedade; b) as estratégias educativas emancipatórias, vinculadas à necessidade histórica de construção de uma alternativa societária à ordem do capital (ABREU; CARDOSO, 2009, p. 03- 04).

É também sob uma perspectiva histórica, que Abreu (2016) apresentará os perfis pedagógicos51 que compõem o Serviço Social e a organização da cultura, demarcando suas principais características. Tais perfis pedagógicos encontram-se configurados em três princípios: a pedagogia da ajuda, a pedagogia da participação e a pedagogia emancipatória.

A pedagogia da ajuda estabeleceu-se vinculada aos ideais da reforma moral e da reintegração social, marcada pela ajuda psicossocial, tendo como referência o Serviço Social de Caso e seu enfoque no relacionamento interpessoal. A ajuda está presente na profissão desde sua gênese, ao longo dos anos foi se reatualizando em conformidade com as exigências do capitalismo, adequando-se aos novos padrões de acumulação.

A pedagogia da participação é considerada uma expressão da estratégia desenvolvimentista modernizadora que vigorou nos anos 1950/1970 no Brasil, embasava-se no modelo de Desenvolvimento de Comunidade, configurando-se como uma das abordagens do Serviço Social tradicional, em que imperava uma lógica de integração social (ABREU, 2016).

É importante destacar que os elementos que caracterizam a pedagogia da ajuda e a pedagogia da participação continuam presentes na atualidade, embora tenham sido colocados em xeque a partir da apropriação da profissão da perspectiva crítica da teoria social de Marx – e ruptura com o pensamento doutrinador e conservador. Estas podem ser identificadas em determinados direcionamentos e ações profissionais. Vale ressaltar que não possuem tanta

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Closs (2015, p.178), embasada na análise crítica apresentada por Iamamoto (2010) - no livro Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche - em relação a alguns elementos sobre a concepção de “perfis pedagógicos”, aponta que estes são analisados por Abreu considerando o fato de serem polarizados pelos interesses do capital e do trabalho. Sendo assim, “toda ação educativa profissional é perpassada por uma tendência contraditória entre uma direção subalternizante e emancipatória. Logo, reitera-se o entendimento de que não existem “perfis”, mas ações educativas atravessadas pelos interesses antagônicos do capital e do trabalho, contraditórias, porque assim o é o próprio significado do trabalho profissional”. É importante ressaltar que a apreensão de Abreu acerca dos “perfis pedagógicos” pretende demarcar as diferentes formas que a ação profissional adquiriu ao longo da trajetória histórica da profissão, contribuindo enormemente para identificarmos os direcionamentos que a ação profissional pode desenvolver e a qual perspectiva se vincula.

expressão, visto que a profissão se embasa, hegemonicamente, em um projeto ético-político, que orienta um trabalho profissional numa perspectiva emancipatória.

Isto posto, faz-se necessário enfatizar que os diferentes perfis pedagógicos – da ajuda, da participação e emancipatório - estão em constante disputa no campo da atuação profissional.

A pedagogia emancipatória surgiu no período marcado pelo movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americano, caracterizando-se como uma forma de contestação ao projeto conservador predominante, além de apontar para a criação de estratégias de mobilização, capacitação e organização. Isto posto, consideramos que a compreensão desta perspectiva contribui para se pensar em ações profissionais, inclusive de cunho socioeducativo, comprometidas com os interesses da classe trabalhadora (ABREU, 2016).

De acordo com Abreu (2016), a partir dos anos 1970 a profissão vivenciou uma dinâmica marcada pelas contradições existentes no processo de desenvolvimento do Serviço Social no contexto da sociabilidade capitalista. Nesse sentido, de um lado ocorria a negação das bases conservadoras do Serviço Social, bem como a defesa da construção de um projeto profissional associado às forças progressistas que vislumbravam uma nova ordem social. De outro lado, havia resistência à mudança, sendo este o cenário propício para o retorno de ações conservadoras com base em um projeto profissional acrítico, pautado em valores conservadores.

Cabe destacar que a construção de uma pedagogia emancipatória surgiu num contexto também marcado pela denominada Teologia da Libertação, que buscava estabelecer uma relação entre cristianismo e marxismo. Abreu (2011) fundamentada em Löwy demarca que este processo teve início com uma articulação entre transformações internas e externas à Igreja no período que corresponde ao final dos anos 1950. Tais mudanças são provenientes do processo de radicalização da cultura católica latino-americana, que aconteceram da periferia para o centro da referida instituição. Tal movimento social, juntamente com as formulações pedagógicas de Paulo Freire, trouxe avanços na perspectiva emancipatória para os assistentes sociais, o que traz impactos para a luta de classes. Como explicita Abreu (2016, p. 156):

Ancorados, predominantemente, no viés marxista da Teologia da Libertação e da articulação desta com as formulações pedagógicas de Paulo Freire – aporte identificado por vários estudos no conjunto dos processos de luta na América Latina –, setores da categoria dos assistentes sociais conseguem fazer avançar os esforços profissionais de vinculação ao movimento de

construção de uma pedagogia emancipatória pelas classes subalternas. Esses setores pretendem uma articulação da prática profissional às lutas e organização das classes subalternas, apontando, assim, para uma inserção em processos de organização de uma nova cultura por essas classes.

As comunidades eclesiais de base (CEBs) exemplificam os elementos que compõem esta pedagogia. As CEBs são consideradas expressões precisas de sólidos processos pedagógicos que tiveram grande repercussão no âmbito político-social no Brasil. No período em questão, representou a criação de novos padrões de sociabilidade que tinham como substrato as experiências cotidianas das classes subalternas. Ademais, trouxe contribuições eficazes na constituição de canais de politização das relações sociais.

Deste modo, as experiências das CEBs revelam-se espaços importantes de politização das relações sociais e de intervenção dessas classes no movimento histórico na perspectiva de sua emancipação, processos estes entendidos aqui como principais vetores na constituição de uma pedagogia emancipatória (ABREU, 2016, p. 158).

Outro elemento apresentado por Abreu (2016, p. 164) de grande relevância compreende a análise gramsciana sobre a vinculação existente entre as relações pedagógicas e a questão da hegemonia enquanto relações próprias à preparação e socialização de uma concepção de mundo superior, “de forma que esta se constitua base de ações vitais de uma nova racionalidade fundadora de uma nova sociabilidade, isto é, de uma nova cultura”.

Simionatto (1995) analisa que para Gramsci a hegemonia está associada a uma “direção intelectual e moral”, nos campos da ideia e da cultura, estando relacionada à potencialidade de alcançar o consenso e assim, construir uma nova sociabilidade.

Abreu (2016) também apresenta as mudanças ocorridas nos perfis pedagógicos sob a ótica do capital, fundamentais para compreendermos a forma em que se apresentam na atualidade. A autora descreve que as metamorfoses da “ajuda” e da “participação” apontam para uma reatualização da função pedagógica tradicional do assistente social, configurando-se um contexto de desafios para a construção de uma pedagogia emancipatória, que se desenvolve na sociedade burguesa vislumbrando a superação do capitalismo.

Nas palavras de Abreu (2016, p. 267):

As metamorfoses operadas nas pedagogias da “ajuda” e da “participação” conformam uma reatualização da função pedagógica tradicional do assistente social, na sociedade brasileira, referidas ao ajustamento, integração e promoção sociais, mediante incorporação de novos elementos e mediações que refuncionalizam essas pedagogias no processo de

reorganização da cultura a partir da orientação neoliberal. Trata-se da função histórica de ocultamento não só das dimensões econômica e política da assistência no processo de reprodução da força de trabalho e no exercício do controle social, mas, fundamentalmente, como desdobramento destas dimensões, a dissimulada manutenção do trabalhador em permanente estado de necessidade material e de dominação político-ideológica.

Abreu (2016) destaca que na atualidade existem novos desafios pedagógicos postos para a categoria profissional. Nas palavras da autora:

[...] novos desafios pedagógicos se colocam atualmente para os assistentes sociais, definindo-se a partir da necessidade de desmistificação da luta por direitos, bem como das estratégias e mecanismos acionados por governos neoliberais, avançando na inserção nos processos de construção das condições de efetivação destes direitos na perspectiva da emancipação humana (ABREU, 2016, p. 272).

Posto isto, pode-se inferir que a função pedagógica do assistente está associada à construção de determinada hegemonia, podendo reproduzir a lógica dominante, ou, através de uma ação profissional que tenha uma perspectiva emancipatória, romper com os interesses dominantes. Fundamentado nos estudos de Abreu acerca dessa temática, Martins (2013) aponta que a “função pedagógica” do assistente social está relacionada à elaboração e propagação de ideologias no processo de organização da cultura. Destaca também que a intervenção profissional localiza-se no cotidiano, onde há o embate entre as classes sociais, que pode ser identificado nos diversos espaços sócio-ocupacionais, como no campo das políticas públicas e privadas, na formulação e gestão de recursos humanos, serviços sociais, nos processos de luta e resistência das classes subalternas.

No que diz respeito à ideologia, Simionatto (1995) destaca que para Gramsci, esta encontra-se objetivada na realidade social, histórica e concreta. Segundo o pensamento gramsciano, ela é socialmente verdadeira a partir do momento em que incide de modo direto sobre a vida na sua concretude. Ao analisar a ideologia tendo como base o pensamento marxiano, “Gramsci reconhece que as ideologias que se expressam historicamente através de comportamentos sociais derivam, em última análise, dos movimentos da estrutura” (SIMIONATTO, 1995, p. 74). Além disso, Gramsci considera que a ideologia está presente em todos os níveis sociais – econômico, político, científico, artístico, etc. –, assim como na totalidade das manifestações de vida individuais e coletivas.

Segundo o pensamento gramsciano a ideologia desempenha um papel importante na construção de uma nova hegemonia. Simionatto (1995, p. 80-81), descreve que

[...] determinada relação de hegemonia pode ser rompida em favor de uma nova, ou seja, de um novo bloco histórico. Ao apreender a dinâmica das instituições, do sistema de crenças e valores que, vistos separadamente, não passam de uma visão fragmentada do real, sem qualquer coerência, Gramsci propõe que estas questões constitutivas das relações de poder sejam trabalhadas e compreendidas como possibilidade para a formação de uma contra-hegemonia. A ideologia apresenta-se, pois, no pensamento gramsciano, como uma relação orgânica entre o pensado e o vivido, entre o conhecimento e a ação.

Simionatto (1995) ressalta que Gramsci apresenta reflexões que apontam para a necessidade da formação de uma nova cultura, que se associa a um processo de crescimento da vontade coletiva mediante a constituição de uma nova concepção de mundo que seja criticamente coerente. Assim,

[...] pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente, é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que permanece como patrimônio de pequenos grupos intelectuais (Gramsci, 1977, p.1378 apud SIMIONATTO, 1995, p. 83).

Nesse sentido, é importante destacar que o processo de criação de uma nova cultura consiste num enorme desafio, visto que para isso é necessário conscientização, mobilização e organização da classe trabalhadora para a construção de uma luta contra-hegemônica. Além disso, o capitalismo cria mecanismos para manter sua condição hegemônica constantemente, temos como exemplo, o processo de alienação presente nessa sociabilidade que dificulta uma real compreensão dos processos exploratórios existentes. Todavia, há a possibilidade da formação de uma contra-hegemonia a partir da organização da classe trabalhadora.

Isto posto, demarcando o Serviço Social como uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho, é importante destacarmos que a profissão em si não é responsável por promover a emancipação humana, todavia, pode corroborar com sua construção, conforme analisa Closs (2015, p. 178):

É preciso considerar que a construção da emancipação humana transcende o campo da atuação profissional, posto que situa-se na arena mais ampla das lutas sociais da classe trabalhadora, o que não significa uma desconexão da profissão com a mesma, uma vez que é possível construir mediações e ações práticas voltadas para o fortalecimento da sua construção.

Mediante os elementos expostos, pode-se observar o papel significativo e privilegiado que o assistente social pode desempenhar, ao se embasar na perspectiva crítico-dialética e desenvolver ações socioeducativas que possam contribuir para o processo de formação de consciência da classe trabalhadora.

2.5 A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA DO TRABALHO PROFISSIONAL DO

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