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A Dinâmica actual do “dizer o Direito e dizer os Direitos”

Capítulo II O Direito e Comunicação

2.3. A Dinâmica actual do “dizer o Direito e dizer os Direitos”

Diz-se o Direito através de Diplomas Fundamentais como a Declaração Europeia dos Direitos do Homem ou a Carta das Nações Unidas. Diz-se o Direito através das Leis fundamentais das nações como a Constituição da Republica Portuguesa. Diz-se o Direito através das comunicações públicas e diz-se o Direito nas decisões proferidas.

Também organizações como a AMI dizem o Direito. Todas as organizações humanitárias que não se calam e procuram indiferentemente denunciar a violação da dignidade humana dizem o direito. Todos os autores, professores, juristas e cidadãos que escrevem sobre a violação de direitos Humanos dizem o Direito.

Não há um monopólio para dizer o Direito.

Num Mundo informatizado, dizer o Direito tornou-se mais simples e mais acessível a cada um de nós. Aproveitar os meios ao nosso serviço para o fazer é serviço à Soberania. Há uma dinâmica cortante e acutilante no dizer o direito hoje em dia. As revoluções ganham forma via internet, os princípios são discutidos via internet, muitos diplomas surgem na urgência do querer das vontades manifestadas on line. Os políticos, o legislador, “palpam o pulso” aos eleitores via internet e conduzem os seus discursos e as suas políticas muitas vezes por aí.

Como titular de um poder Soberano, o Judicial tem o dever acrescido de sair de si e ir ao encontro do outro entendendo-o através de si mesmo.

Tem a Justiça a necessidade premente de legitimar a sua decisão pelo discurso, pelos argumentos, pela dogmática jurídica que não pode ser nos nossos dias, apenas como “aquilo” que foi e é elaborado pelos juristas sob pena de cristalizar no tempo e no espaço.

É esse o papel da doutrina mas também o da jurisprudência, muito mais próxima do cidadão e portanto muito mais capaz de mudanças e não só fonte de Direito.

Como diz Windscheid, citado na Dissertação de Mestrado do Professor Hermenegildo Borges “ a nova ciência do Direito tem a decidida tendência de ir o mais além possível na decomposição dos conceitos. E nisto consiste o seu mérito. Pois de facto da exaustiva compreensão do conteúdo dos conceitos que se contêm nas proposições jurídicas,

depende não só a total compreensão do Direito mas também a segurança na sua aplicação (…).28

Não quero com isto dizer que o chamado controlo democrático da decisão judiciária, seja uma fiscalização feita ao Juiz como se estivessem sobre ele todos os olhos do Mundo.

O Juiz não justifica as suas decisões como se delas prestasse contas. O Juiz que não está mais no séc. XIX, antes caminha a passos largos na época do genoma humano, da clonagem, da procriação assistida, das polémicas entre a vontade do legislar legalizar ou não a eutanásia, ou legalizar o aborto (assuntos diametralmente opostos a meu ver). O Judicial que faz parte de um mundo que Thomas L. FriedmanErro! Marcador não definido.29 diz que é plano e onde os indivíduos têm de pensar globalmente para sobreviver, tem de ser o que dirime conflitos mas também o mentor de uma filosofia ou norma de condutas que leve a que não se repitam os conflitos e a que globalmente as suas decisões sejam aceites e as mudanças sociais sejam geridas.

O Poder Judicial é sem dúvida o terceiro que vem de fora e que traz ao conflito e à sociedade que teme o conflito e pede para que se dirima, a certeza de que o mesmo será diluído e, principalmente, não deverá ser repetido.

A Justiça viveu sempre longe dos cidadãos embora seja para eles e por eles a sua existência, escondida no meio de papéis velhos e Tribunais a cair aos bocados, escondeu o seu rosto aparecendo como algo de mágico e esotérico. Mas, entende neste século XXI que tem opinião e a sua independência lhe permite, falar, explicar e esclarecer, e mais do que isso, modificar, criar e transformar, de forma a fazer-se entender e, sendo universal, ser em absoluto aceite ainda que condene, ou decida de forma diferente da desejada ou da esperada.

É através da palavra, da riqueza da construção linguística, que de tão rica será tão simples que convencerá o outro a que nada há nela que possa ser contestado, que o Juiz comunicará o porquê das exigências do Direito nem sempre coincidirem com a Lei e muito menos com o senso comum.

A lei é um ser silencioso que espera lhe seja dada voz e vida. Uma porta que espera que alguém tenha a coragem de a abrir. Para o homem comum, ela é uma porta sempre fechada e feita exactamente para ele. Quando chega a altura de a abrir, porque com ela se

28 Dissertação de Mestrado do Professor Hermenegildo Ferreira Borges Retórica Direito e Democracia – Sobre a

defronta, ainda espantado com algo que teme e não ousa desvendar, a Lei fecha-se-lhe e, o homem comum, continua incapaz de a transpor.

Cabe ao aplicador da lei, ao Poder Judicial, abrir essa porta.

Se ao elaborar a decisão, o terceiro que vem de fora, estiver absolutamente convencido dos axiomas que resultaram da audiência e dos silogismos conseguidos, poderá com muito mais clareza e segurança, convencer o seu auditório que pode ser particular mas é quase sempre Universal, de que a razão, a verdade e o resultado delas, - a Justiça aplicada - são as únicas formas ordenadas e impostas que são atingíveis e possíveis e, por isso, devem ser observadas.

Não é por acaso, que “A motivação, aquando da sua consagração inaugural pelo direito moderno-iluminista, não tinha outra preocupação que não fosse a de controlar os juízes que, para a racionalidade da época, operavam então em “roda livre”, entenda-se, demasiado livre. A obrigação de motivar constituía, pois, um dispositivo de travagem, capaz de garantir a conformidade rigorosa das decisões com a lex scripta, isto é, com a dimensão locutória da lei, visando exclusivamente a segurança jurídica. A motivação judiciária era, então, um instituto exclusivamente intraprocessual ou ao serviço da “justificação interna.”30

Por isso ao apresentar as suas decisões o Judicial fá-lo-á de tal forma clara e segura que, qualquer pessoa ao ler a fundamentação fique convencida de que outro não podia ter sido o caminho, outra não podia ter sido a conclusão, outra não podia ser a análise lógica e razoável da prova analisada e as necessárias conclusões nunca seriam outras.

Se assim não for, não atingirá o Judicial a finalidade longa da sua decisão. Poderá obter uma finalidade, a de aplicar a lei ao homem que sujeito ao seu julgamento, nunca o convencerá nem aos outros, da justeza da sua decisão.

Como diz Perelman:“ Na medida em que o funcionamento da Justiça deixa de ser puramente formalista e visa a adesão das partes e da opinião pública, não basta indicar que a decisão é tomada sob a protecção da autoridade de um dispositivo legal, é necessário demonstrar ainda que é equitativa, oportuna e socialmente útil”31

O lugar filosófico da Justiça encontra-se assim situado em Soi – Même comme un autre mas um outro que é cada qual .32

30 Borges, H. (2009), “Nova Retórica e Democratização da Justiça”, Rhetoric and Argumentation in the

Beginning of the XXIst Century, p. 303.

31 Chaim, Perelman, 2000 Lógica Jurídica ,- cit pag 216

Mesmo que toda a técnica da decisão seja obscura, a fundamentação da mesma, atingirá tanto mais os fins das penas, quanto mais se fizer entender e melhor, portanto, se explicar, servindo assim melhor a cidadania e o Poder Judicial em si que se afirmará como próximo desta.

Elaborar a decisão de forma demasiado técnica, sem ter o cuidado de a tornar audível e fácil de entender e portanto credível, é esquecer a importância da justificação interna e externa da mesma decisão afastando o Direito da vida e, a Justiça do cidadão. Afastando o Poder Judicial do seu papel interventivo e modificador e criando espaço a que a Soberania seja ou possa ser absorvida pelo Quarto Poder ou pior, aglutinada pelos poderes que fazem a Lei e administram os interesses públicos contribuindo também para fragilizar a Soberania.

Dizem alguns que basta a decisão por si para conter tudo o que é necessário. Bastará se for abarcável por aquele a quem se dirige mais particularmente e for ouvida/entendida pelos cidadãos em geral.

As decisões do judicial não são obviamente conversas de café mas também não são códigos encriptados a serem descodificados apenas pelos entendidos.

É por isso que o terceiro que vem de fora, fala na prevenção especial, e na prevenção geral como delimitadoras da medida concreta da pena e, no fundo, como objectivos a atingir ao determinar a condenação ou a absolvição.

Será que a decisão proferida pelo Juiz, não tem no seu discurso nada de persuasivo ou de sedutor? Nada de garantístico e próximo dos simples?

Se o Poder Judicial que usufrui de independência externa relativamente aos outros poderes, e de independência interna resultante da sua própria natureza e da natureza dos seus órgãos representativos (na linha de Antoine Garapon no livro abaixo citado)33, não tiver, a coragem, a dignidade, o sentido do serviço ao outro desinteressadamente e em função dos outros, o rigor formal na expressão do seu ponto de vista, o sentido da estética no exercício da sua profissão, uma forma de estar serena e humilde mas altiva na dignidade de a exercer, o sentido da hierarquização dos valores, a sabedoria de entender o outro por mais diferente que seja, a coragem de contrariar a sua própria tendência para ser igual na hora de ser diferente, o saber afirmar-se pela comunicação com o Outro, sobretudo com aquele em nome de quem administra a aplicação da Justiça, então nunca saberá dispor de um direito tão vasto como o direito à liberdade de expressão e nunca poderá comunicar porque criará sempre falta de

informação e com isso distanciamento e fragilidades rupturas e esquecimentos dos direitos fundamentais.

A Dinâmica desta comunicação não passa pela exposição ou destituição do Poder que exerce, passa pela afirmação como Poder muito próximo daquele que concentra a Soberania, próximo da Dignidade humana, próximo da defesa dos Direitos fundamentais, alerta para qualquer violação ou tentativa de violação. Alerta porque distanciado, independente, titular legítimo da tarefa soberana que lhe delegaram de zelar para que o Direito se cumpra.

O cidadão reconhecerá a função judicial e a sua legitimidade, quanto mais esta se fizer entender e perceberá então que o sistema normativo não se torna efectivo senão for jurisdicionalmente filtrado e os Direitos fundamentais não estarão protegidos, se não existir um Poder que não pertencendo aos eleitos, assegure a sua protecção.

O cidadão acredita, apesar da forma como para distrair atenções o Poder Judicial foi chamado a assumir culpas alheias, que tem nesse poder a garantia de lhe ser conferida proteção e feita justiça no caso concreto. Prova disso é o facto de a ele recorrer constantemente.

Como no caso do moleiro de Sanssouci ou no caso da viúva dos evangelhos, o que o cidadão quer é justiça e não favores e, para tanto, o único recurso e garantia é o Judiciário.

Também se diz o Direito nas redes sociais, nos sites, nos blogs e nos jornais. Mais do que dizer grita-se o Direito. Ainda há bem pouco tempo exemplo disse foi a questão das crianças soldado que correu o Mundo. Trabalhos de fundo existem sobre esta questão como o que foi feito pela Drª Ana Paula Pinto Lourenço em 2011, sobre o Estatuto da Criança em sede de conflito armado. Mas ninguém o noticiou, ninguém o fez circular, ninguém lhe deu voz e é um trabalho importantíssimo feito por uma professora universitária portuguesa.34 Quem o conhece?

34 Lourenço, Ana Paula Pinto - Professora da Universidade Autónoma de Lisboa. Professora do Instituto

Manuel Teixeira Gomes. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – “O estatuto

da Criança em Contexto de Conflito Armado. Ver MP Bras.-

011http://www.mpm.gov.br/mpm/servicos/assessoria-de-comunicacao/revista-do-mpm/livro%20final%20 completo%20em%20pdf.pdf.

O facto de não divulgarmos o que já existe torna-nos fechados ao Mundo e entrava as mudanças. Abrem-se então as portas aos que seguem o velho ditado popular que nos diz que “em terra de cegos quem tem olho é rei”.

Há pois que seguir a dinâmica actual com o ritmo que é o próprio a cada área. À área do judicial é imposto um ritmo bem diferente do da área jornalística.

Vejamos o que em termos de comunicação urge fazer juntos para que todos ganhem com isso e a Soberania não saia beliscada ou Poder Judicial não perca a sua imagem de garante do Estado de Direito.

Servindo-me das palavras do Jornalista Henrique Garcia, diria que o respeito do direito a informar e a ser informado resultará numa melhor compreensão e aceitação pública do Poder Judicial e não o contrário.