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A Disciplina do Direito Comparado

Capítulo IV Direito Comparado

4.1 A Disciplina do Direito Comparado

No Direito, com vista ao preenchimento de lacunas legislativas em cada ordenamento jurídico, torna-se conveniente debruçar um olhar sobre o tema a legislar nos restantes ordenamentos jurídicos, as suas diferenças e semelhanças.

Para tal exercício, devemos socorrer-nos da disciplina do Direito Comparado.

Na correta aplicação desta disciplina, não podemos comparar todos os países e ordenamentos jurídicos do Mundo. Importa sim, conhecer o Direito das nossas fronteiras, isto é, devemos apenas comparar o que é comparável.

Assim, atendendo a este critério, à proximidade geográfica e cultural e à temática que pretendemos resolver com recurso a outros sistemas jurídicos, olharemos para o sistema de Espanha e Itália.

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4.2 Espanha

Em Espanha, a tónica assenta na qualificação da figura do treinador desportivo como praticante desportivo para que, em caso afirmativo, a este se aplique o regime laboral a que os praticantes desportivos estão adstritos, nomeadamente no que respeita à duração do contrato.

A divergência do enquadramento da figura do treinador desportivo surge com o disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Real Decreto 1006/198576, que nos dá a definição de desportista profissional: “son deportistas profisionales quienes, en virtud de una relación establecida com carácter regular, se dediquen voluntariamente a la práctica del deporte por cuenta y dentro del ámbito de organización y dirección de un club o entidade deportiva a cambio de una retribución.”. Entende parte da doutrina espanhola que os treinadores desportivos estão incluídos na definição de praticantes desportivos e, por esse motivo, devem ser-lhes aplicadas as normas que regulam a atividade destes últimos, afirmando mesmo que o espetáculo desportivo não seria possível sem a existência da figura do treinador desportivo.

Outra corrente doutrinária defende que os treinadores desportivos não estão, propositadamente, abrangidos pelo regime laboral aplicável aos praticantes desportivos, na medida em que não se dedicam à prática, em sentido literal, do desporto, conforme o estipula a norma supra referenciada.

Também a jurisprudência se tem pronunciado em ambos os sentidos, sendo que a corrente maioritária e mais atual tem vindo a considerar que será de aplicar ao treinador desportivo as normas do regime aplicável ao praticante desportivo, considerando para tal que o treinador participa ativamente no desenvolvimento da atividade desportiva e na construção do espetáculo desportivo, e, como tal pode considerar-se que pratica o desporto.

As primeiras decisões dos tribunais foram no sentido de considerar o treinador desportivo como tratando-se de um cargo de alta direção, definindo a sua atuação como “transcendentes de modo

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sustancial para el club, el que bejaba a su exclusiva iniciativa y autoridade actuaciones que constituyen facultades privativas del empresario.”77

Esta solução rapidamente caiu por terra por não apresentar resposta à questão que se pretendia ver resolvida: se o treinador desportivo estava ou não integrado no conceito de praticante desportivo.

Pronunciou-se o Tribunal Superior de Justiça no sentido de que o treinador desportivo deverá ser considerado um trabalhador comum e, como tal, dever-lhe-ão ser aplicadas as normas do regime laboral comum78, na medida em que que está sujeito ao poder disciplinar e de direção

do clube / entidade empregadora, que não podem contratar jogadores e, como a sua atividade se limita à direção técnica dos jogadores, não deve a mesma ser considerada como cargo de alta direção, nem como praticante desportivo, pelo que se deverá aplicar o regime laboral comum. A jurisprudência mais recente tem vindo a considerar que o treinador é um praticante desportivo, invocando para o efeito o artigo 8.º do Real Decreto de 31 de março de 1980, que estipula que “los deportistas profesionales, los técnicos y los entrenadores quedan incluídos en el âmbito de aplicación de la Seguridad Social, con las peculiaridades que se establezcan”, concluindo que o legislador pretendeu afastar a figura do treinador desportivo da legislação laboral comum.79

Houve também jurisprudência no sentido de qualificar o treinador desportivo como praticante desportivo, mas através da interpretação da norma do n.º 2 do artigo 1.º do Real Decreto 1006/1985, ao interpretarem extensivamente o conceito de prática desportiva.80

Do exposto, podemos concluir que, em Espanha, esta temática assume contornos idênticos aos de Portugal e, como tal, deverá ser alvo de regulamentação especial.

77 Neste sentido, vejam-se as Sentenças do Tribunal Superior de Justiça, de 16 de maio de 1975 e de

20 de junho de 1977.

78 Sentença do Tribunal Superior de Justiça, de 27 de fevereiro de 1977 79 Sentença do Tribunal Superior de Justiça, de 14 de maio de 1985.

80 Neste sentido, Sentenças de la Sala de lo Social del Tribunal Superior, de 22 de Dezembro de 2012,

de 14 de Fevereiro de 1990, de 28 de Maio de 1990, de 02 de Março de 1994 e de 05 de Dezembro de 1997; Sentença do Tribunal Superior de Justiça das Astúrias, de 11 de Maio de 2001; Sentença do Tribunal Superior de País Vasco, de 02 de Novembro de 2004 e Sentença do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, de 11 de Julho de 2005.

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4.3. Itália

Em Itália, o legislador optou por incluir na legislação especial aplicável aos praticantes desportivos, além destes, os diretores desportivos e os treinadores e preparadores desportivos.8182 Ainda assim, apesar de regulada, a atividade dos treinadores tem vindo também a ser alvo de olhares críticos no que respeita à qualificação do contrato de trabalho como trabalho subordinado83 ou trabalho autónomo84, na medida em que a Lei n.º 91/1981 de 23 de Março8586 se aplica exclusivamente a trabalho subordinado e este é definido na lei italiana como aquele que tem por objeto uma atividade continuada e respetiva retribuição.

No entanto, a referida lei aplicável aos praticantes desportivos, e também aos treinadores desportivos, tem uma norma excecional87 que permite que, aos praticantes desportivos, se possa aplicar o regime do contrato de trabalho autónomo, quando o praticante desportivo participe num evento ou competição num lapso temporal reduzido; quando este não seja obrigado a frequentar os treinos; ou quando preste a sua atividade de forma reduzida88.

As questões suscitadas a este respeito têm razão de ser no facto de a referida norma mencionar expressamente os praticantes desportivos, entendendo grande parte da doutrina italiana que o

81 Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 91/1981, de 23 de março

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“Ai fini dell’applicazione della presente legge, sono sportivi professionisti gli atleti, gli allenatori, i direttori técnico-sportivi ed i preparatori atletic, che esercitano l’attivitá sportiva a titolo oneroso com carattere di continuità nell’ambito delle discipline regolamentate dal CONI e che conseguono la qualificazione dalle federazioni sportive nazionali, secondo le norme emanate dalle federazioni stesse, com l’osservanza delle direttive stabilite dal CONI per la distinzione dell’attività dilettantistica da quella professionistica.”

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Contratto di lavoro subordinato

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Contratto di lavoro autonomo

85 La legge 23 marzo 1981, n. 91

86 Alterada pela Lei n.º 586/1996, de 18 de novembro 87 Artigo 3.º da Lei n.º 91/1981, de 23 de março

88 Entenda-se por forma reduzida, o período que não exceda oito horas por semana, cinco dias por

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legislador pretendeu, propositadamente, excluir a figura do treinador e demais agentes desportivos, aplicando-se apenas aos atletas.

Neste sentido, a solução maioritária encontrada pela doutrina italiana é a de qualificar o contrato como sendo de trabalho subordinado ou autónomo consoante o que as partes equacionarem no contrato, atendendo assim à autonomia da vontade, e não aos princípios gerais do direito laboral.

No ordenamento jurídico italiano, as diversas modalidades desportivas têm autonomia coletiva89, cabendo às diversas federações, a concretização da regulamentação especifica dos

treinadores desportivos, sendo que a Lei n.º 91/1981, de 23 de março, apenas regulamenta os traços gerais do contrato de trabalho aplicável aos praticantes desportivos, e restantes agentes desportivos, onde se incluem os treinadores desportivos.

As federações desportivas têm diversas competências, nomeadamente, a de definir as funções do treinador da respetiva modalidade, podendo, à partida, estabelecer sanções a aplicar aos treinadores, prémios e compensações anuais, deveres de conduta, entre outras.

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Capítulo V - Jurisprudência

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