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PARTE II: A ADMISSIBILIDADE NO PROCESSO PENAL: A PRODUÇÃO DA PROVA

3.3 A DISCUSSÃO NO DIREITO COMPARADO: O COMMON LAW E A NOMEAÇÃO

A utilização do direito comparado na acepção da comparação teorética justifica-se na medida em que se busca incorporar conhecimento, ainda que sem intenção de aplicação prática, e/ou em que se objetiva constituir e realizar preparação para a aplicação prática (ESER, 2017, p. 28). O panorama legal que circunda a prova pericial no common law estadunidense em muito difere do civil law. A iniciativa probatória recai em peso sobre as partes, mesmo quando se trata de prova pericial. A exemplo, no processo civil, elemento de extrema importância nesse aspecto é o Discovery, uma ferramenta que permite às partes a recorrer a meios de prova ainda que estes estejam fora do âmbito judicial (BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 60).

A despeito disso, a juntada de uma perícia particular é pleno exercício do direito de defesa e não deve ser vetado pelo juiz o respectivo laudo de natureza particular. Comparativamente, quanto à exigência da oficialidade, porém, concluiu-se que a perícia particular encontra um obstáculo maior e isso reforça o entendimento de que não é possível que a realização por iniciativa da parte de uma perícia siga exatamente o rito da perícia oficial e seja

29 Apesar da aparente contradição com a conclusão traçada para a hipótese da perícia adversarial, neste caso há

que se observar que a perícia trazida pelas partes não substitui a perícia oficial. Vale lembrar que tal entendimento vigora apenas para o processo brasileiro, já que no processo português o juiz se encontra vinculado pelo artigo 163 do Código de Processo.

dotada do mesmo valor. Neste caso, portanto, parece mais acertada a recepção da prova enquanto documento no processo.

A alteração trazida pela lei 11.690/08 modificando a exigência da realização da perícia oficial por apenas um perito ao invés de dois, facilitou e aproximou a perícia de iniciativa das partes à perícia oficial. Porém, a ausência de investidura e juramento ainda configura um obstáculo de relevância na admissibilidade deste meio de prova de natureza não oficial como perícia.

O raciocínio de Pacelli (2013, p. 427) constitui argumento para fazer uma aproximação entre ambas as perícias. Ao tratar do ensino oficial – diploma de ensino superior – exigido do perito não oficial - na ausência de peritos oficiais disponíveis - que realizará a perícia, tal exigência serve para “resguardar o convencimento judicial, estabelecendo um critério objetivo

de formação da certeza.” Daqui se extrai, por analogia, que o laudo do médico responsável

pela realização do exame pela fMRI, sendo especialista e com formação pertinente – diploma de ensino superior na área – haveria que ser igualmente dotado da mesma capacidade de formação da certeza.

Na Austrália, a avaliação sobre a validade da fMRI como evidências a serem usadas no processo é realizada através das regras sobre evidência, então denominadas Evidence Acts. De modo semelhante ao norte-americano, na Austrália, através das Seções 55-56 busca-se, antes de tudo, identificar a relevância da fMRI para o caso. (HOUSTON, VIERBOOM, 2012, p. 13).

Considerando que se parte do pressuposto de que no caso daqueles maiores de 18 anos a presunção é de capacidade, neste caso o interesse em provar a incapacidade/inimputabilidade será em regra da defesa, ou mesmo do Ministério Público enquanto custus legis. Nesse aspecto, para o direito interno brasileiro, Pacelli (2013, p. 335) lembra que é possível que não só a defesa ou o Ministério Público requeira a perícia, como também, o juiz, o curador, ascendentes e descendentes, cônjuge e irmão, de acordo com o próprio artigo 149 do CPP brasileiro.

Realizadas as provas, uma das competências do juiz em caso de júri seria promover uma filtragem das evidências que chegam aos jurados, e consequentemente inadmitir evidências que não cumpram os padrões do ordenamento (SALLAVACI, 2014, p. 17). Tal estratégia confere maior segurança e fiabilidade às provas que são produzidas pelas partes sob esta técnica.

Por outro lado, ainda que as provas estejam em perfeitas condições formais, Duff (2007, p. 20) faz uma observação interessante sobre o equívoco cometido em muitos ordenamentos no que diz respeito à demonstração do nexo entre a liability e responsibility. A princípio, para haver a responsabilização do sujeito deve haver a observância da correlação entre ambas, em que a segunda é uma condição necessária mas não suficiente para a verificação da primeira. O

que ocorre em muitos ordenamentos é que há a imputação da liability em muitos casos em que o sujeito não é moralmente responsável. Por conseguinte, não havendo a moral responsibility, não é possível haver a moral liability. A despeito de o autor utilizar o seguinte argumento para um raciocínio diverso, é evidente o peso da imputação de ordem moral para a caracterização da responsabilidade. Nesse sentido, merece apoio o pensamento de que a discussão acerca da condição cerebral do acusado é relevante para o debate sobre a responsabilidade. Assim, abre- se, por consequência, a discussão acerca da admissibilidade de provas que demonstrem e suscitem exatamente a dúvida acerca das capacidades e incapacidades cerebrais do sujeito, a incluir-se aqui discussões sobre a consciência moral.

4 A fMRI NA PERSPECTIVA DA PROVA DOCUMENTAL

Uma vez se tratando de características cerebrais que possam ser diagramadas em imagens, tais imagens adquirem a forma de documento, de papel, reunindo informações relevantes ao exercício da prova. Sendo a prova materializável em documento, faz-se mister compreender tal instituto sob este ponto de vista, de maneira a delimitar suas questões no cenário processual e resolver os eventuais problemas daí advindos.

Como visto, a neuroimagem, embora tenha sido realizada por um expert, possua conteúdo diagnóstico e apresente cientificidade, esta não pode ocupar o lugar da perícia oficial, e por ser trazida aos autos por uma das partes, pode estar afetada pela parcialidade. Com isso, entende-se por razoável a submissão deste conteúdo à apreciação do juiz, de forma que seu aproveitamento seja realizado à luz do contraditório. Diante disso, torna-se inevitável o fato de que ambas as provas, tanto a fMRI quanto a perícia do juízo, em sendo convergentes em suas conclusões, constituirão peso suficiente a formar o convencimento.

Sendo assim, confere-se à fMRI uma credibilidade “por ricochete”, o que, ao fim, é favorável à defesa do réu. Em sendo conflitantes os resultados da perícia oficial e da fMRI, haverá, provavelmente, a prevalência do conteúdo da perícia oficial, mas isso não impedirá o aproveitamento de informações úteis trazidas pela prova documental, elementos esses, por exemplo, que no Direito brasileiro se constituem na apreciação das circunstâncias judiciais. O juiz, dentro de sua permitida discricionariedade, pode utilizar as informações contidas no laudo médico da neuroimagem como fonte de motivação para aplicar a pena no mínimo legal, quando da dosimetria da pena, ou mesmo diminuir uma fração por entender pela semi-imputabilidade.