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A dispensa coletiva no regime jurídico brasileiro

150 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=438021>. Acesso em: 16 nov.

2010.

151 Disponível em: <http://www.iranbarbosa.com.br/arquivos_proposicoes/5385___FGTs_Maior.pdf>. Acesso

A dispensa coletiva, no Brasil, ainda não recebeu qualquer regulamentação normativa, salvo no que se refere à Convenção 158 da OIT; que, entretanto, recebeu a denúncia do país em novembro de 1997, conforme se demonstrou alhures.

Também em virtude da crise econômica de 2008/2009, a deputada Manuela D’Ávilla do PCdoB/RS e outros apresentaram o Projeto de Lei 5.353/2009152, com o objetivo de regulamentar esta forma de dispensa, dado o seu grau de importância para toda a sociedade, que suporta os efeitos nefastos causados por despedidas em massa sem qualquer preparação de toda uma coletividade de trabalhadores.

Aludido projeto não proíbe a dispensa coletiva, mas exige indicação fundamentada de sua causa, que deverá ser provada em pedido de autorização junto à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (artigo 3º). Além de determinar uma quantidade relativa de demissões para se que caracterizarem como coletiva (artigo 2º), exige que a empresa efetive algumas condutas alternativas antes de iniciar o processo demissionário (artigo 3º, § 1º), prevê garantias obstativas da dispensa (artigo 6º), e, no caso de estas serem inevitáveis, dispõe sobre indenizações, sem prejuízo daquelas já previstas em lei ou que venham a ser criadas futuramente (artigo 9º). O último andamento que recebeu foi a determinação de apensamento ao Projeto de Lei 5.124/2009153.

Para que se caracterize como dispensa coletiva, segundo o referido projeto, há a necessidade de ser fundada em causas técnicas, econômicas ou financeiras, e, que no período de noventa dias, afetem: no mínimo cinco trabalhadores, nas empresas que possuam até vinte empregados, dez, quando possuam de vinte a cem, e 10% (dez por cento) nas empresas que possuam entre cem e trezentos, e no mínimo trinta, nas demais empresas.

O Projeto de Lei acima mencionado não é inédito. Já houve várias outras tentativas de regulamentar a questão. Nelson Mannrich, após expor a necessidade de editar a lei complementar a que se refere o artigo 7º, inciso I da Constituição Brasileira, cita alguns projetos de lei que tentaram dispor sobre a matéria, entre eles, o Código do Trabalho de Evaristo de Moraes Filho, de 1963, o Projeto de Lei nº4, de 1983, o anteprojeto da Secretaria

152 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=437270>. Acesso em: 16 nov.

2010.

153 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=437270>. Acesso em: 16 nov.

Nacional do Trabalho, o projeto da Academia Nacional de Direito do Trabalho, o Projeto de Lei Complementar nº 22, de Nélson Jobim, o Projeto de Lei nº 325, de 1991, de Nélson Proença, o Projeto de Lei Complementar nº 93, de 1996, de Miguel Rosseto e outros154. Os projetos apresentavam propostas variadas de regulamentação, tendo em comum o fato de reconhecerem a necessidade de implementar regras que diminuam o impacto da dispensa coletiva, seja esta por causa financeira, automação, modernização ou inovações tecnológicas.

Andréa Brião diferencia dispensa coletiva da plúrima, afirmando que

Na dispensa coletiva é única e exclusiva a causa determinante. O empregador compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional, ou o tempo de serviços. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa.155

Já na dispensa plúrima, há diversas dispensas por motivos diferentes, inerentes a cada pessoa dispensada, daí porque não se pode utilizar o critério quantitativo para diferenciar uma espécie da outra. A par disso, a primeira – se legítima e não esconder motivos diversos daqueles indicados – deve ser tratada como dispensa individual, com indenizações e garantias inerentes a cada trabalhador dispensado. Terão, portanto, efeitos diferentes, pois a dispensa coletiva terá alcance social maior.

A crise econômica mundial de 2008/2009, iniciada nos Estados Unidos a partir da quebra de instituições de crédito, em decorrência do chamado "subprime", foi apontada como causa de inúmeros episódios de dispensas coletivas no Brasil e no mundo. Aqui, houve algumas com importante repercussão nacional, em virtude da grande quantidade de empregados envolvidos. O Desembargador do Trabalho da 15ª Região José Antônio Pancotti156, para quem o Direito do Trabalho é a esperança para se encontrar novos caminhos e limites em face da economia de mercado, afirma que os tribunais são obrigados a examinar

154 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 477-501.

155 BRIÃO, Andrea. Proteção do trabalho frente às dispensas coletivas. In: Revista LTr, vol. 74, nº 04. São Paulo:

LTr, 2010. p. 430.

156 Relator do dissídio coletivo ajuizado em face da EMBRAER contra a dispensa coletiva de mais de 4.200

empregados. Processo 309/2009-000-15-00.4. O TRT de Campinas concedeu liminar suspendendo as dispensas e obrigando a negociação, decisão que foi, posteriormente, cassada pelo TST.

a questão sob o enfoque de princípios constitucionais e trabalhistas do direito brasileiro e comparado, com fundamento no artigo 8º da CLT, já que o ordenamento jurídico pátrio não regulamentou a matéria. E ressalta:

Destarte, sob pena de configurar abuso do poder econômico, além de ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e do valor social do contrato de trabalho, não se pode reconhecer a discricionariedade absoluta do empregador para as demissões coletivas, sem que haja uma ampla negociação com os entes sindicais respetivos.157

Não é possível, de fato, proibir a dispensa coletiva de forma absoluta, pois há casos em que é inevitável para salvar a empresa, e, com isso, toda a sua atividade e parte dos empregos já existentes, bem como para a possibilidade de criação de novos. Porém, há formas de garantir que ela seja bem menos traumática, tanto para a coletividade de empregados demitidos, como para toda a sociedade. Deve-se, ainda, restringir as hipóteses dessa forma de dispensa, para que não se torne apenas mais uma maneira de busca pelo lucro, ou mera redução de gastos com pessoal.

Neste contexto, a negociação coletiva tem sido apontada pela doutrina como a solução para evitar dispensas coletivas ou ao menos amenizar seus efeitos, quando inevitáveis. Também é uma forma de permitir que os sindicatos – exercendo seu papel de contrapoder – fiscalizem os reais motivos da dispensa, ou, até, ofereçam alternativas viáveis à mesma. Para isso, além de ser necessária uma norma que obrigue à negociação, deve-se buscar o maior fortalecimento dos sindicatos, para que estes tenham um real poder para negociar, ainda que isso inclua a necessidade de transação sobre alguns direitos - a exemplo do disposto no artigo 7º, inciso VI da Constituição da República - o que não deve ser confundido com simples renúncia, desde que se estabeleça regras e procedimentos que atenuem os efeitos das dispensas em relação a todos os empregados.

Não é possível a proibição da dispensa coletiva, entretanto, é necessário que se imponham regras a serem observadas quando as demissões forem inevitáveis, de modo a diminuir os efeitos prejudiciais ao trabalhador e a toda sociedade. Antes, porém, deve a empresa demonstrar a inevitabilidade da dispensa coletiva, fazendo um estudo junto ao sindicato representante da categoria econômica respectiva, e procurar alternativas à dispensa,

157 PANCOTTI, José Antônio. Aspectos Jurídicos das dispensas coletivas no Brasil. In: Revista LTr , vol. 74, n.

tais como concessão de férias coletivas, redução da carga horária, e até redução salarial, em último caso.

Em sendo inevitável a dispensa, a empresa deve adotar medidas que diminuam o seu impacto, por exemplo, demitindo primeiro os mais jovens, com maior empregabilidade, criando planos de demissão voluntária, concedendo seguro saúde por tempo suficiente a que o trabalhador desempregado possa restabelecer-se. Isso também deve ser realizado junto com os sindicatos, que devem estudar esses e outros mecanismos de redução do impacto negativo ao trabalhador individual e a toda a sociedade.

Enoque Ribeiro dos Santos sugere algumas alternativas, como um plano de ação de combate ao desemprego, entre elas: modernização do ordenamento jurídico trabalhista (que não deve ser confundida com a retirada de direitos já existentes); valorização da negociação coletiva e estímulo a outras fórmulas de autocomposição, como meio de resolução de conflitos; concessão de incentivos fiscais e financiamentos públicos, com vistas à criação de novas empresas e aumento de postos de trabalho; adoção de política de isenção tributária para setores que empreguem maior quantidade de mão-de-obra; criação de agências nacionais de emprego formadas por órgãos públicos e comunidade; imposição de limite máximo de horas extras e diminuição da jornada legal máxima de 44 para 40 horas; investimento e incentivo à educação básica e profissional; investimento no campo e em atividades agropecuárias, que atraiam o trabalhador para o campo; investimento em políticas públicas de emprego; redução da carga tributária sobre o salário; reforço a políticas de equalização de oportunidades, com o favorecimento à integração de portadores de deficiência. Sugere, ainda, o autor que seja incentivada a negociação entre trabalhador e empresa no local de trabalho, e novas formas de organização do trabalho, especialmente em relação a empresas com dificuldades, através da cogestão e autogestão, com a participação dos trabalhadores na gestão da empresa158. Todas são alternativas perfeitamente aplicáveis no país.

Para evitar repercussões da crise financeira mundial, em 2009, o governo concedeu incentivo fiscal para empresas de automóveis e eletrodomésticos. Esse seria um instrumento de combate ao desemprego melhor ainda, se atrelado à necessidade de criação ou manutenção de vagas de trabalho.

158 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Revisitando um plano nacional de ação frente ao desemprego. In: Revista LTr, vol. 73, n. 3, mar/2009. p. 272-276.

José Antonio Pancotti, desembargador do Tribunal do Trabalho da 15ª Região, entende não existir, no Brasil, mecanismo jurídico que impeça ou suavize a dispensa coletiva, por isso, em inúmeros acordos e convenções coletivas examinadas pelo Tribunal constatam-se cláusulas dispondo sobre a matéria, estabelecendo critérios, como o do escalonamento de demissões, como o de demitir primeiramente aposentados, solteiros, contratados mais recentes e casados com encargos menores, instituição de planos de demissão voluntária, que proporcionem indenizações e manutenção de benefícios por um período, suspensão temporária do contrato de trabalho. Destaca, ainda, casos recentes ocorridos com a Wolkswagen de Taubaté/São Paulo e a General Motors de São Caetano do Sul/São Paulo, nos quais foram adotados critérios semelhantes de forma bem sucedida, através de negociação coletiva, sem a necessidade de socorro ao Judiciário. Ressaltou, ao manifestar-se sobre recente decisão em dissídio coletivo envolvendo a empresa EMBRAER, que demitiu quatro mil funcionários sem prévia negociação:

Assim, vislumbrou-se que a ausência de negociação coletiva prévia e espontânea ao ato demissional coletivo caracterizou o ato como abusivo e ofensivo à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, à livre iniciativa e à cidadania.159

A Convenção 158 da OIT, ainda que não vigente no país, pode servir como modelo, ao dispor que, no caso de dispensa coletiva, o empregador deverá comunicar os representantes dos trabalhadores, com vistas à negociação coletiva.

A importância do sindicato é evidente em praticamente todas as alternativas acima indicadas, especialmente levando-se em consideração a necessidade de negociação coletiva prévia ao ato demissional. Portanto, qualquer política que vise ao combate do desemprego deve passar pela reforma do modelo sindical brasileiro e pelo fortalecimento das associações sindicais.

3.4 A possibilidade de limitação pelo Poder Judiciário através de decisões individuais e