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A dispersão epistemológica da Terapia Construtivista

No documento matheuscaianosimoesamorim (páginas 63-66)

CAPÍTULO 4. TERAPIA COGNITIVA CONSTRUTIVISTA E EPISTEMOLOGIA

4.2. A dispersão epistemológica da Terapia Construtivista

A proposta teórica do construtivismo reporta aos princípios conceituais da filosofia pós-moderna acerca da crítica ao acesso possível a uma realidade independente do indivíduo, rejeitando o enfoque cartesiano de investigação científica baseado no rigor e na objetividade, conforme Arendt (2003). O mesmo autor reporta o construtivismo à obra de Jean Piaget, que sistematizou o referido enfoque que consiste na hipótese que não existem cognições inatas, mas sim construídas pelo sujeito a partir de suas interações com o meio.

Ainda que haja uma considerável diversidade no paradigma construtivista, quatro posições, colocadas por Gonçalves (1997), podem ser identificadas como os princípios metateóricos centrais: 1) os processos de conhecimento implicam numa construção antecipatória, ou seja, a realidade é projetada pelo indivíduo conhecedor e construída através de processos de compreensão corporificada; 2) a projetividade humana origina estruturas organizadas hierarquicamente com níveis explícitos e tácitos de conhecimento; 3) no nível tácito de organização estrutural o conhecimento é basicamente uma atividade emocional e motora que provê a apreensão da realidade; e 4) o conhecimento opera por meio de assimiliação e acomodação contínuas em direção a níveis mais complexos, integrados e viáveis.

Os construtivistas se unem por meio de uma epistemologia comum, e assim como Kant, acreditam que a realidade é, em ultima instância, noumenal, ou seja, se encontra fora do alcance das nossas mais ambiciosas teorias, sejam elas pessoais ou científicas, sempre negando, a segurança da justificação de nossas crenças, fé e ideologias através de meros recursos às circunstâncias objetivas que estão fora de nós mesmos. Ao contrário, a organização que impomos ao nosso mundo das experiências é uma construção humana precária apoiada por indagações pessoais e partilhadas na busca por uma ordem mínima, por uma previsibilidade dos acontecimentos da vida e por uma base para as nossas ações. Bem como as estruturas de significado que desenvolvemos para padronizar e dar direção às nossas vidas, que por vezes, parecem muito frágeis, como quando uma pessoa precisa reconstruir um sentido de si mesmo e de futuro depois de ser invalidado o seu suposto mundo (Neimeyer, 1997b).

De acordo com as ideias de Lyddon (1989), os desenvolvimentos nas ciências cognitivas representam uma diferenciação metateórica entre as terapias cognitivas, que para

Mahoney reflete duas tradições fundamentais da filosofia: o racionalismo e o construtivismo. O racionalismo, epistemologia associada às terapias cognitivas racionalistas concebe o ponto de vista de que o conhecimento é adquirido através da lógica e da razão, outorgando ao pensamento, e não aos dados obtidos por meio dos sentidos, uma preponderância na determinação da experiência. Logo, essa postura epistemológica relaciona os pensamentos irracionais como causa das disfunções psicológicas, que devem ser controladas pelo pensamento racional. As terapias cognitivas construtivistas, por sua vez, aderem à teoria epistemológica de que conhecimento e realidade não são fixos, mas relativos, mutáveis e função da construção pessoal e social. As pessoas constroem seus modelos de representação do mundo que se tornam as bases do processo de atribuição de sentido à experiência, como Mahoney aponta. Os construtivistas enfatizam a viabilidade (flexibilidade, resiliência) de uma representação cognitiva como um determinante crucial de adaptação, no sentido de uma maior

complexidade que proporciona construções de experiências mais refinadas. A esse respeito, Neimeyer (1993) argumenta que, colocado no contexto histórico, as

terapias cognitivas tradicionais se assentam sobre os princípios do empirismo lógico e sobre a imagem do cientista defendida pelos filósofos do Círculo de Viena; neste contexto, teóricos como Beck e Ellis prevêem um ser humano bem ajustado e visto como modelo de racionalidade. Portanto, as terapias cognitivas são herdeiras de uma longa tradição de realismo, na qual a percepção da realidade é chamada saudável quando o que o indivíduo vê corresponde ao que realmente está na realidade; isso implica uma teoria da verdade como correspondência que afirma que a validade de um sistema de crenças é determinada pelo grau de correspondência dos fatos ao mundo real. As terapias cognitivas construtivistas, por sua vez, rejeitam uma teoria da verdade como correspondência e seu corolário de que quaisquer crenças que não correspondem à realidade são, por definição, disfuncionais. Em vez disso, sustentam que a viabilidade de qualquer construção está em função das consequências provisoriamente adotadas pelo indivíduo ou grupo, bem como com sua coerência global com o sistema de crenças em que se integram, pessoal ou socialmente.

Como já mencionado sobre o núcleo do construtivismo com uma visão dos seres humanos como agentes ativos que constroem o significado do seu mundo vivencial, a emergência de sua epistemologia teve de aguardar o declínio do empirismo lógico, do racionalismo clássico e do determinismo linear da filosofia da ciência do século XX (Mahoney, 1989 como citado em Neimeyer, 1993, p. 222). Nessa perspectiva, o

conhecimento humano é em última instância interpessoal e evolutivo, sem que precise ser validado por uma realidade objetiva, fato que corresponde a uma visão epistemológica que enfatiza a cognição como pró-ativa em vez de meramente determinada.

Os terapeutas construtivistas partem de pressupostos epistemológicos cuja crítica visa ao modelo associacionista postulado pelo empirismo no qual a mente é concebida como um sistema passivo que reúne o conteúdo do ambiente, e por meio do ato do conhecimento, produz uma cópia da ordem da realidade. Em contraste a isso, a premissa epistemológica fundamentada pelo construtivismo afirma que, no ato de conhecer, é a mente que ativamente dá significado para a realidade a que responde. Então, é atribuída uma teoria motora aos domínios mentais e cognitivos (Balbi, 2008).

Sobre isso, nas teorias motoras da mente o ser humano é visto como construtor de modelos sobre si mesmo e sobre a realidade sendo que sua atividade pró-ativa vai além da recepção de estímulos. A ordem sensorial com a qual conhecemos os objetos externos é um produto das habilidades motoras construtivas corretamente interpretadas (Opazo & Suárez, 1998).

Dessa maneira, a ideia construtivista do homem que constrói, através da sua história, um conhecimento pessoal sobre si mesmo e o mundo no qual a compreensão da realidade, as construções e interpretações serão sempre feitas a partir de quem as vivência; tomando como base sua história de interações, que servem como sua maior representação interna de mundo (Abreu, Valle & Roso, 2001).

O núcleo da perspectiva construtivista apresentado por Ferreira (1998) é de que o ser humano procura articular os vários significados das suas vivências num conjunto coerente de referência que permita se localizar no mundo sem a preocupação de alcançar representações verdadeiras. O conhecimento é tido como a construção da experiência do conhecedor, estruturada hermeneuticamente. Nessa visão, a busca de um significado verdadeiro e único não faz sentido, pois a natureza ativa da percepção, aprendizagem e memória são fenômenos que refletem as tentativas de organizar e continuamente reorganizar os próprios padrões de ação.

Sendo assim, o construtivismo compartilha uma instância epistemológica comum, e mesmo havendo diferenças perceptíveis entre as várias terapias sistêmicas, elas concordam em considerar o conhecimento como um processo de construção, em vez de uma representação direta da realidade. Considerando que o conhecimento do mundo externo é

ativamente construído pelo sujeito observador num dado contexto social, a ideia de que existe um conhecimento verdadeiro acerca da realidade desaparece. Dessa forma, a formulação de que a realidade pode ser interpretada de várias maneiras é partilhada por muitos construtivistas (Feixas, 1997).

No documento matheuscaianosimoesamorim (páginas 63-66)