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1.6 Mecanismos de indução do imposex 51

1.6.1 A disrupção endócrina 51

Os químicos disruptores endócrinos (EDC18) são considerados os principais agentes da disrupção endócrina. Estes químicos (quer naturais quer antropogénicos) interferem com o normal funcionamento do sistema endócrino dos animais, podendo i) simular (agonistas) os efeitos das hormonas, ii) inibir (antagonistas) os efeitos das hormonas, iii) alterar o padrão de síntese das hormonas ou iv) modificar os receptores das hormonas (Depledge & Billinghurst, 1999). O desenvolvimento do imposex em gastrópodes, por exposição ao TBT, é considerado um dos exemplos mais evidentes de disrupção endócrina (Matthiessen & Gibbs, 1998).

Ao longo do tempo, várias hipóteses foram postuladas tentando explicar a cadeia de eventos e processos moleculares que conduzem ao desenvolvimento do fenómeno nos gastrópodes. Féral & LeGall (1983) sugerem que o imposex em O. erinacea estaria relacionado com a acção de duas moléculas, o factor “retrogressivo” (RF19) e o factor morfogénico do pénis (PMF20). Concluíram que o TBT interferia na libertação do RF pelo gânglio cerebropleural das fêmeas. Em fêmeas não expostas, este factor impede o gânglio pedal de segregar o PMF, substância responsável pelo controlo do crescimento do pénis nos machos. Mais tarde, Oberdörster & McClellan-Green (2000) colocaram a hipótese de que os neuropeptídeos que controlam a diferenciação sexual nos moluscos poderiam ter capacidade para induzir o fenómeno em causa. De entre os quatro peptídeos estudados, sugeriram que o neuropeptídeo APGWamide poderia ser o PMF mencionado por Féral & LeGall (1983), uma vez que a sua localização coincide com o local onde o PMF é acumulado e foi o único peptídeo, de entre os estudados, capaz de induzir imposex em I.

obsoleta. Santos e colaboradores (2006) demonstraram que a injecção do peptídeo

APGWamide em B. brandaris não tem efeitos no desenvolvimento do imposex nesta espécie. Contudo, os autores salvaguardam que esta ausência de efeito só é relativa ao

18 EDC – “Endocrine Disruptor Chemical” 19 RF – “Retrogressive Factor”

52 desenvolvimento e não à indução de imposex, já que as fêmeas testadas já apresentavam um pequeno pénis.

A disrupção da sinalização via esteróides também foi proposta para explicar o mecanismo do imposex. Nos peixes, a inibição do citocromo P450, conhecido como P450arom (CYP19A1, aromatase), provoca efeitos profundos na sexualidade destes vertebrados. Dado que se assumia que a bioquímica dos esteróides nos moluscos era similar à dos peixes, considerou-se que a inibição da aromatase nos gastrópodes poderia resultar em efeitos semelhantes (Mathiessen & Gibbs, 1998). Vários estudos registaram um aumento dos níveis de testosterona ou do ratio testosterona/estradiol em gastrópodes expostos a TBT em laboratório (Spooner et al., 1991; Schulte-Oehlmann et al., 1995; Bettin et al., 1996). Numa complexa série de experiências de exposição de fêmeas de N.

lapillus e N. reticulatus a várias concentrações de TBT, Bettin e colaboradores (1996)

demonstraram que i) a exposição de fêmeas ao TBT (4,9 a 100 ng TBT-Sn/L) induz

imposex em ambas as espécies e que este é acompanhado por níveis de testosterona

também elevados e dependentes da dose, ii) a exposição de fêmeas a uma mistura de TBT e acetato de ciproterona (um antagonista dos receptores de androgénios) inibe o desenvolvimento de imposex, provando que o TBT actua via aumento dos níveis de testosterona, iii) a exposição de fêmeas a TBT juntamente com uma mistura 1:1 de 17 β estradiol e estrona também inibe o desenvolvimento do imposex, que foi interpretado como uma reposição da proporção normal entre androgénios e estrogénios e iv) a exposição de fêmeas a um inibidor específico da aromatase induz o imposex. Estes autores sugerem que em fêmeas de gastrópodes e em situações em que a testosterona apresenta níveis normais, os níveis elevados de TBT provavelmente competem com os da testosterona, inibindo a aromatase dependente do citocromo P450 e, consequentemente, impedindo a conversão de testosterona em 17-β-estradiol.

Outros estudos sugerem que a inibição da aromatase poderá não ser o mecanismo primário envolvido no imposex e, consequentemente, foram desenvolvidas outras propostas. Ronis & Mason (1996), num trabalho com L. littorea, apresentaram uma proposta alternativa à inibição da aromatase. Estes autores sugeriram que o TBT provocava

imposex por bloqueio da conjugação da testosterona e metabolitos com enxofre,

53 No entanto, esta experiência foi realizada com níveis extremamente elevados de TBT, o que poderá não reflectir as condições realistas de uma exposição ambiental. Santos e colaboradores (2005) expuseram N. lapillus a vários tratamentos para avaliar os efeitos na indução do imposex e nos níveis de testoterona/estradiol. O tratamento com um inibidor da P450arom (formestano) induziu imposex mas não produziu efeito na intensidade da sua expressão. Noutro tratamento, observaram que um inibidor dos receptores androgénicos (acetato de ciproterona) bloqueia a capacidade de indução do TBT. Relativamente às hormonas, os resultados deste estudo indicam que a biossíntese de estradiol livre não é afectada pela exposição das fêmeas ao TBT. Portanto, este estudo sugere o envolvimento de outros mecanismos na indução do imposex. Gooding & Leblanc (2001) sugerem que a esterificação da testosterona em ácidos gordos poderá ser o mecanismo de regulação dos níveis de esteróides em I. obsoleta e poderá representar o alvo da toxicidade do TBT. Gooding e colaboradores (2003) realizaram um estudo para determinar a interferência do TBT na esterificação da testosterona naquele gastrópode. Os resultados mostram que em animais expostos a TBT, os níveis de testosterona total (livre+esterificada) não sofrem alterações mas os níveis de testostrona livre aumentam de acordo com as concentrações a que os animais foram expostos e que a diminuição da esterificação da testosterona em gastrópodes expostos ao TBT não é causada pela inibição directa da enzima envolvida na esterificação nem pela supressão da sua expressão. Estes autores sugerem ainda que o alvo do TBT poderá ser um dos outros elementos do processo de esterificação da testosterona em ácidos gordos.

Apesar das inúmeras hipóteses postuladas, o mecanismo bioquímico que regula este fenómeno permanece ainda por decifrar. Nishikawa (2006) sugere que os receptores nucleares dos sistemas das hormonas intrínsecas são provavelmente o alvo dos disruptores endócrinos, uma vez que os seus ligandos intrínsecos são agentes lipossolúveis e de baixo peso molecular tal como os contaminantes ambientais. Segundo este autor, os invertebrados não têm receptores funcionais para os androgénios, pelo que nos gastrópodes as hormonas sexuais características dos vertebrados poderão não estar envolvidas no desenvolvimento sexual dos machos. Nishikawa et al. (2004) demonstraram que o TBT e o TPT se ligam eficientemente ao Receptor Retinóide X (RXR), um receptor nuclear, cujo homólogo foi clonado em T. clavigera. Estes autores também demonstraram que o ácido retinóico 9-cis, um ligando natural do RXR, induz o imposex nas fêmeas daquela espécie

54 de gastrópode. Neste contexto, estes dois organoestanhos simulariam os ligandos endógenos do RXR, activando os mecanismos que, ao nível da transcrição nuclear, regulam o desenvolvimento sexual dos machos nos gastrópodes. Estes resultados sugerem então que, nas fêmeas de gastrópodes, o RXR desempenha um papel importante na indução e diferenciação dos caracteres sexuais masculinos (Nashikawa, 2006). A interacção entre as diferentes vias sugeridas (neuroendócrina, esteróide e retinóide) ainda permanece por esclarecer, já que a maioria das moléculas-alvo, potencialmente envolvidas nestes mecanismos propostos até à data, ainda não foram descritas para os moluscos (Castro et al., 2007).

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