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A distinção entre C-T definido e C-T indefinido

REANÁLISE

4.3. Um caminho para a análise das construções AcI em latim

4.3.4. A distinção entre C-T definido e C-T indefinido

Vimos, na seção anterior, mediante o contraste entre os dados em (53) e (54), que o sujeito lógico da oração infinitiva em latim pode se realizar tanto no caso nominativo (em concordância com o verbo passivo da matriz), quanto manifestar o

82 A escolha entre CP e TP pode ser discutida em termos da noção de fase (cf. Chomsky 2008), entendendo-se que CP é uma fase, e que o sujeito lógico da oração infinitiva recebe o Caso no âmbito da fase, enquanto TP não é uma fase, o que explica que sujeito lógico seja licenciado por uma categoria funcional da oração matriz (‘v’, se o verbo é ativo; T, se o verbo estiver na voz passiva). Deixamos essa discussão para pesquisa futura.

caso acusativo. Diante disso, a conclusão é que, em (53), o caso acusativo é licenciado na oração infinitiva, independentemente das propriedades do verbo da matriz.

Nesse aspecto, concluímos que a oração AcI (canônica) pode ser projetada em duas configurações: como um CP ou como um TP: enquanto na configuração TP, o DP acusativo é licenciado pelo núcleo v*, da projeção de V (VP shell) da matriz, e se o verbo matriz for passivo, é licenciado no specTP da matriz, naquela o DP acusativo é licenciado no domínio da oração infinitiva, na configuração CP, recebendo Caso do núcleo C encaixado (conforme proposto em Cechetto & Oniga (2001) e Melazzo (2005)). Em termos minimalistas (cf. Chomsky 1995; 2004), nas construções ECM, o V da matriz seleciona um T defectivo, uma situação restrita ao caso em que T não manifesta traços formais do tipo phi (de pessoa, gênero e número). Nessa configuração, é possível explicar que o sujeito na posição encaixada seja licenciado por uma categoria funcional associada ao verbo da matriz. Cf. (55).

(55) [v*P ...v*ACUS [VP Vbelieve[TP him [T’ Tto [be intelligent ]]]]]

De acordo com a análise segundo a qual as construções AcI são CPs, o sujeito lógico é licenciado nesse domínio pelo núcleo C (encaixado), que manifesta o traço formal Caso e tem caráter afixal, promovendo o deslocamento V para a periferia da oração, e do DP (sujeito) para specCP, conforme ilustrado em (56).

(56) ... dicitur [DP ... [CP [DP Gallos]j [C’ C[+afixo/Acus] transissei [TP...ti tj]]]

Tais casos distinguem-se da oração do tipo pseudo-AcI. Conforme observado no Capítulo 3, tal construção ocorre como complemento de verbos do tipo jubendi, e caracteriza-se por licenciar o DP acusativo na posição de objeto do verbo da matriz. Nessa configuração, o V da matriz seleciona um CP. Conforme Chomsky (1995, 2004), na configuração de controle (de objeto) o núcleo T encaixado ‘completo’ (não- defectivo), sendo a posição de sujeito da oração infinitiva realizada por uma categoria

pronominal do tipo PRO. Trata-se, portanto, de uma estrutura de controle de objeto (distinguindo-se da oração infinitiva do tipo ECM), conforme ilustrado em (57). 83

(57) Hortantur mei [CP [TP PROi venire]]

Pode-se então dizer que o latim licencia: (i) a oração infinitiva realizada como um CP e com um DP lexical na posição de sujeito; (ii) a oração infinitiva realizada como um TP e um DP lexical na posição de sujeito; (iii) a oração infinitiva de controle, realizada como um CP, em que não existe um DP lexical na posição de sujeito.

Conforme observado em Salles & Castro (2013), um aspecto que distingue a construção ECM do inglês e a construção AcI do latim é ampla distribuição desta, em oposição à manifestação restrita daquela, conforme visto acima. A ocorrência morfologicamente marcada do tempo/aspecto no infinitivo latino parece ser uma possível explicação para a ampla difusão da estrutura AcI como complemento de diferentes contextos oracionais. De fato, tal sistema permite denotar a complexa correlação dos tempos, dando margem à precisão semântica na expressão dos eventos descritos nos predicados expressos na configuração AcI.

Vimos também que a flexão de tempo/aspecto no infinitivo não deve ser o que determina o contraste entre o latim e as línguas românicas em relação à presença das construções do tipo AcI, já que existem meios morfossintáticos de codificar o tempo [+/- passado] por meio da configuração perifrástica (também encontrada em inglês), conforme observado em Salles & Castro (2013).

Neste ponto, passamos a discutir as propriedades formais dos núcleos funcionais na configuração AcI (canônica ou pseudo). Nossa análise parte de estudos prévios que atribuem propriedades distintas para C, de acordo com o predicado matriz, em que C irrealis é analisado como [indefinido], em oposição a C realis, analisado como [definido] (cf. Manzini 2000). Assumindo-se a hipótese de que C (encaixado) manifesta traços phi que percolam para T (cf. Chomsky 2008; Miyagawa 2010),

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Em relação às construções de ‘controle’, existe controvérsia quanto ao estatuto dessa categoria vazia na posição de sujeito da oração encaixada. Uma delas é a hipótese de que a categoria vazia na posição de sujeito das construções de controle é uma cópia do movimento de DP dessa posição para a posição de sujeito da matriz (cf. Hornstein 1999); outra proposta é a de que a posição de sujeito da oração encaixada não é projetada, sendo interpretada por uma cadeia formada em LF entre a posição de sujeito da matriz e da oração subordinada, mediante requisitos de marcação temática (cf. Manzini & Roussou 1999). Não vamos nos deter nesse debate, assumindo, a notação PRO para caracterizar a posição relevante do sujeito de construções de controle.

propomos que, na configuração AcI, traços phi não estão presentes, mas o operador de tempo em C marcado para o traço [+/-definido] percola para o núcleo funcional T, o que permite estabelecer a distinção entre o T infinitivo definido e o T indefinido.

Esquematicamente temos:

• oração AcI (canônica): ocorre como complemento de verbos epistêmicos/ declarativos/ dicendi e denota um estado de coisas definido por um valor de verdade – configuração C-T [definido];

• oração pseudo-AcI: ocorre como complemento de verbos volitivos manipulativos/ jubendi e denota um estado de coisas possível, hipotético – configuração C-T [definido].

Outra consequência dessa análise é que a possibilidade de selecionar um complemento oracional infinitivo do tipo TP (ECM) com sujeito lexical, em latim (em variação com a construção AcI do tipo CP), é restrita às construções com verbos epistêmicos/ declarativos, ou seja, aos casos em que o complemento oracional denota uma proposição e existe

independência temporal em relação ao T da matriz, sendo T é marcado como [+definido] –

um resultado desejável (e compatível com a ECM do inglês, que é restrita a verbos do tipo

believe ‘acreditar’).

Na comparação entre o latim e o inglês, observa-se que a ampla distribuição da oração AcI no latim se explica pela possibilidade de ser realizada tanto como um CP quanto como um TP (ECM) – enquanto o inglês só seleciona a configuração TP (ECM). Essa restrição se confirma pelo fato de que a configuração ECM só ocorre com verbo transitivo, excluindo-se naturalmente de configurações em que o Caso acusativo não está disponível na matriz (como predicados ergativos e nominalizações).

Em articulação com o requisito morfológico de realização do sujeito como acusativo, propomos que o valor positivo do parâmetro que determina presença de AcI está crucialmente associado aos contextos em que o tempo da oração subordinada é

independente do tempo da matriz, conforme proposto em Salles e Castro (2013). Essa

situação corresponde às construções em que a oração do tipo AcI ocorre como complemento de verbos epistêmicos/ declarativos, opondo-se à configuração do tipo pseudo-AcI, que ocorre como complemento de verbos causativos/ manipulativos. Nesse caso, a interpretação

do tempo da oração subordinada é dependente em relação ao tempo da matriz, manifestando- se a orientação fixa para o futuro.

A previsão é a de que a flexão de tempo do verbo no infinitivo seja relevante apenas no contexto em que o complemento manifesta T definido (independente da matriz). Nessa configuração, a flexão de tempo no infinitivo latino codifica os traços de T da oração subordinada. Inversamente, na denotação de um T indefinido, a presença da flexão tempo no infinitivo é determinada por um requisito da morfologia do verbo, sendo, porém, uma categoria anafórica, já que é dependente do T da matriz.

Propõe-se, portanto, que a fixação do valor do parâmetro pressupõe a distinção entre o

C-T (infinitivo) definido e indefinido. A conclusão natural é que a construção AcI