• Nenhum resultado encontrado

2 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL EM PERSPECTIVA

2.3 Linguagem, texto e produção textual

2.3.4 A produção textual na escola

2.3.4.2 A diversidade textual

A partir do final dos anos de 1970 e início da década de 1980, observa-se um deslocamento dos princípios orientadores do ensino não só de língua, mas das disciplinas em geral. Deflagra-se um vigoroso processo de questionamento e revisão do ensino vigente. É a gênese de um movimento que se propõe a reconceitualizar não só os objetivos do ensino, mas, sobretudo, os objetos de ensino, juntamente com os pressupostos e procedimentos didáticos. Este movimento ocorre não só no Brasil, mas em diferentes países como, por exemplo, Portugal, França e Austrália e vai desembocar em um trabalho de reforma curricular.

No caso do Brasil, a luta histórica das camadas menos favorecidas pelo direito à escolarização vinha provocando uma expansão da rede pública de ensino. A presença na escola de uma clientela cuja cultura e linguagem eram diferentes da cultura e linguagem valorizadas pela instituição escolar indica a necessidade de mudanças de orientação na forma de se conceber o ensino, em especial, do ensino de língua.

É essa necessidade de mudança que provoca um movimento de discussão acerca dos problemas educacionais. Aliada a este movimento de questionamento e de reestruturação do ensino estava a possibilidade de utilização de paradigmas advindos das ciências da linguagem como, por exemplo, a Lingüística da Enunciação, e das teorias do conhecimento como a Psicologia Cognitiva e Filosofia da Linguagem (sobretudo os princípios teóricos de Vigotsky e Bakhtin). Como bem destaca Marinho (1998, p. 49): ―é nessa complexa rede interdisciplinar que da Lingüística Textual, da Pragmática, das teorias enunciativas, do Interacionismo vygtskiano e do Construtivismo que os currículos contemporâneos tentam alçar vôo para um novo terreno epistemológico.‖

Deste processo resultou, portanto, a elaboração de diferentes propostas de ensino produzidas no período que vai da segunda metade dos anos 80 até início dos anos 90 do século passado. Mas, apesar das diferentes autorias e das distâncias geográficas os documentos mais se aproximam que se distanciam. Estes documentos não representaram apenas uma simples mudança curricular, representaram, fundamentalmente, um novo paradigma educacional. Entretanto, faz-se necessário destacar que mais que mudanças na prática, os documentos representaram mudanças teóricas. O fato de um novo saber a ser

ensinado tornar-se objeto de prescrição oficial não garante que sejam efetivamente vivenciados na prática de ensino.

Um dos primeiros aspectos a ser considerado na elaboração das propostas deste período é a concepção de língua defendida pelos documentos. A nova perspectiva de ensino da língua pautou-se numa visão centrada na noção de interação, na qual a linguagem verbal constitui-se numa atividade e não num mero instrumento.

Em conseqüência desta concepção de língua, o texto adquire um papel relevante no ensino, tanto da leitura quanto da escrita. Na verdade, ele passa a ser o centro do ensino de língua prescrito, tendo a gramática um papel secundário e posterior ao domínio e uso da linguagem. É neste contexto que a prescrição do ensino da produção textual assume uma nova perspectiva. Um dos aspectos enfatizados é que a escrita varia de acordo com o propósito para o qual é produzida e conforme o contexto no qual está inserida. Sendo assim, escrever uma carta não é o mesmo que escrever uma receita ou uma notícia.

A escrita varia também de acordo com a relação estabelecida entre escritor e seu possível leitor. Por isso, escrever uma carta para um amigo não é o mesmo que escrever uma carta para o diretor de uma empresa. A razão para as diferenças dos tipos textuais encontra-se, portanto, nos diferentes propósitos sociais de cada texto.

Por esse motivo, um dos lemas deste período é a importância de se diversificar a escrita e de criar situações autênticas de produção de texto no interior da escola. É preciso que os textos reais, frutos de situações reais de uso, passem a fazer parte do cotidiano escolar e não apenas os modelos escolares tradicionais baseados nos textos clássicos.

Alega-se que não faz sentido ensinar formas textuais que não apresentam nenhuma função social e que só existem dentro dos muros da escola. Coloca-se, então, a necessidade de levar o aprendiz ao domínio dos diferentes tipos de texto tal qual eles aparecem nas práticas de referência. Isto porque, só a partir do domínio destes diferentes tipos textuais é que o aluno será capaz de responder satisfatoriamente às exigências comunicativas que enfrenta no dia-a- dia.

O importante, então, é que o aprendiz da língua se defronte com diferentes tipos de texto e possa produzi-los, pois através dos usos destes textos e de uma prática de ensino que se aproxime dos seus usos reais, o aluno seria capaz de chegar ao domínio da produção e uso efetivo de tais textos. Observa-se que a ênfase e preocupação estavam sobre a apresentação de tipologias textuais e uma das questões que se colocava era quais textos priorizar na escola. De

forma geral, a orientação era que se trabalhasse a maior variedade possível de textos de forma a se disponibilizar o contato com os mais variados tipos textuais.

Embora os princípios orientadores explicitados pelas propostas de ensino elaboradas a partir da década de 1980 tenham sido de fundamental importância para as transformações no ensino de língua escrita, algumas críticas se fazem com relação a alguns aspectos que, se não colocados explicitamente pelas propostas, podem ser depreendidos do modo como as temáticas são tratadas.

No que diz respeito ao ensino da produção de textos, um dos questionamentos que se pode levantar é a crença de que os textos que funcionam na realidade extra-escolar possam entrar na escola da mesma forma que funcionam fora dela. Dessa maneira, há a negação da escola como um lugar específico de ensino-aprendizagem o que, pelas suas peculiaridades, acaba por transformar as práticas de referência nas quais os textos vão ser utilizados e produzidos. Sendo a escola um lugar específico de ensino-aprendizagem, não é possível reproduzir dentro dela as práticas de linguagem de referência tais quais aparecem na sociedade.

Ao entrar no processo de ensino, as situações de produção textual, embora remetendo às situações nas quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem na sociedade, apresentam características peculiares à situação de ensino nas quais estão inseridas. Como destacou Marinho (1998, p. 77),

A necessidade de que a criança faça uso da língua escrita interagindo com uma multiplicidade de textos é, de fato, importante, mas seria importante, também, uma explicitação das condições de ‗transferência‘ de alguns textos para o cotidiano da sala de aula, já que o texto, por si só, não garante o seu funcionamento ou as suas possibilidades de significação.

Ainda sobre este aspecto, Marinho discutindo a função da leitura e da escrita, nesses currículos, afirma que a apresentação dos textos se traduz, preferencialmente, por uma lista de tipos de textos que circulam na sociedade, sem que se ―explicite que função sócio- comunicativa cumpririam na escola, embora sirvam como modelos para o aprendizado da escrita‖ (p.75). Percebe-se, mais uma vez, a idéia de modelos a serem imitados.

Embora não se trate aqui de modelos de boa escrita ou de textos exclusivamente escolares, não se fala de um trabalho de explicitação e de ensino destes textos, mas apenas de aprendizagem que se daria através do exercício de escrita destes textos. Juntamente com esta

lista de textos a serem trabalhados era encontrada uma lista de conteúdos gramaticais, sem que se esclarecesse para o leitor das propostas como trabalhar aqueles conteúdos do ponto de vista da produção textual e não da simples análise sintática, apenas no nível da oração.

Apesar destas e outras críticas que possam ser feitas às propostas em geral, não desconsideramos os avanços promovidos do ponto de vista da sistematização de uma nova concepção de ensino-aprendizagem da língua.

Diferentemente do que protagonizava o currículo tradicional, nesta nova perspectiva, o aluno tem um papel ativo de construtor de conhecimentos. Daí privilegiar-se o aprender-fazendo, o aprender escrever-escrevendo.

Um dos avanços promovidos pelas propostas quanto ao ensino da língua escrita é, sem dúvida, o fato de a linguagem ser vista como sendo eminentemente social e com propósitos e não como algo abstrato e formal, e focalizando o seu uso em um contexto particular. Outro aspecto é reconhecer que o aprendiz não é passivo e mobiliza seus conhecimentos como usuário da língua no seu processo de aprendizagem.