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A doutrina da efetividade e a prestação jurisdicional da tutela coletiva

3.2 O neoconstitucionalismo e a tutela coletiva de direito

3.2.2 A doutrina da efetividade e a prestação jurisdicional da tutela coletiva

Da leitura dos argumentos postos em discussão no julgamento do Recurso Extraordinário n. 210.029/RS, constata-se que debate foi norteado pela busca da efetividade da prestação jurisdicional.

Tal preocupação surgiu em decorrência do aumento significativo de demandas judiciais ocasionado a partir da promulgação da Carta Política de 1988, o

41 Para Eduardo Campi, in: Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: “a expressão ‘neo’ (novo) permite chamar a atenção do operador do direito para mudanças paradigmáticas. Pretende colocar a crise entre dois modos de operar a Constituição e processo, para, de forma, construir ‘dever-seres’ que sintonizem os fatos sempre cambiantes da realidade ao Direito que, para não se tornar dissociado ou, ainda atualizar-se para apresentar melhores soluções aos velhos problemas.” p.

2. Disponível em: <http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/view/59/64>. Acesso em: 18. jul. 2013

que no Brasil, por ser um país de dimensão continental, não pode deixar de ser objeto de reflexão.

Inúmeros fatores são apontados como responsáveis pela busca à justiça, como por exemplo, a redescoberta da cidadania, a conscientização dos indivíduos em relação aos seus próprios direitos e a até a introdução de novos instrumentos de tutela jurídica no ordenamento jurídico pátrio que ampliam a legitimidade ativa para tutela de interesse, mediante o sistema de representação ou substituição processual.

Quanto ao ponto aqui relevante, observa-se que o acesso à justiça proporcionado pela adoção de instrumentos que viabilizem a tutela coletiva é seguido pelo movimento de cobrança de uma prestação jurisdicional efetiva. Em virtude disso, é totalmente pertinente a preocupação dos julgadores em adotar o referido motivo como razão de decidir.

A doutrina da Efetividade da Constituição42 consagra-se no discurso jurídico brasileiro como veículo capaz de impedir a ausência de sinceridade em relação à norma constitucional, ou seja, assegura a concretização do direito, representado, por sua vez, a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais.

Para tanto, o debate constitucional brasileiro teve que mudar o foco, se antes era voltado para as instituições políticas, para a se aproximar do processual, como forma de visualizar a Constituição como carta de direitos e de instrumentação de sua tutela.43

42 Luís Roberto Barroso, no artigo A doutrina brasileira da efetividade, in Temas de direito

constitucional, 2005, p. 71, assentou com propriedade: “A efetividade da Constituição há de se

assentar sobre alguns pressupostos indispensáveis. É preciso que haja, da parte do constituinte, senso de realidade, para que não pretenda normatizar o inalcançável, o que seja materialmente impossível em dado momento e lugar. Ademais, deverá ele atuar com boa técnica legislativa, para que seja possível vislumbrar adequadamente as posições em que se investem os indivíduos e os bens jurídicos e condutas exigíveis. Em terceiro lugar, impõe-se ao Poder Público vontade política a concreta determinação de tornar realidade os comandos constitucionais. E, por fim, é indispensável o consciente exercício de cidadania, mediante a exigência, por via de articulação política e de medidas judiciais, da realização dos valores objetivos e dos direitos subjetivos constitucionais.”

43 Especificamente sobre a mudança de paradigma da Constituição em busca da efetividade, ver Luis Roberto Barroso, A doutrina da efetividade brasileira, in Temas de direito constitucional, T.III, 2005, p.71

Aliado a isso, foi introduzido no campo do direito constitucional o conceito de direito subjetivo que, nas palavras do Barroso, entende-se poder de ação44, ou seja, consiste na possibilidade de exigir do Estado que preste jurisdição, a partir do momento que o dever jurídico não é cumprido de forma espontânea45. Até porque a nossa Carta Política proíbe a justiça de mão própria.

Dentro de uma perspectiva ampla de tutela jurisdicional, o direito ao acesso à justiça significa tanto conseguir uma sentença de mérito, como também contar com atividades jurisdicionais que ensejem a consecução concreta, efetiva e tempestiva do direito declarado46.

Partindo dessa premissa, considera-se adequadamente prestada a tutela jurisdicional somente após o cumprimento efetivo do direito declarado no título judicial, seja atribuindo ao credor exatamente aquela prestação que lhe era devida originalmente, seja proporcionando-lhe prestação equivalente que satisfaça a seus interesses.

No que toca à prestação jurisdicional da tutela coletiva, deve-se levar em consideração, sobretudo, que a natureza do objeto tutelado por intermédio do referido processo coletivo revela-se peculiar, sendo distinta daquela ínsita aos direitos de cunho individual.

44 Op. cit. p. 73

45 Luis Roberto Barroso, A doutrina brasileira da efetividade, 2005, discorre acerca do postulado do direito de ação como o próprio direito subjetivo que possui fundamento constitucional. Apesar disso, sabe-se que a maioria das ações judiciais são instituídas e disciplinadas pela legislação infraconstitucional.

46 Partimos aqui da acatada concepção de direito fundamental processual a uma prestação jurisdicional efetiva sustentada pelo Luiz Guilherme Marinoni, no capítulo Direitos Fundamentais Processuais, in: O sistema constitucional brasileiro, 2012, ao afirmar que, ao proibir a justiça de mão própria e afirmar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5, XXXV, da CF), nossa Constituição admite a existência de direito a tutela jurisdicional adequada e efetiva. Obviamente, a proibição de autotutela só pode acarretar o dever do Estado Constitucional de prestação de tutela jurisdicional idônea aos direitos. Pensar de forma diversa significa esvaziar não só o direito a tutela jurisdicional (plano do direito processual), mas também o próprio direito material, isto é, o direito a tutela do direito (plano do direito material). É por essa razão que o direito a tutela jurisdicional constitui direito à proteção jurídica efetiva. (MARINONI, 2012, p.627-628)

Deve o operador do direito sopesar que o processo coletivo não cuidará tão somente de reparar o dano sofrido por alguém individualmente considerado, mas também almeja inibir novas práticas lesivas, ou seja, exerce uma função educativa.

Por tais considerações, verifica-se que o filtro axiológico pelo qual deve ler o direito processual coletivo decorre da constitucionalização do direito, o que significa, acima de tudo, a reinterpretação dos institutos do direito infraconstitucional sob a ótica constitucional na busca da efetividade prestação jurisdicional.

Ocorre que, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 210/029-RS, a maioria vencedora entendeu, por não conhecer os argumentos deduzidos pelos Ministros vencidos, por considerar que seria matéria de cunho processual. Logo resta prejudicada a conclusão de que a adoção da legitimidade extraordinária de forma ampla, ou seja, também na fase de liquidação e execução, proporciona efetividade a prestação jurisdicional.

3.3 O Supremo Tribunal Federal e a efetividade da prestação jurisdicional