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A Doutrina de Artilharia antes da Grande Guerra

CAPÍTULO 3: OS EQUIPAMENTOS DE APOIO DE FOGOS UTILIZADOS NA

4.1. A Doutrina de Artilharia antes da Grande Guerra

4.1.1. A Realidade Britânica

Antes da Grande Guerra deflagrar na Europa, a Artilharia Britânica tinha como principal função apoiar a Manobra a estabelecer uma superioridade de fogo sobre o inimigo, sendo a sua atuação utilizada apenas quando necessário e quando o inimigo revelasse a sua posição. Desta maneira, a Artilharia Britânica tinha como função a realização do apoio próximo74, porém este era realizado sem a existência de um planeamento de fogos (Bailey, 1989).

A experiência do Exército Britânico durante a Guerra dos Boers (1899-1902) viria a moldar a forma como este atuou durante as primeiras fases da Grande Guerra. Tendo-se desencadeado na África do Sul, a Artilharia Britânica, que tinha de acompanhar a Infantaria para estabelecer a superioridade de fogo, teve dificuldades em fazê-lo devido ao terreno acidentado que punha à prova a sua mobilidade. Desta forma, a Artilharia Britânica optou pela utilização do tiro direto, sendo este um método mais rápido, no lugar do tiro indireto, que exigia procedimentos mais demorados envolvendo cálculos, observadores avançados e meios de comunicação com os mesmos. As conclusões observadas pelo Exército Britânico com o final deste conflito levaram este a dar preferência a bocas de fogo mais ligeiras capazes de acompanhar a Infantaria (Wellons, 2000).

Em 1914, a Artilharia Britânica estava treinada para proporcionar o apoio próximo à Manobra não pelas capacidades do seu alcance mas pela sua proximidade às unidades que apoiava, chegando mesmo a ocupar posições avançadas de maneira a conseguirem observar o combate entre as infantarias.

Quando a BEF partiu para a guerra, o Comando e Controlo da sua Artilharia era descentralizado, considerando a descentralização como a forma mais prática de Comando e Controlo num conflito que se julgava móvel. No entanto, esta descentralização combinada com a falta de comunicação impossibilitava as Baterias, que se encontravam dispersas, de

55 concentrar o seu fogo, o que levou ainda mais à desconsideração da possibilidade de aumentar o alcance das bocas de fogo.

A RGA, com as suas bocas de fogo mais pesadas, poderia proporcionar um apoio próximo mais eficaz, porém a sua existência era escassa, sendo a sua importância desprezada. Antes de a guerra começar, surgiram mesmo tentativas de demonstrar a importância da Artilharia Pesada por parte de oficiais da RGA, como a possibilidade de a Artilharia Pesada fazer fogo sobre objetivos que eram impossíveis de alcançar pelas bocas de fogo mais ligeiras e a possibilidade de a RGA proporcionar a mobilidade de fogo enquanto a RFA proporcionava a mobilidade de equipamento. No entanto, em 1914, o Exército Britânico estava mais preparado para usar a Artilharia mais ligeira, combinando a mobilidade com a sua grande de cadência de tiro. O grande foco na Mobilidade, existente na Artilharia Britânica, era também uma forma de compensar o facto de esta possuir poucas bocas de fogo.

Contrariamente às lições aprendidas na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), onde se concluiu que o consumo de munições poderia tomar inesperadamente grandes proporções, os britânicos deram maior importância à economia de fogo, acreditando que seria impossível manter grandes cadências de tiro durante longos períodos de tempo. Sendo equipada preferencialmente com granadas Shrapnel em detrimento das granadas HE, a RFA conseguiu ter um melhor aproveitamento das suas granadas Shrapnel quando comparadas com as que eram utilizadas pelos alemães, que rebentavam a uma altitude demasiado elevada. Porém, a falta de munições obrigou a Artilharia Britânica a adaptar-se no campo de batalha: na fase inicial do ataque, esta proporcionava apenas um apoio ligeiro, aumentando progressivamente a cadência do tiro até chegar ao momento decisivo, procurando desmoralizar o inimigo e suprimi-lo, de maneira a garantir à Infantaria uma oportunidade para atacar. Desta forma, esperava-se que a Artilharia Britânica neutralizasse o inimigo, e não destruí-lo (Bailey, 1989).

4.1.2. A Realidade Francesa

A França acreditava que a Grande Guerra teria uma duração breve e que seria uma disputa entre Infantarias, baseada no rápido movimento e com uma Artilharia cujo papel seria apenas acessório. Previa-se que a Artilharia não necessitaria de grandes capacidades de alcance, que os eventuais obstáculos que esta encontrasse seriam de pouca importância e que a Artilharia de Campanha teria poder de fogo suficiente para cumprir a sua missão, crendo-

56 se que a Artilharia Pesada, neste tipo de guerra, teria pouca influência. Na realidade, o Exército Francês tinha uma enorme confiança nas suas peças de 75mm, constituindo as suas Baterias em apenas quatro destas peças. Sendo uma arma de grande mobilidade e com uma elevada cadência de tiro, as peças de 75mm francesas tinham uma grande predominância no Exército Francês, colocando de parte as bocas de fogo mais pesadas. Nas vésperas da guerra, chegou mesmo a ser sugerida a utilização da Artilharia Pesada como complemento à Artilharia Ligeira Francesa e como parte integrante da Artilharia de Corpo de Exército. No entanto, estas propostas foram recusadas, dando primazia às peças de 75mm.

Tal como acontecia na Artilharia Britânica, a Artilharia Francesa apercebeu-se que não conseguiria realizar grandes cadências de tiro durante longos períodos de tempo. Desta forma, a Artilharia teria como função efetuar uma ação neutralizadora, o que por sua vez levaria a Infantaria Francesa a treinar para executar ataques sem fogos de preparação75 da Artilharia, sendo o seu apoio apenas realizado durante o assalto (Bailey, 1989) e vocacionado para bater apenas pessoal e não bater abrigos ou cobertos (Zilhão, 1944). O apoio próximo da Artilharia chegava a ser tão próximo, que a ocorrência de fratricídio era considerada como inevitável (Bailey, 1989). A doutrina Francesa estava assente num pensamento que acreditava que o poder de choque era preferível ao poder de fogo e que a vitória dependia da própria Infantaria. O Exército Francês estava treinado para usar uma “guarda avançada” forte o suficiente para derrotar a vanguarda inimiga de maneira a obrigar a sua força principal a revelar a sua posição e o seu tamanho. A nível Divisionário, esta guarda avançada, que seguia à cabeça da Divisão, seria composta por três Batalhões de Infantaria apoiados por três Baterias de Artilharia. Teoricamente, o combate desenrolar-se-ia em três fases essenciais: na primeira fase, a guarda avançada fixava o inimigo, na segunda fase a força principal da Divisão entrava em combate e desgastava o inimigo, e por fim na terceira fase o inimigo seria flanqueado pelas Reservas Divisionária ou de Corpo de Exército. A cooperação entre a Artilharia e a Infantaria era incentivada no Exército Francês, ao ponto de chegarem a ser criados grupos de combate compostos por uma componente de Artilharia e de Infantaria, sob a autoridade de um comandante de Infantaria. Nestes grupos de combate a Artilharia estava dividida em “Baterias de Contrabateria” (que atacavam a Artilharia inimiga) e “Baterias de Infantaria” (que apoiavam a Infantaria). Assim que a tarefa do grupo de combate estivesse concluída, as Unidades de Artilharia ficavam novamente sob o comando de um comandante

75 Fogos intensos com a finalidade de apoiar um ataque interrompendo as comunicações do inimigo,

57 de Artilharia. No entanto, esta forma de atuação que colocava a Artilharia subordinada à Infantaria não era vista com bons olhos.

Ao nível do Comando e Controlo da Artilharia Francesa, este era demorado e tinha algumas dificuldades, sendo o empenhamento das Baterias no terreno uma tarefa que levava muito tempo e que muitas vezes gerava conflitos de comando (Clarke, 2014). Para além disso, a descentralização do apoio da Artilharia era tal que não havia maneira de concentrar o fogo sobre objetivos decisivos (Bailey, 1989).

4.1.3. A Realidade Alemã

O Exército Alemão, à semelhança dos exércitos que mais tarde seriam seus inimigos, estava treinado para uma guerra móvel. Apesar disso considerava-se que a mobilidade só podia ser alcançada com o auxílio do poder de fogo (Bailey, 1989) e atribuía uma importância acrescida ao tiro indireto e ao emprego em profundidade da Artilharia (Zilhão, 1944). Dessa maneira, a Artilharia Alemã operava com os obuses a neutralizar o fogo das peças de 75mm francesas (de preferência a partir de locais fora das vistas inimigas) e com a Artilharia Pesada a destruir os obstáculos no terreno. Com o virar do século, grande parte dos obuses alemães que se encontravam ao nível de Corpo de Exército desceram para o nível da Divisão e, para além disso, ao nível da Divisão era utilizado o obus de 105mm que tinha sido criado com o propósito de apoiar as peças de 77mm, o que não acontecia na Artilharia Divisionária Francesa que era composta apenas pelas peças de 75mm. Desta maneira, as Divisões e Corpos de Exército Alemães obtinham um poder de fogo sem rival capaz de o igualar. A utilização dos obuses no terreno permitia que este fizesse fogo sobre a Artilharia inimiga a partir de posições protegidas, onde as peças de Artilharia inimiga não conseguissem atingir com as suas trajetórias de tiro tenso.

Em relação ao Comando e Controlo da Artilharia Alemã, este foi repensado em 1914. Nesta reformulação, passaria a existir um comandante de Artilharia com o controlo completo dos fogos de Artilharia, diminuindo desta forma a sua descentralização. Este facto traria vantagem aos alemães quando comparados com a ideia de descentralização dos Franceses, cuja Artilharia operava de acordo com as indicações da Infantaria. Esta preocupação com o Comando e Controlo das suas bocas de fogo tinha origem na Guerra Franco-Prussiana (1870- 1871), onde o Exército Alemão sentiu grandes dificuldades em organizar entre 40 a 50 bocas de fogo do escalão Divisão numa frente de 2000m. Na Grande Guerra, o número de bocas de fogo por cada frente de 1000m passaria a ser 72.

58 Em relação à aquisição de objetivos através da observação aérea, a Alemanha conseguiu ficar um passo à frente dos seus opositores, que no caso do Exército Britânico a questão da utilização de meios aéreos de observação e respetivos meios de comunicação foi levantada mas não chegou a ser desenvolvida. Como meio de comunicação, os alemães desenvolveram um código de cores para sinalizar a presença de potenciais alvos (Bailey, 1989). Para além disso, os alemães tinham o hábito de utilizar postos de observação com escadas extensíveis ou equipados com telefones ligados às Baterias (Clarke, 2014). No caso dos franceses a importância da mobilidade e do apoio local imediato era tal que as comunicações foram descuradas, o que a acabaria por influenciar negativamente a possibilidade de fazer fogo indireto com a Artilharia (Bailey, 1989).