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A duração do tratamento e a conduta do analista

Capítulo 2: O Tempo na Psicanálise Freudiana

2.3 A duração do tratamento e a conduta do analista

Para abordar a questão da duração do tratamento psicanalítico, é fundamental considerar o texto Análise Terminável e Interminável (1974 [1937]), no qual Freud afirma que “a libertação de alguém de seus sintomas, inibições e anormalidades de caráter neuróticas - é um assunto que consome tempo” (FREUD, 1974 [1937], v. XXIII, p. 247). Não por menos, foram criadas diversas tentativas com a intenção de encurtar a duração das análises. A justificativa para tais atitudes poderia ser dada com base na razão e na conveniência, mas Freud lembra que nessa época a ciência médica via as neuroses como “conseqüências importunas de danos invisíveis” (FREUD, 1974 [1937], v. XXIII, p. 247)e, se a Psicanálise propunha uma mudança nessa visão, valorizando o sofrimento psíquico e mostrando que a neurose é passível de ser tratada, então que assim o fizesse de forma rápida e eficaz.

O próprio Freud acelerou a análise de seu paciente quando chegou a um ponto em que o sujeito parou de progredir no tratamento devido à resistência. O paciente não se via mais implicado no tratamento de modo a esclarecer a neurose de sua infância, na qual se situava a origem de sua doença posterior e, segundo Freud, o paciente considerava seu estado atual altamente confortável, mostrando-se desinteressado pelo fim do tratamento.

A solução dada por Freud para vencer a resistência do paciente foi a de fixar um limite de tempo para o tratamento, marcando o fim de sua análise. Nessa nova condição, não importaria o que o paciente produziria no tempo que ainda restava. Assim que o paciente convenceu-se de que era sério o que Freud havia estabelecido, suas resistências foram enfraquecidas e o paciente pôs-se a fazer seu trabalho psíquico, reproduzindo lembranças e fazendo associações de modo a possibilitar a compreensão de sua doença primitiva.

O método de Freud foi tão eficaz que ele passou a empregá-lo em sua rotina profissional. Mas Freud é enfático quando se refere à fixação de um limite de tempo de análise: “é eficaz desde que se acerte com o tempo correto para ele [para o paciente] 11 (FREUD, 1974 [1937], v. XXIII, p. 250). Isso significa dizer que o limite de tempo não deve ser determinado de forma indiscriminada. Não se trata de fixar o tempo do tratamento dos pacientes de forma generalizada, mas de obedecer aos critérios relacionados à análise de cada sujeito, pois é certo que o tempo é um fator que diz da subjetividade de cada um.

Freud adverte que, embora a pressão sobre o paciente (com a fixação do limite de tempo) libere parte do material psíquico, outra parte permanecerá intocada uma vez que não

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se pode voltar atrás quando o limite do tempo é fixado. Nesse caso, o encaminhamento do paciente para outro analista seria a saída mais adequada. Entretanto, essa mudança acarretaria “nova perda de tempo e o abandono dos frutos do trabalho já realizado” (FREUD, 1974 [1937], v. XXIII, p. 250).

A discussão acerca da diminuição do tempo do tratamento psicanalítico levou Freud a questionar o que seria o término de uma análise:

Uma análise termina quando analista e paciente deixam de encontrar-se para a sessão analítica. [...] quando [...] o paciente não mais esteja sofrendo de seus sintomas [...] ansiedades e inibições; [...] que foram vencidas tantas resistências internas, que não há necessidade de temer uma repetição do processo patológico [...].

O outro significado do ‘término’ de uma análise é [...] como se fosse possível [...] chegar a um nível de normalidade psíquica absoluta [...] como se, talvez, tivéssemos alcançado êxito em solucionar todas as repressões do paciente [...] (FREUD, 1974 [1937], v. XXIII, p. 250-251).

Freud faz menção às idéias extremamente otimistas e ambiciosas de que seria possível livrar-se de um conflito pulsional de forma definitiva e eterna, bem como o analista poderia “vacinar” seu paciente contra futuros conflitos do mesmo tipo e, ainda, que poderia ser feito um trabalho de prevenção que consistiria em despertar um conflito patogênico ainda não desencadeado para poder tratá-lo. Além de ser uma atitude incoerente, esta apenas prolongaria o tratamento e o tornaria mais complicado.

O interesse desta dissertação não está voltado ao término da análise, mas importa sim a discussão em torno da duração do tratamento, porque, ao que parece, Lacan (1998) estende a conduta de Freud (1974 [1937]) em relação à delimitação do tempo do tratamento ao tempo da sessão psicanalítica. Ou seja, assim como Freud delimita o tempo para desfazer a resistência e colocar o sujeito a trabalhar psiquicamente, da mesma forma Lacan age em relação ao tempo da sessão quando efetua um corte, possibilitando uma nova significação. Essa idéia será desenvolvida no terceiro capítulo.

Freud faz menção às perguntas insistentes dos pacientes no início do tratamento: “‘Quanto tempo durará o tratamento? De quanto tempo o senhor precisará para aliviar-me de meu problema?’” (FREUD, 1974 [1913], v. XII, p. 169). A resposta de Freud apóia-se na fábula de Esopo: “Quando o caminhante perguntou quanto tempo teria de jornada, o Filósofo simplesmente respondeu ‘Caminha!’” (FREUD, 1974 [1913], v. XII, p. 169), justificando sua resposta com a necessidade de saber a medida da passada do caminhante antes de poder falar sobre a duração da viagem. Embora essa solução seja adequada no início, Freud considera não

ser uma boa comparação, porque “o neurótico pode facilmente alterar o passo e, às vezes, fazer apenas progresso muito lento. Na verdade, a pergunta relativa à duração provável de um tratamento é quase irrespondível” (FREUD, 1974 [1913], v. XII, p. 170).

Freud ressalta as expectativas absurdas em relação à psicanálise tanto por parte dos pacientes devido à falta de compreensão da técnica, quanto dos médicos, pois se espera que a psicanálise atenda às solicitações sem limite e o quanto antes. Eis um exemplo que retrata bem a situação: é um caso de uma candidata à paciente de Freud, que morava na Rússia e lhe enviou uma carta:

Ela conta 53 anos de idade, sua doença começou há 23 anos e, durante os últimos dez anos, não pôde mais fazer qualquer trabalho continuado. ‘O tratamento em várias instituições para casos nervosos’ não conseguiu tornar- lhe possível uma ‘vida ativa’. Ela espera ser completamente curada pela psicanálise, sobre a qual leu, mas sua enfermidade já custou à família tanto dinheiro que ela não pode conseguir vir a Viena por mais de seis semanas ou dois meses. Outra dificuldade a acrescentar é que deseja, desde o início, ‘explicar-se’, apenas por escrito, visto que qualquer exame de seus complexos causar-lhe-ia uma explosão de sentimento ou ‘torná-la-ia temporariamente incapaz de falar’ (FREUD, 1974 [1913], v. XII, p. 170).

Não é à toa que Freud diz que quando o assunto é neurose, as pessoas tendem a esquecer que existe uma proporção entre tempo, trabalho e sucesso. Como é possível fazer um tratamento psicanalítico sem que a paciente disponha-se a falar a respeito do que lhe aflige, se é exatamente por meio da fala que uma cura é possível? Haveria muito mais a questionar, mas não cabe aqui estender essa discussão. Como Freud menciona, essa conduta diz do total desconhecimento acerca da etiologia das neuroses.

A preocupação com o tempo leva os pacientes a traçarem uma escala de prioridade na remoção de seus sintomas “‘Se apenas o senhor me aliviasse deste (uma dor de cabeça ou um medo específico, por exemplo), eu poderia lidar com o outro sozinho, em minha vida normal.’” (FREUD, 1974 [1913], v. XII, p. 172). Como se fosse possível à psicanálise selecionar o material a ser tratado. Embora o analista possa realizar mudanças significativas na neurose do sujeito, ele não tem como determinar a priori os resultados que serão alcançados, porque o que o analista faz é colocar em movimento, um processo; “Ele coloca em movimento [...] o processo de solucionamento das repressões existentes” (FREUD, 1974 [1913], v. XII, p. 172) e, para isso, procura suspender as resistências do sujeito. Mas quando o processo analítico é iniciado, ele segue seu próprio caminho e não há como interferir no seu curso no sentido de definir a direção tomada ou a ordem do material a ser tratado.

psíquicos não apenas condicionam outros como persistem com a ajuda de outros sintomas. Por isso, Freud diz que se fosse possível atender ao desejo do paciente de libertá-lo de determinado sintoma considerado como insuportável, logo outro sintoma que antes não incomodava tanto se tornaria insuportável também. Mas a psicanálise não tem esse poder seletivo. O que é tratado é a neurose do paciente e não seus sintomas de forma individualizada. A esse respeito Freud diz:

O poder do analista sobre os sintomas da doença pode, assim, ser comparado à potência sexual masculina. Um homem pode, é verdade, gerar uma criança inteira, mas mesmo o homem mais forte não pode criar no organismo feminino só uma cabeça, ou um braço, ou uma perna; não pode sequer determinar de antemão o sexo da criança (FREUD, 1974 [1913], v. XII, p. 172).

Então, há que se ter em mente que o processo analítico está completamente desvinculado do querer seletivo do analisante ou do analista. Não se trata de eliminar um sintoma, mas de poder situá-lo na história do sujeito, de saber no quê o sintoma se sustenta e que função ele desempenha. Por isso, a Psicanálise freudiana propõe que o percurso de uma análise seja realizado aos moldes de uma construção, na qual analisante e analista possam trabalhar em conjunto.

Em Construções em Análise (1974 [1937]), Freud compara a tarefa do analista com a do arqueólogo, o qual trabalha na escavação de um antigo edifício destruído e soterrado. O arqueólogo refaz a construção partindo de suas deduções, isto é, ele “ergue as paredes do prédio a partir dos alicerces que permaneceram de pé, determina o número e a posição das colunas pelas depressões no chão...” (FREUD, 1974 [1937], v. XXIII, p. 293). O analista age da mesma forma quando tira suas conclusões a partir das lembranças, associações e comportamento do analisante.

No entanto, as condições de trabalho do psicanalista são mais favoráveis do que as do arqueólogo porque, como diz Freud (1974 [1937]), não há material que corresponda às repetições do paciente datadas da infância primitiva e de tudo que o fenômeno da transferência sinaliza relacionado a essas repetições. Além disso, o escavador trabalha com materiais destruídos, dos quais se supõe a perda de partes importantes e que, por mais que o arqueólogo se empenhe em descobrir a forma original, o resultado final de seu trabalho será sempre uma probabilidade. Já o psicanalista, que visa à recuperação da história de seu paciente, dispõe de materiais preservados e presentes, embora nem tudo esteja acessível ao analisante e requeira muito trabalho e tempo para desenterrar. Mas a maior diferença é que

“para o arqueólogo, a reconstrução é o objetivo e o final de seus esforços, ao passo que, para o analista, a construção constitui apenas um trabalho preliminar” (FREUD, 1974 [1937], v. XXIII, p. 294). Assim, a cada fragmento colocado na construção, o analista comunica ao analisante e espera o resultado.

Vale destacar que, nesta reconstrução que o analista realiza com o analisante, o fator temporal é essencial, posto que durante a “escavação”, em que são procurados os materiais não acessíveis à consciência, não há uma sequência temporal linear. Quando se trata de psicanálise, a lógica seguida é a do inconsciente que, como já mencionado, é atemporal. Então, a atemporalidade do inconsciente que é atualizado na fala do analisante é que determina os caminhos da busca. Os “lugares” a serem escavados são constitutivos de determinada época e o acesso a esses “lugares” não é alcançado a partir de uma linearidade, mas de tempos não lineares, nos quais o desejo e a realidade divergem.

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