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2. A EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

2.3. A educação e o exercício da cidadania

Hoje, praticamente, inexiste no mundo um país que não garanta, em seu texto constitucional, o direito à educação. Afinal de contas, a educação escolar é a dimensão em que se funda a cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas

29 O artigo 13, inciso I, do Decreto 561, de 6 de julho de 1992, assim aduz: “os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

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que visem uma democracia participativa e, inclusive, para reinserção no mundo profissional.

Assim sendo, é importante ressaltar que a história do direito à educação se assemelha à luta por uma legislação protetora dos trabalhadores da indústria nascente, haja vista que, em ambos os casos, foi no século XIX que se firmaram as bases dos direitos sociais como integrantes da cidadania30.

No final do século XIX verifica-se que, na experiência europeia, o ensino primário era gratuito e obrigatório. A obrigatoriedade se apresentava como exceção ao princípio do laissez-faire, assim como era justificada no sentido de a sociedade dever-ser capaz de produzir pessoas minimamente maduras, estabelecendo eleitorado instruído e trabalhadores qualificados (CURY, 2002, p. 250).

Neste sentido, Thomas Marshall (1967), aludindo ao pensamento do economista liberal neoclássico Alfred Marshall, afirma que:

…o Estado teria de fazer algum uso de sua força de coerção, caso seus ideais devessem ser realizados. Deve obrigar as crianças a freqüentarem a escola porque o ignorante não pode apreciar e, portanto, escolher livremente as boas coisas que diferenciam a vida de cavalheiros daquela das classes operárias. […] Ele reconheceu somente um direito incontestável, o direito de as crianças serem educadas, e neste único caso ele aprovou o uso de poderes coercivos pelo Estado… (CURY apud MARSHALL, 2002, p. 250).

Desse modo, é possível afirmar que mesmo o Estado Liberal do século XIX aceitava a intervenção do Estado em matéria de educação, isto porque a educação da população se mostrava como importante instrumento para a concretização dos ideais de cidadania, evitando-se a completa degeneração da massa do povo por conta da divisão do trabalho (CURY, 2002, p. 252).

Em complementação, Carlos Cury (2002, p. 252-253) aduz que:

30 De acordo com Cury (2002, p. 249): “uma análise magistral que invoca a trajetória dos direitos, seja para classificá-los, seja para mostrar sua progressiva evolução, é aquela oferecida por um célebre texto de Thomas Marshall (1967). Ele se debruça sobre a experiência da Inglaterra e a partir daí diferencia os direitos e os classifica por períodos. Desse modo, os direitos civis se estabeleceriam no século XVIII, os políticos, no século XIX, e os sociais, no século XX. [...]”.

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Na verdade, para as classes dirigentes européias, colocar o Estado como provedor de determinados bens próprios da cidadania, como a educação primária e a assistência social, representava a necessidade da passagem progressiva da autoproteção contra calamidades e incertezas para a solução coletiva de problemas sociais. Para contar com as classes populares no sentido da solução de muitos problemas, não era mais possível nem deixar de satisfazer algumas de suas exigências e nem ser um privilégio, o que, a rigor, era direito de todos e não só de uma minoria.

Além disto, o direito social à educação constituía-se em notório instrumento de participação na vida econômica, social e política, tendo em vista que a educação se apresentava como bandeira de luta de vários partidos. Thompson (1987), como exemplo, ao descrever um movimento societário a favor dos direitos do homem, leciona que na defesa destes se incluíam “um direito à parcela do produto... proporcional aos lucros do patrão e o direito à educação, pela qual o filho do trabalhador poderia ascender ao nível mais elevado da sociedade” (CURY apud THOMPSON, 2002, p. 253).

Assim, seja por motivos políticos ou por motivos ligados ao indivíduo, a educação era tida como uma via de acesso aos bens sociais e à luta política, assim como um caminho de emancipação do indivíduo face à ignorância.

Neste sentido, a amplitude da educação é reconhecida por abarcar todas as dimensões do ser humano – o singulus, o civis e o socius-, conforme explica Carlos Cury (2002, p. 254):

O singulus, por pertencer ao indivíduo como tal, o civis, por envolver a participação nos destinos de sua comunidade, e o socius, por significar a igualdade básica entre todos os homens. Essa conjunção dos três direitos na educação escolar será uma das características do século XX.

Conforme mencionado, o direito à educação foi sendo concretizado por motivos civis e políticos, de forma que o Estado garantia esse direito (público e gratuito) com o objetivo de amenizar as desigualdades já existentes na sociedade, diminuindo o risco destas se tornarem novas modalidades de privilégios.

Por isto, muitos países, como a França, reconheceram a educação como direito público gratuito, inserindo-a dentro do princípio da laicidade. Dessa forma, as lutas pela laicidade e por governos civis integrados e dependentes do contrato social, vale afirmar, constituem oportunidade para que a escola pública se

apresentasse como autêntico instrumento de apoio à construção da nacionalidade e via de acesso ao sistema eleitoral.