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A Educação Física na Escola e seu papel na Saúde

No documento Educação e Saúde no Contexto Escolar (páginas 113-126)

Daniela Lopes dos Santos

A relação entre o exercício físico e a saúde não é nem um pouco recente. Datam de 2800 a.C. as primeiras referências escritas sobre o uso de exercício físico para diminuir problemas respiratórios.

Hipócrates, no século III a.C. na Grécia Antiga, já falava da importância da alimentação e do exercício físico para evitar doenças, demonstrada na coleção de seus livros denominada Corpus Hippocraticum. Galeno, no século II a.C., já discutia o papel do exercícios físicos na saúde geral das pessoas e escreveu diversos tratados nos quais, entre outros tópicos, relacionava os benefícios da prática de exercícios físicos para a saúde e os efeitos deletérios de uma vida sedentária. É sabido, ainda, que uma enorme parte do corpo humano é constituída de ossos e músculos, ou seja, é basicamente estruturado para o movimento. E convenhamos, o homem sempre foi muito ativo, seja para sobreviver, através das lutas e da caça, seja para se comunicar, pois a informação era levada a pé ou a cavalo, para se deslocar e até mesmo para se reproduzir.

Assim, da mesma forma, a relação entre a Educação Física e a saúde não é nem um pouco recente. Até porque, o objeto de estudo da Educação Física é o movimento humano, o exercício físico. Desde o período em que a Educação Física escolar tinha uma forte influência militarista, já havia o aspecto ligado à saúde, através de um

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pensamento higienista. Hoje em dia, é evidente a influência médica sobre a Educação Física, pois são de senso comum os efeitos benéficos da prática regular de exercícios físicos na manutenção da saúde e da qualidade de vida.

Vários são os estudos, papers, dissertações, teses e artigos que discutem e demonstram a importância do exercício físico para a saúde de forma geral. Nos dias atuais aumenta vertiginosamente a prevalência e a incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) na população mundial, estimando-se que em 2007 no Brasil, em torno de 72% de todas as mortes tenham sido atribuídas a estas (SCHMIDT et al., 2012). Em 2009, a Organização Mundial da Saúde identificou a inatividade física como o quarto fator de risco para DCNT, contribuindo para, em torno de, 3 milhões de mortes preveníveis (WHO, 2009). Além disso, já são claras as evidências científicas que demonstram ser o estilo de vida sedentário um dos principais agravantes nas mortes e sequelas provenientes das DCNT (DAS e HORTON, 2012).

A prática regular de exercícios físicos e o estilo de vida ativo previnem o aparecimento de várias das doenças de maior prevalência na sociedade contemporânea, tais como a hipertensão arterial sistêmica (BENEDET e DEL DUCA, 2011; MILLAR et al., 2013), doença coronariana e aterosclerose (FARPOUR-LAMBERT et al., 2009; BENEDET e COSTA, 2011), diabetes mellitus tipo 2 (DEL DUCA e RIBEIRO, 2011; SIBAI et al., 2013), obesidade (SABIA et al., 2004; MATHUNJWA et al., 2013), muitos tipos de câncer (SPINOLA et al., 2007; SILVA e FARES, 2011), osteoporose

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(WILHELM et al., 2012), doenças respiratórias (MENDES et al., 2010) e doenças afetivas como depressão e ansiedade (ZSCHUCKE et al., 2013).

Então, pode-se dizer que não há mais como se almejar uma boa saúde com qualidade de vida, sem incluir a prática regular de exercícios físicos nas estratégias a serem adotadas. Entretanto, de nada adianta se investir na prevenção de doenças e preservação de uma boa saúde apenas na vida adulta, quando várias doenças já estão estabelecidas, não havendo grandes chances de recuperação, em muitos casos. Grande parte das DCNT começam a se estabelecer ainda na infância, justamente pelo estilo de vida inadequado. Vários estudos tem relacionado o sedentarismo na infância ao desenvolvimento precoce de dislipidemias (LUNARDI et al., 2010; FERNANDES et al., 2011), obesidade (TERRES et al., 2006; TEIXEIRA et al., 2010) e hipertensão (SILVA et al., 2008; FLYNN, 2013).

É ainda na infância que começa a adoção de um determinado estilo de vida e consequentemente, a prevenção de doenças. É na infância que adquire-se bons e maus hábitos. É na infância que determinam-se os valores que se quer para a toda a vida. Entretanto, as crianças de hoje tem muito menos oportunidades de serem ativas, de forma segura e independente, especialmente em grandes cidades, bastante urbanizadas, de países desenvolvidos ou em desenvolvimento (RIBEIRO et al., 2010). A falta de segurança nas ruas, o pouco tempo de lazer numa sociedade que prioriza a produção e a ausência de espaços públicos como praças, parques, ciclovias e centros desportivos, só pioram este quadro.

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O estilo de vida sedentário, caracterizado por um grande número de horas em frente à televisão e computador, é o que mais se evidencia atualmente entre crianças e jovens. Existem dados alarmantes através dos quais se estimou que 66% dos meninos e 68%

das meninas de 40 países estudados, com idade entre 13 e 15 anos, passam duas horas ou mais de seu dia assistindo televisão (HALLAL et al., 2012). Guthold et al. (2010) ao analisarem o comportamento sedentário de estudantes de 34 países, verificaram que em metade destes, um terço ou mais das crianças passavam três horas ou mais do seu dia em comportamentos sedentários. No Brasil, Cureau et al.

(2012) observaram níveis insuficientes de atividade física em 33% dos adolescentes estudados em Santa Maria-RS e Hallal et al. (2006) verificaram, em um estudo de coorte em Pelotas-RS, uma prevalência de estilo de vida sedentário em 58% dos adolescentes estudados.

Martins et al. (2012) estudaram o comportamento sedentário de adolescentes da região nordeste do Brasil e concluíram que 73%

destes passavam mais de duas horas assistindo televisão. Portanto, é evidente a necessidade de mudança de paradigma junto às crianças e adolescentes, sob pena de ter-se, em um futuro próximo, uma altíssima prevalência de adultos e idosos doentes.

Então surge a pergunta: como ensinar a um maior número de crianças e adolescentes os benefícios do estilo de vida ativo? Como torná-los mais ativos? E aí aparece o papel da Educação Física Escolar na saúde. As crianças e adolescentes estão (ao menos deveriam estar) na sua grande maioria, nas escolas. Muitas vezes é lá que aprendem que devem escovar os dentes, tomar banho, comer frutas e verduras,

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jogar o lixo no lixo, poupar água e cuidar da natureza. Então, é lá também, que devem aprender que precisam adotar um estilo de vida ativo, praticar exercícios físicos regularmente, se alimentar adequadamente para que possam se tornar adultos saudáveis e felizes.

Várias iniciativas em escolas, como intervenções para o aumento da atividade física, tem conseguido resultados interessantes mundo afora. A escola tem o ambiente ideal para a mudança comportamental, independente do nível sócio econômico e da atitude da família em relação a um estilo de vida ativo. É claro que os pais tem um importante papel no modo como seus filhos lidam com a questão da atividade física, entretanto, estratégias para a mudança de hábitos e estilo de vida parecem ter mais sucesso e serem mais baratas quando realizadas na escola, especialmente cedo, ainda na infância (ZAHNER et al., 2006). Algumas destas estratégias incluem uso de métodos motivacionais como o estudo realizado em Sydney, Austrália, no qual os autores procuraram atingir professores e estudantes através da Teoria da Autodeterminação e conseguiram observar aumento da atividade física vigorosa e diminuição do tempo em comportamento sedentário (ROSENKRANZ et al., 2012).

Entretanto, a maior parte das iniciativas nas escolas envolvem mudanças bastante simples como, por exemplo, fornecimento constante de informações sobre os benefícios e a importância da saúde e de um estilo de vida ativo, uso de atividades física adequadas e divertidas para cada grupo etário, planejamento adequado e eficiente das aulas de educação física vinculando-a a outras disciplinas como ciências e biologia, realização de aulas em ambientes específicos para

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tal, maior número de aulas de educação física por semana, uso de materiais variados nas aulas e proposição de atividades adaptadas ao grupo de acordo com o status cultural, étnico e sócio econômico (RIBEIRO et al., 2010).

Em meta-análise que considerou estudos publicados entre 2007 e 2011 sobre programas desenvolvidos nas escolas com o objetivo de aumentar o nível de atividade física dos estudantes, Dobbins et al.

(2013) concluíram que, na maior parte dos estudos, houve impacto positivo sobre o estilo de vida dos estudantes sujeitos dos programas, destacando como principais consequências, o aumento da duração e intensidade da atividade física geral, a diminuição do tempo em frente a televisão e computador, aumento do consumo máximo de Oxigênio, indicando melhor aptidão física e regularização do perfil lipídico com a diminuição do colesterol total. Isso significa que é possível reverter os altos índices de sedentarismo verificados entre nossas crianças e jovens.

Como a Educação Física trata do movimento corporal, dos esportes, dos exercícios físicos, é seu papel discutir e demonstrar às crianças e adolescentes, juntamente com outras disciplinas escolares como ciências, a importância do exercício físico para a saúde, desenvolvendo nestes o gosto pelas práticas corporais. Assim, com um investimento bastante barato, comparado à outras estratégias, tais como tratamentos caros para doenças completamente viáveis de prevenção, teríamos uma população muito mais saudável, com menor gasto de dinheiro público com medicações e tratamentos médicos dispendiosos. Crianças conscientes e saudáveis serão adultos menos

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doentes e muito mais aptos para enfrentar as atividades inerentes ao dia-a-dia. Até mesmo a função cognitiva de crianças, incluindo aprendizagem e memória, parece ser melhorada, justamente pela atividade física praticada na escola (ANDERSEN e HUANG, 2012).

E quem melhor que o professor de Educação Física da escola, que pelas próprias características das aulas se torna muito próximo de seus alunos, para fazer esta abordagem?

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125 PARTE 2

DIFERENTES EXPERIÊNCIAS DE ABORDAGEM DO TEMA SAÚDE NA ESCOLA

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O trato pedagógico da saúde na escola: a experiência do

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