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A eficiência econômica como justificativa para as posições de dominação

4 A NORMA REGULADORA DO ANTITRUSTE NO DIREITO

4.2 A eficiência econômica como justificativa para as posições de dominação

À essa altura, faz-se necessário apresentar algumas considerações sobre a ideia que permeia a Resolução CADE n° 20/1999 e a Portaria Conjunta SEAE/SDE n° 50/2001 no sentido de que alguns efeitos negativos decorrentes das posições de dominação de mercado podem ser aceitos se os efeitos positivos lhes forem superiores. Então a política antitruste é permissiva com relação a alguns atos anticoncorrenciais?

Ainda que, no sentido jurídico, a dominação de mercado signifique limitação ou eliminação da concorrência, não será sempre que o ordenamento jurídico a considerará um ilícito.185 Haverá situações em que essas limitações tomarão a forma de princípio que

equivale, ou mesmo se sobrepõe, ao próprio princípio concorrencial.186

Conforme já salientado acima, a eficiência econômica ergue-se como a única excludente de ilicitude expressamente admitida pela Lei Antitruste, fazendo-o por meio do art. 37, §1°, da Lei n° 12.529/2011, nos seguintes termos: “A conquista de mercado resultante

185 Existem, inclusive, situações de eliminação da concorrência que são decorrentes da própria lei, como no caso

dos chamados “monopólios legais” ou de concessão de patentes.

186 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (Princípios e fundamentos jurídicos). 2.

de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo”. Em outras palavras, somente será admitida a conquista ou dominação de mercado se esse fenômeno decorrer de melhor desempenho econômico.

Na verdade, é oportuno salientar que a concepção em relação ao campo de aplicação da eficiência econômica no direito antitruste não foi sempre a mesma. Evoluiu à medida em que as doutrinas concorrenciais também amadureciam. Conforme relatado anteriormente, a Escola de Chicago ergueu a eficiência ao posto de principal objetivo do direito antitruste, havendo posteriormente recebido os ataques de nova corrente doutrinária que defendia que a eficiência não poderia ser recepcionada com esse status.

Na realidade, é importante ficar claro que o próprio significado da ideia de eficiência transmudou-se ao longo do tempo. Em sua concepção neoclássica, era identificada com a ideia de maximização da riqueza global da sociedade, passando posteriormente a assumir uma concepção redistributiva, pela qual a eficiência estaria presente quando os ganhos líquidos de escala fossem compartilhados com os consumidores. E como esse fenômeno aconteceria? Justamente com a preservação da instituição concorrência, ou, melhor, segundo o magistério de Calixto Salomão Filho, acontece “sempre que o lucro extraordinário do agente econômico for limitado pela existência de concorrentes – efetivos ou potenciais – prontos e ansiosos por arrebatar-lhe fatias do mercado.”187

Nesse tocante, e já contextualizando com o direito antitruste brasileiro, é interessante pontuar, ainda, que a eficiência é valorada de forma distinta no controle das condutas e no controle de estruturas. Ao passo que o art. 88 da Lei n° 12.529/2011, ao regular o controle de estruturas, coloca a eficiência como apenas mais um dos elementos que justificam o ato de concentração, o art. 36, §1°, estabelece uma excludente de ilicitude para os casos em que a dominação de mercado decorre naturalmente da maior eficiência de um agente econômico diante de seus concorrentes.

Ao que parece, o controle de estruturas exige uma concepção de eficiência mais ampla do que a exigida no controle de condutas, recepcionando o que se costuma chamar de justificativas concorrenciais e extraconcorrenciais, ou seja, justificativas que permitem autorizar um ato de concentração econômica mesmo quando estão demonstrados seus efeitos anticoncorrenciais. Em outras palavras, o controle de estruturas no Brasil utiliza o conceito

187 SALOMÃO FILHO, 2013, p. 446.

clássico de eficiência, qual seja, o de melhoria das técnicas e escalas produtivas, de forma a reduzir os custos e compensar os efeitos negativos de uma situação de dominação de mercado. No controle de condutas, o crescimento interno baseado na maior eficiência econômica tem, na realidade, um efeito pro-concorrencial. Na verdade, a conquista de mercado será eficiente justamente porque se concretizou sem que produzisse um efeito anticoncorrencial. Nesse sentido, Calixto Salomão Filho sustenta que:

para que a defesa da eficiência seja aceitável no campo das condutas é necessário demonstrar que o referido ato não pode prejudicar, mas, sim, estimular ou favorecer a livre concorrência. Em termos jurídicos, pode-se dizer que a eficiência em matéria de condutas é mais um elemento que permite descaracterizar a materialidade do delito que propriamente uma justificativa para o ato anticoncorrencial.188

É ainda o mesmo autor que oferece um claro argumento no sentido de que, no que pertine à concepção da eficiência e das justificativas no controle de condutas, já se tem feito sentir uma forte tendência à adoção do princípio da eficiência distributiva. Para tanto, ele primeiramente analisa o que aconteceu na evolução da adoção dos chamados ancillary

restraints, ou restrições necessárias à obtenção de certos objetivos lícitos. Lembra que, apesar

de durante muito tempo haver-se defendido que esses objetivos lícitos não precisariam estar obrigatoriamente ligados a efeitos pró-concorrenciais, essa concepção foi modificada, fazendo-se presente, hoje, a necessidade de demonstrar a ausência de efeito anticoncorrencial. Cita, nesse sentido, as experiências europeia e estadunidense:

Como destaca P. Manzini, essa necessidade é bem sensível nas decisões da Corte CEE (UE), que mesmo quando utiliza expressamente a teoria dos ancillary restraints acaba por tentar demonstrar, em outras passagens, que não há efeito anticoncorrencial [...]. Nos Estados Unidos da América a mudança jurisprudencial se faz sentir de forma mais direta. É verdade que isso se deu não através de uma modificação da teoria do ancillary restraints, mas de sua ampliação para atingir casos em que as restrições à concorrência são objetivos secundários em relação ao objetivo de melhorar a troca de informações entre concorrentes, melhorando, assim, as condições de comercialização, distribuição e concorrência, em benefício do consumidor. Nesse caso, decisiva para a verificação da licitude é a situação de poder no mercado. Se a concentração do mercado indicar que a troca de informações cria o risco de levar à formação de cartéis, a prática é considerada ilícita [...].189 Daí porque, na Europa, foi criada uma nova regra da razão que vem sendo chamada de “teoria do balanço concorrencial”, segundo a qual, a análise da razoabilidade a ser feita restringe-se à verificação da existência de efeitos necessariamente pró-concorrenciais que superem os anticoncorrenciais.

188 SALOMÃO FILHO, 2013, p. 449.

A bem da verdade, o que se vê é que a teoria do balanço concorrencial adota um conceito de eficiência distributiva, que se preocupa com o consumidor, à medida em que defende como imprescindível a preservação da concorrência. Não basta que se criem eficiência produtivas benéficas; é necessário que estas sejam divididas com o consumidor, e, conforme reflexão esposada anteriormente, atribuída a Calixto Salomão Filho, a única forma de constranger os agentes econômicos a dividir com o consumidor as vantagens da eficiência produtiva é garantindo que aqueles estejam sempre submetidos ao risco de perda de mercado, o que ocorre quando se tem preservada a concorrência.