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2.2 Conceito de infância ao longo da história

2.2.1 A emergência do conceito infância

Para compreender os aspectos relativos à infância, é interessante que se faça um apanhado sobre como eram vistas as crianças e sobre como elas são consideradas atualmente. É possível afirmar, a partir da leitura de Ariès (1978), que a infância nem sempre existiu. Este autor defende que a infância é uma invenção da modernidade, uma categoria social construída recentemente. A infância e esse sentimento em relação às crianças tiveram seu apogeu a partir do século XIX, tendo sido construídos paulatinamente, nos fins da Idade Média no Ocidente. Antes, as crianças eram percebidas como adultos em miniatura, só recebiam cuidados especiais em seus primeiros anos de vida; depois dos três anos as crianças já passavam a participar das mesmas atividades que os adultos, inclusive atividades como orgias, trabalhos forçados, enforcamentos públicos e eram, para nossos olhares modernos, alvos de atrocidades, ou seja, não havia diferenciação entre adultos e crianças.

Em seu livro História Social da Criança e da Família, Ariès (1978) faz considerações importantes para a compreensão da transformação da ideia de infância. No Medievo Europeu, a duração da infância era muito breve e reduzida ao período em que a criança não conseguia dar conta de si mesma. Quando a criança adquiria capacidade física, logo se misturava com os adultos. Não havia um período de juventude, deixava de ser criança e já passava a ser adulta. A socialização da criança não era assegurada pela família, nem tampouco controlada; a criança se afastava logo de seus pais e sua aprendizagem era garantida por conta da convivência com adultos que lhe ensinavam o que deveria ser feito. Era comum, inclusive, que depois dos primeiros anos, a criança passasse a viver em outra casa. O autor defende que famílias extensas de várias gerações não eram comuns nesse período. A família não tinha, portanto, uma função afetiva.

[...] importância do século XVII na evolução dos temas da primeira infância. Foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi também nesse século que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança que se tornou o centro da composição. (ARIÈS, 1978, p. 28)

A partir dos estudos de Nascimento et al (2008) é importante assinalar que o conceito de infância se trata de uma construção social. Para os autores houve uma demora para que as Ciências Sociais e Humanas utilizassem a infância como objeto de estudo e pesquisa, e demorou ainda mais tempo para que essas pesquisas correlacionassem os seguintes temas: sociedade, infância e escola. Utilizar esses temas é algo novo e vem se tentando, atualmente, entender o processo de construção social da infância.

Nascimento et al (2008) afirmam que analisando as produções existentes sobre história da infância é possível constatar que a preocupação com a criança vai estar presente a partir do século XIX, no Brasil e em outros países. Mesmo com essa preocupação, não foi suficiente para tornar a infância um objeto de pesquisa. Foi apenas em 1960 na França e em 1962 nos Estados Unidos com a publicação do livro de Ariès (1978) que tem como título “H stór So l Cr nç F m l ” om pu l ç o “ Evoluç o In n ” De Mause (1991) que deram partida aos escritos sobre o tema.

A partir da leitura de Ariès (1978) é possível ressaltar que na sociedade medieval o sentimento de infância não existia como existe atualmente. Isso, porém, não quer dizer que as crianças eram abandonadas ou negligenciadas. Cabe lembrar que sentimento de infância não é o mesmo que afeição pelas crianças. Não havia a consciência de que a criança era distinta do adulto, portanto assim que a criança conseguisse viver sem precisar constantemente da mãe ou ama ela ingressava na sociedade dos adultos, não se distinguindo mais deles.

O autor afirma que essa sociedade medieval, aos nossos olhares modernos, pode parecer um tanto quanto pueril, visto que era composta por jovens e crianças de pouca idade. A criança que era muito pequena e frágil não contava como integrante da família, visto que poderia desaparecer ou falecer. Assim que esta superava esse período de alta mortalidade, era então confundida com os adultos.

Ariès (1978) assinala que a vida era praticamente igual para todas as idades, não existia muitos estágios e os que existiam não eram tão bem demarcados. Comparado com

t mpos tu s s r nç s t nh m m m nos “po r” o qu os ultos. É prováv l t m m que essas crianças de tempos medievais ficassem expostas à violência dos mais velhos. Eram poucas as crianças quem tinham poder social, como por exemplo: Luiz XVI, rei da França. Este era tratado como adulto por seus serviçais.

A partir da análise das artes da época, Ariès (1978) propõe diversos apontamentos sobre o lugar da criança na sociedade. Ele assinala que é a partir do século XVIII que estes sujeitos (crianças) antes inexistentes nos retratos de família, começam a aparecer como parte central do mundo familiar. Nascimento et al (2008) pontuam que a história posterior permitirá observar que a infância pagará um preço alto por essa novidade de ser o centro do mundo familiar, pois passará a ser tratada com incapacidade plena (social e jurídica), e irá se converter em objeto de proteção-repressão.

Ainda levando em consideração a arte da época, foi durante o século XVII que se tornou hábito pintar nos objetos e na mobília da casa datas solenes para a família proprietária st s. Fo n I M qu om çou s r mport n às “I s V ”. Com çou também a dividir-se as etapas da vida. É necessário destacar que apenas a partir da 4ª idade (que era a juventude dos 21 aos 45 anos) é que havia um reconhecimento social das pessoas. (ARIÈS, 1978).

Ariès (1978) afirma que a partir do final do século XVII mudanças consideráveis aconteceram, visto que a escola veio substituir a aprendizagem como o meio de educação, parando a criança então de conviver constantemente no mesmo ambiente que os adultos. Iniciou-se uma espécie de enclausuramento das crianças nas escolas. Aconteceu também um processo de moralização imposto pelos reformadores católicos e protestantes, o lugar prioritário da criança, especialmente as mais ricas, passa a ser a escola.

A partir da leitura do autor acima também se faz necessário reforçar que

A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia nos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII. Esse fato é confirmado pelo gosto manifestado na mesma época pelos hábitos e pelo jargão das crianças pequenas [...] as crianças receberam então novos nomes: bambins, pitchouns e fanfans. Os adultos interessaram-se também em registrar as expressões das crianças e em empregar seu vocabulário, ou seja, o vocabulário utilizado pelas amas quando estas lhes falavam. (ARIÈS, 1978, p.29)

Houve assim o surgimento de toda uma discursividade acerca da infância. Novos nomes: bambins, pitchouns e fanfans, bem como novos lugares, no seio da família e sobretudo a escola. Uma certa institucionalização da infância, que enquanto prática discursiva delega onde, como e por quem deve ser cuidada.