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A emergência da organização dos trabalhadores em educação no contexto

3 A GÊNESE DA ORGANIZAÇÃO DOCENTE NO BRASIL:

3.1 A emergência da organização dos trabalhadores em educação no contexto

No último quartel do século XIX, por volta de 1873, são criadas diversas associações de professores no universo da Corte, as quais visavam à defesa dos seus interesses profissionais. No período republicano, a partir de 1889, começam a se multiplicar entidades associativas representativas de professor por todo o país. De acordo com Erlando Rêses (2008, p. 69), em 1901, foi criada, em São Paulo, a Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo (ABPPSP).

Vale ressaltar que o associativismo no Brasil se organiza a partir de concepções nacionais e das de estrangeiros vindos do continente europeu que tiveram contato com estas organizações em seus respectivos países. Os imigrantes que chegaram para trabalhar, nos mais diversos ramos da produção e serviços, trouxeram, com suas experiências laborais, concepções de cunho anarquista e socialista para o campo associativo e sindical em meio à organização institucional do campo educacional do século XIX e início do século XX. Tal perspectiva política influenciou todo o tecido organizativo dos trabalhadores brasileiros no início do século XX.

No campo da organização coletiva docente, o professorado, em nível nacional, foi mobilizado por duas concepções principais, uma anarquista e outra de formulação de pensamento católico. É necessário alusão ao marco inicial à segunda metade do século XIX – no ano de 1870,2 período em que já se engendrava a organização da luta coletiva dos professores na Corte Imperial, no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco. A partir de então, nas três primeiras décadas do século XX, de acordo com Paula Vicentini e Rosario Lugli (2011, p. 175-176), passa-se a identificar um número significativo de associações de organização mutualista e um número restrito de sindicatos que lutavam pela organização dos docentes em diversas localidades do país (São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Distrito Federal), para defender os interesses coletivos, como a tentativa de influenciar no debate

2 Nesse período, de acordo com Daniel Lemos (2006, p. 133), surgem entidades de caráter variado,

beneficentes e de auxílio mútuo, de caráter mais corporativo ou de cunho científico, muitas vezes presentes em uma única organização.

sobre seu trabalho, saberes, práticas, valores e o próprio campo profissional, inclusive, financeiro.

No Maranhão, em 1912, de acordo com Robson Silva (2013, p. 212-213), surge a primeira entidade voltada para a representação do magistério, a Associação Pedagógica Almir Nina (APAN), que tinha um caráter corporativo-associativo e formativo-científico, essa iniciativa não obteve muito sucesso, principalmente em função de que os trabalhadores do magistério eram um número reduzido de 345 professores com grande parcela oriunda da classe dominante, e, portanto, com formação elitista nas escolas normais, essa formação elitista de caráter confessional estava mais ligada à formulação de pensamento católico do que anarquista.

Em 1920, a tentativa de reorganização de uma associação, no Congresso Pedagógico, demonstra que o magistério ainda buscava consolidar sua organização e dar perenidade ao funcionamento da associação, tendo em vista que o associativismo, como instrumento de luta política, ainda era algo novo para o magistério e, principalmente, para o maranhense. Robson Silva (2013, p. 103) destaca ainda que, embora a densidade docente por si só não tenha se traduzido em uma condição de organização associativa ou sindical – pois é necessário que ela esteja envolta em um projeto político e de consciência social questionadora da ordem –, ajudou na organização dos trabalhadores, na sua maioria docentes do ensino primário, pois a carreira estava mais estruturada.

No início do século XX, são criadas instituições de representatividade tanto em nível regional quanto em nível nacional. Em nível nacional, a Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em 1924, pretendia dar um caráter nacional a sua organização com a criação de seções em todos os estados, a exemplo disso, Levi Carneiro (presidente da ABE), de julho a outubro de 1925, viajou pelo país, buscando o apoio das diretorias de instrução pública de cada estado. Nesse instante de itinerância do presidente da ABE, foi registrada sua passagem no Maranhão. De acordo com Silva (2013, p. 120), surge então, no cenário associativo maranhense, o departamento local da ABE e, em nível local, é criada a Associação de Professores Normalistas do Maranhão (APNM).

Em 1926, no cenário nacional, é constituída a Confederação dos Professores do Brasil (CPB), que reunia professores do ensino secundário e tinha caráter anarquista e de organização mutualista.

Essas são as condições subjetivas e objetivas, importantes elementos para o desenvolvimento da organização docente, que ainda não estavam dadas no Maranhão, o que

não permitia uma visão de organização coletiva, em termos de números de docentes e em relação à sua própria formação elitista.

Observe-se que, no conjunto de transformações3 ocorridas na década de 1930, no Brasil, a incipiente classe média não tinha mais quadro para suprir a demanda de novos professores, recrutando-os agora nas classes populares. Assim, a partir de 1940, a maioria dos mestres passou a depender exclusivamente dos salários para sua sobrevivência, o que caracterizou a recomposição social da categoria, e, portanto, mudou a estrutura da sua organização social, política e reivindicativa.

O processo de industrialização se estruturou até 1945, houve assim aumento da densidade na mão de obra, e de diversificação da produção, especialização da produção, dentre outras mudanças. O comércio brasileiro tem um surto de desenvolvimento devido à Segunda Guerra Mundial, todavia as condições de trabalho não acompanharam em termos de melhoria. Nesse período, o sindicalismo se consolida. Embora o sindicalismo docente estivesse se estruturando, era ainda muito incipiente, em relação à organização dos demais trabalhadores, como os sindicatos operários. Segundo Vicentini e Lugli (2011, p. 178), o segmento do magistério secundário se amplia em função do crescimento do número de vagas no ensino médio nas redes particular e pública.

As associações foram responsáveis pela congregação dos diversos conjuntos diferenciados e múltiplos de indivíduos, segundo modelos e formas que variarão ao longo do tempo, mas também buscaram afirmação de classe. A esse respeito, Vicentini e Lugli (2011, p. 178-179) afirmam que a heterogeneidade da categoria resultou em diferentes representações acerca da profissão e da própria pauta de reivindicação do movimento docente.

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Os marcos que contextualizaram a ruptura decorrente da “Revolução” de 1930, que mudou o rumo do avanço da acumulação capitalista no país – redefiniu o papel do Estado na área econômica na direção nacionalista e intervencionista, com vistas a consolidar o polo urbano-industrial. A mudança do modelo capitalista agroexportador para o moderno modelo urbano-industrial visava ao desenvolvimento das forças produtivas, alterando a própria organização do trabalho e a própria formação da força de trabalho, voltada a disciplinar como condição necessária à aceleração do processo de industrialização, isto é, de reestruturação produtiva e mudança técnico-científica. Isto posto, de acordo com Paulo César de Souza Ignácio (2010, p. 142), a intensificação do capitalismo industrial no Brasil, ocorrida a partir da “Revolução” de 30 e a consequente complexificação da sociedade brasileira, acabou por determinar novas demandas no campo da educação, especialmente no campo da educação profissionalizante, trazendo modificações também nas próprias ações do Estado. Como consequência de tal processo, assevera Demerval Saviani (1998b, p. 57-58), são promovidas as reformas educacionais no referido período. Dentre estes ajustes, é importante destacar as chamadas reformas Francisco Campos e Capanema, levadas a efeito, respectivamente, em 1931/2 e em 1940 – essa última no auge da vigência do Estado Novo. A implementação de tais reformas buscavam garantir exatamente tal disciplinamento.

Quanto aos sindicatos docentes, alguns surgem entre 1930 e 1940, no entanto, como afirma Silva (2013, p. 103), a década de 1970 representou um momento áureo dessas organizações, foi o período em que eclodiram diversas greves e o magistério se engajava na luta mais geral pela democratização, desenvolvimento e igualdade social do país, que vivia sob a égide da ditadura civil-militar.

Na Primeira República, os docentes tinham uma formação elitista nas escolas normais, cuja clientela era representada pelas filhas dos fazendeiros, dos grandes negociantes, dos altos funcionários públicos e dos profissionais liberais bem-sucedidos. A organização docente, então, tinha caráter mutualista. Rêses (2008, p. 72) observa que o perfil mutualista, no período de 1901 a 1931, teve importante representatividade em estados pioneiros do sindicalismo docente da educação básica (RJ, SP, MG, PE e RS), os quais, embora apresentassem uma configuração social de característica reprodutivista que dificultava a constituição de sindicatos, representam o início da organização política docente no Brasil.

Entre 1930 e 1970, havia o controle social exercido pelo Estado. A partir de 1931, a Lei de Sindicalização, por exemplo, instituiu a proibição aos sindicatos de fazerem greve política, criar central sindical e se filiarem a organismos internacionais. O governo promove tal medida visando estabelecer interferência e controle dos sindicatos por meio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), criado em 26 de novembro de 1930 – o que caracteriza o Estado intervencionista.

Dal Rosso e Lúcio (2004, p. 118), ao lembrarem que existe um período de 50 anos que separa a construção sindical operária da organização sindical docente, desconsideram as associações anteriores aos sindicatos como organizações representativas das categorias docentes. Contudo, este estudo requer uma análise macro de toda a constituição da organização dos docentes, ou seja, é preciso fazer o levantamento histórico como forma didático-metodológica de apreensão do objeto de estudo na realidade.

Não por acaso, ao longo do século XX, em vários estados, surgem associações de professores públicos, primários e secundários. Desse estágio para a eclosão das primeiras greves, só faltava a inflação e um ambiente mais democrático, o que ocorreu depois da Ditadura Vargas, ou seja, a partir de 1946. Portanto, a profissionalização do magistério e a sua valorização salarial passaram a ser os aspectos mais visíveis da luta social dos docentes.

No entendimento do fenômeno educação inserido no contexto político e econômico, importa ressaltar que a revolução de 1930 carreou a política de substituição do liberalismo por uma política de intervenção do Estado na economia, marcando o fim da economia

agroexportadora cafeeira e a estruturação da industrialização do país. Portanto, o ano de 1930 é um marco no sindicalismo no Brasil.

É o momento em que o governo de Getúlio Vargas interveio na economia para promover a expansão industrial e sua nacionalização e exercer o controle sobre as instituições sindicais que seguiam a linha anarquista. Para tanto, cria o Ministério do Trabalho e da Indústria e, em seguida, em 1931, promulga a Lei de Sindicalização, permitindo aos sindicatos funcionarem livremente, desde que se adequassem às atribuições legais. Com essa medida, o governo Vargas lança as orientações para o sindicalismo do país, passando da característica de órgãos de luta da classe operária para colaboradores do Estado: o sindicato ficava proibido de fazer política, greve, criar central sindical e se filiar a organismos internacionais, o que vem a caracterizar o sindicato de Estado. O Decreto 19.770/1931, que regula a sindicalização das classes patronais e operárias, constituiu-se no instrumento utilizado para enquadrar o funcionamento dessas entidades, inclusive, negava o direito aos servidores públicos de sindicalização (BRASIL, 1931).

Em 1934, a Constituição institui, no artigo 122, a Justiça do Trabalho, assegurando a pluralidade e autonomia sindical (BRASIL, 1934). No entanto, em 4 de abril de 1935, é instituída a Lei de Segurança Nacional (BRASIL, 1935), que atinge direta, e principalmente, o movimento operário e o Partido Comunista Brasileiro (PCB). A partir desse instante, os sindicatos livres que restavam foram fechados, com execução de prisões das suas lideranças. Como forma de preparação do sindicalismo corporativo, tutelado pelo Estado e simpático aos empresários industriais, foi alterada a estrutura dos sindicatos, impondo um sindicato único, com a proibição dos sindicatos que não fossem o oficial.

Ao tempo da instituição do Estado Novo, a classe operária já vinha com força debilitada no que se refere a seu potencial reivindicatório e de luta sindical diante das medidas do governo de Vargas. Contudo, as medidas nesse instante aprofundaram a tutela do Estado sobre a organização política dos trabalhadores, por entender que as forças intermediárias entre o governo e as massas (Congresso dissolvido e sindicatos com ação limitada), refletiam na proibição dos trabalhadores de fazerem greve e de se organizarem livremente.

Os sindicatos se tornam, dessa forma, instrumentos sem expressão política, com permissão para agirem como entidades recreativas e assistencialistas: um fator desmobilizador da ação política combativa dos sindicatos. O princípio corporativista é uma expressão de controle social como forma de diluir a luta de classes na perspectiva centralizadora que negava a intermediação política – os sindicatos corporativistas tinham como função conciliar e harmonizar as classes sociais, isto é, os interesses antagônicos –, esta é uma forma de

cooptação dos trabalhadores para a ideologia trabalhista que tinha o intuito de dirimir as contradições entre capital e trabalho.

De acordo com Giannotti (2007, p. 126), em 1944, foi criado o Movimento Unitário dos Trabalhadores (MUT), que apareceu, abertamente, em 1945. Esse movimento estava organizado em 13 estados diferentes, teve a adesão de mais de 300 dirigentes sindicais. Entre suas reivindicações estava, por exemplo, a extensão das leis trabalhistas aos trabalhadores do campo, melhoria nas leis sociais, assistência social e liberdade sindical.

Dessa forma, o Estado varguista instaurava as bases para aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e o reconhecimento dos sindicatos pelo Estado era submetido à Comissão de Enquadramento Sindical (CES) do MTIC, o que caracterizava as organizações sindicais como instrumento controlado pelo Estado. Tal medida teve a intenção de combater o sindicato como instrumento de luta ideológica, extremista e revolucionária.

3.2 A organização dos trabalhadores em educação: do associativismo ao sindicalismo