• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3. Um empreendedor de políticas públicas em foco: perfil intelectual e

3.3 A emergência de um contexto político favorável à modernização do Estado

O empenho da Reforma do Estado da década de 199045 para promover a quebra do burocratismo, a descentralização administrativa e das políticas públicas e outros avanços institucionais, bem como alavancar mudanças na lógica míope predominante no serviço público civil representaram os esforços políticos do primeiro governo FHC (1995 – 1998) para tentar instalar um novo paradigma (BRESSER-PEREIRA, 1996) - a Administração Pública Gerencial -, numa ampla e complexa manobra político- institucional que tentou reconstruir o Estado brasileiro em novas e modernas bases, sintonizado com as prementes demandas daquele momento histórico. Em outras palavras, o esforço dirigia-se para “dotar o governo de maior capacidade para tornar efetivos seus propósitos por meio de políticas públicas, e aos cidadãos, maior controle das decisões e das ações do governo”. (CARDOSO, 1998: p.5)

Nesse sentido, para FHC, na condição de um chefe de Estado comprometido com a consolidação da democracia no Brasil, os movimentos reformistas empreendidos pelo seu governo deveriam estar em fina sintonia com o comprometimento democrático sem se descuidar das preocupações com o alargamento da cidadania, formatando assim o Estado que ele defende como sendo o “Estado necessário” aos novos tempos:

Fazem-se reformas para colocar o Estado no diapasão do tempo: para conviver com uma sociedade mais informada, que toma crescentemente as contas do governo; com uma economia mais dinâmica e empresarial, que requer um Estado mais competente para ser estimulada e, tanto quanto necessário, orientada; e com uma cidadania mais ativa e solidária, que deseja não apenas usufruir de seus direitos, mas encontrar espaços públicos nos quais possa exercer esses direitos. (CARDOSO, 1998. p.11)

       44

É importante mencionar também a passagem de Bresser Pereira (1963 a 1994) pelo setor privado, tendo ocupado o cargo de segundo executivo da empresa no Grupo Pão de Açúcar, liderado pelo empresário Abílio Diniz. (BRESSER-PEREIRA, 2004: p.518-519)

45

Esta seção não pretende explorar a agenda reformista praticada nos Governos FHC (1995 – 2002), pois nosso escopo analítico é restrito à análise do papel de Bresser Pereira como o empreendedor da Reforma Gerencial de 1995. Aqui, faremos somente uma análise curta, enfatizando apenas que a Reforma do Estado era uma prioridade para FHC. Para um estudo aprofundado sobre as reformas desse período, ver Abrucio e Loureiro (2002), Cardoso (2006) e especialmente a coletânea organizada por D’Incao e Martins (2010).

Enfim, para além da redemocratização do país e da participação ativa da sociedade civil, é nítido que um dos principais desafios atuais dos Estados que tiveram suas trajetórias históricas manchadas pelos vícios do patrimonialismo e do clientelismo, é buscar uma solução na necessária e urgente Reforma do aparelho de Estado capaz de equacionar velhas demandas modernizantes de modo a alavancar o desenvolvimento nacional, como defende Schwartzman:

O problema crucial dos Estados contemporâneos de origem burocrático-patrimonial é de como fazer a transição de uma estrutura ineficiente, pesada e embebida por um sistema de valores ultrapassado e conservador, para uma estrutura ágil, moderna e capaz de levar a efeito, finalmente, a passagem do subdesenvolvimento e atraso ao desenvolvimento e justiça. (1982: p. 10)

É justamente essa transição de um modelo rígido e de feições burocráticas para uma nova burocracia mais flexível, leve, descentralizada, e dotada de mecanismos regulatórios e também de transparência, plenamente adaptada aos novos tempos que FHC buscou promover com as medidas da Reforma do Estado. Nas palavras de Cardoso:

A Reforma do Estado requer também uma reforma da Gestão. Em vez da gestão burocrática, uma gestão algo mais gerencial. Isso requer treinamento da burocracia, carreiras de Estado, flexibilidade nas formas de pagamento e critérios de desempenho [...] Nas sociedades democráticas e de massas como a brasileira crescentemente será, o antigo Estado intervencionista e patrimonialista passou a ser um traje apertado. (1998: p.11)

Todavia, apesar de percebemos que o Presidente tinha também uma visão nítida de que uma Reforma administrativa do Estado era necessária naquele momento, ele não partilhava das ideias do gerencialismo defendido por Bresser Pereira. Dessa maneira, no concernente à Gestão Pública, a visão inicial de FHC apoiava-se na crença de que o “essencial” do Estado já funcionava a contento - a área econômica -, de que os Estados estavam alterando seu perfil de atuação e a descentralização crescia (menos executores diretos e mais reguladores, a partir de privatizações) e de que o único modelo institucional diferenciador deveria ser o das empresas públicas, e já o era. (MARTINS, 2002)

exercida por estruturas centrais (Secretaria-Geral da Presidência, Casa Civil e Ministério da Fazenda). Esses elementos foram absolutamente decisivos, do ponto de vista político-institucional, para o “esvaziamento” do MARE e o conseqüente reforço da dependência do “poder das ideias” como instrumento fundamental para fazer avançar a proposta da Reforma Gerencial a partir da persuasão de públicos estratégicos, única saída viável para superar os obstáculos estruturais que aquele contexto impunha. (GAETANI, 2000; 2002; FERREIRA COSTA, 2002; BRESSER-PEREIRA, 2010a; MARTINS, 2002; 2003)

Nessa linha, Cardoso esclarece sobre a natureza da proposta da Reforma do Estado de seu governo, reforçando a distinção entre o “Estado mínimo” e a proposta bresseriana de Administração Pública Gerencial, explicitando que havia a compreensão, no início do governo (mas não a aceitação completa, que só veio depois e dependeu de outros fatores) por parte do chefe do Executivo federal sobre a dimensão e as ideias centrais das alterações no aparelho de Estado que Bresser Pereira propôs:

A Reforma exigida pelas circunstâncias quando chegamos ao Palácio do Planalto era de natureza muito distinta do que simplesmente enxugar a máquina pública para obter um Estado mínimo. Eu tinha isso muito claro desde a formação Ministério, ao convidar Luiz Carlos Bresser-Pereira para a pasta da Administração, que denominamos Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). A proposta do ministro, logo consubstanciada no Plano Diretor, seguida por um projeto de emenda constitucional enviado ao Congresso em agosto do mesmo ano, procurava reduzir os efeitos negativos da burocratização da máquina pública. Longe de representar o ideal weberiano de burocracia, nossa administração estava permeada do clientelismo da política tradicional e enrijecida pela defesa de interesses da própria corporação de funcionários, com menosprezo do interesse público. O ministro defendia, em lugar da administração burocrática, corporativa e clientelista, o estabelecimento de uma administração empresarial “gerencial”, isto é, pautada por critérios de eficiência, e voltada ao atendimento dos cidadãos, que substituísse a gestão burocrática. (CARDOSO, 2006: p.560)

De fato, a Reforma do Estado não se limitava às questões do funcionalismo. Em seu significado mais amplo, incluía a criação de novos órgãos e instituições, capazes de dar maior racionalidade, agilidade e transparência à maquina pública, bem como maior controle sobre ela. Além de abranger as privatizações, que escapavam do âmbito especifico do Ministério. (CARDOSO, 2006: p.561)

Enfim, percebemos que, apesar da Reforma da Administração Pública e as ideias gerenciais não constarem no plano de governo de Fernando Henrique e nem ter constituído uma plataforma de sua campanha (GAETANI, 2002), o Presidente estava plenamente convencido da necessidade de empreender uma agenda reformista em várias áreas do setor público. Com a futura entrada de Bresser no governo, a reforma do aparelho de Estado ganhará novos e inesperados contornos, e o tema entrará na agenda rapidamente a partir de sua ação individual de liderança sustentada pelo MARE.