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EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: A EMERGÊNCIA DO ESTADO AVALIADOR NA DÉCADA DE 1990 E A PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES

1.4 A emergência do Estado Avaliador e seus reflexos na educação superior

As principais análises sobre a educação superior no mundo contemporâneo apontam para uma trajetória comum, seguida por diferentes países. Essa trajetória está vinculada a um processo de globalização da economia, da diminuição do estado de bem- estar social32 e da mercantilização da educação alinhadas às políticas de cunho neoliberal. A resposta dada, em cada país, está sujeita à adaptação, conforme a realidade local estabelecida.

Dentre as principais características que a educação superior vem adquirindo em distintos países do mundo em decorrência do processo de globalização, neoliberalismo e, portanto, do processo de economização da educação, destacamos cinco que ajudam a ilustrar a materialização da política neoliberal, implementada no Brasil a partir da década de 1990: (i) grande aumento da matrícula estudantil; (ii) multiplicação e diversificação das instituições pós-secundárias e consequentemente o deslocamento de sentido da educação

32 O welfare state é uma das formas assumidas pelo estado moderno. Tem por objetivo melhorar a vida diária e prover segurança ao individuo, por meio de programas econômicos de governo. As fases do sistema de proteção social com referencia no welfare state definidas por Fleury (1994) estão assim periodizadas: (i)1600- 1880: a pobreza era algo vergonhoso e as pessoas eram culpabilizadas pela situação em que se encontravam; (ii)1880-1914: os programas de seguro social estavam destinados à classe trabalhadora; (iii)1918-1960: há uma ampliação dos programas sociais com o predomínio do Estado em prover o mínimo quanto aos benefícios sociais; (iv)1960-1995: instaura-se a universalização dos serviços sociais; e, (v)1975 até os dias de hoje: diminuição da expansão estatal, início da crise do welfare state.

superior; (iii) redução dos investimentos públicos; (iv) grande expansão do setor privado; (v) crescente controle do Estado sobre o produto. Conforme Silva (2002):

[...] nas décadas de 1980 e 1990, a intervenção das instituições financeiras internacionais foi fortalecida pelo componente financeiro-econômico, reafirmou a dependência dos Estados da América Latina e sua inserção subordinada no processo de globalização pelo componente político- ideológico expresso na força das idéias e promessas neoliberais, que sustentavam o movimento do capitalismo em direção a outras formas de regulamentação crescentes (p. 130).

Na perspectiva neoliberal em que o objetivo central é viabilizar a economização da educação, a avaliação tende a priorizar apenas o controle sobre os produtos finais. Assim, afere a "qualidade" das IES voltada para os anseios do governo junto aos organismos financeiros internacionais.

Para melhor compreender o movimento protagonista que a avaliação assume, especialmente a partir de 1990, iniciamos com um questionamento: por que a avaliação assume centralidade na cena política contemporânea? Para alcançar uma explicação sobre o interesse dos governos pela avaliação, é necessário falar da mercantilização do conhecimento, que mediante a incorporação dos mecanismos de mercado proporcionou uma desresponsabilização do Estado diante do dever de educar. Portanto, para compreender a nova trajetória que o Estado passa a assumir, será preciso, a partir deste momento, considerar essa guinada ao mercado.

O debate em torno das raízes históricas da globalização e das suas dimensões sociológicas, ideológicas, econômicas, políticas e culturais, apresenta um amplo consenso: com maior ou menor intensidade, todos os países, se confrontam com a emergência de novas organizações e instâncias de regulação supranacional: Organizações Não-Governamentais (ONG), Mercado Comum do Sul (Mercosul), Organização Mundial do Comércio (OMC), União Européia, cuja influência vem se somar a outras organizações que já não são tão recentes, mas que continuam a ser muito influentes, como o Banco Mundial, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A ação desses organismos tem implicações diversas, entre as quais pode-se apresentar a reforma do Estado, nas suas funções de aparelho político-administrativo e de controle social, reforma que leva o Estado a assumir, de forma mais explícita, uma função

de mediação e de adequação às prioridades externamente definidas. Conforme destaca Silva (2002), estas políticas deliberadas e sistematizadas pelo,

[...] Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional tornaram-se o braço de ferro dos Estados Unidos, capazes de, pela via do consentimento e da anuência, imporem aos Estados latino-americanos suas prescrições econômicas, culturais socioeducacionais e ideológicas, colocando-os em penúria e em desvantagens (p. 80).

O Brasil celebrou sete projetos de cooperação técnica com o Banco Mundial para promover a melhoria da educação, no período 1970-1998. Segundo Fonseca (2007) durante as duas décadas de cooperação, o Banco Mundial definiu um conjunto de políticas educacionais, as quais motivam a concessão de créditos para o setor. Para a autora, duas tendências destacam-se:

[...] a primeira busca integrar os objetivos dos projetos educacionais à política de desenvolvimento do Banco para a comunidade internacional; nesta modalidade, situam-se os projetos de educação fundamental integrados a projetos setoriais específicos, como os de desenvolvimento rural, por exemplo. A segunda atribui à educação caráter compensatório, entendido como meio de alívio à situação de pobreza no Terceiro Mundo, especialmente em períodos de ajustamento econômico (p. 231-232).

Sobre os efeitos ocasionados à educação do país, em função dos acordos de cooperação com o BM, com base nos estudos de Fonseca (2007) verificamos que: (i) as pretensas vantagens acenadas pelos organismos internacionais não agregaram benefícios ao setor educacional brasileiro; (ii) do ponto de vista da correção de problemas apresentaram efeitos pouco significativos no que se refere ao desempenho escolar, especialmente no ensino fundamental; (iii) os projetos implementados não contaram com um processo avaliativo ao longo de sua execução. Destaca-se aqui a falta de um processo avaliativo sobre os programas implementados sobre a orientação dos organismos internacionais.

A reforma dos estados nacionais no mundo e no Brasil possui suas bases filosóficas no contexto maior das políticas neoliberais e as suas conexões com a realidade da globalização e das instâncias de regulação supranacional. O estado recebe designações que acentuam outras dimensões e formas de atuação e que, segundo Afonso (2005), podem ser: Estado-reflexivo, Estado-ativo, Estado-articulador; Estado-supervisor ou Estado-avaliador. Estas denominações expressam novas formas de atuação e profundas mudanças no papel do Estado.

Com a visibilidade social e a importância política crescente que adquire ao longo da década de 1980, a avaliação transforma-se num dos eixos estruturantes das políticas

educacionais. Por meio dela, procura-se compatibilizar exigências: o poder de regulação do Estado e uma lógica mais voltada para o mercado. Assim, o Estado avaliador implica uma redistribuição das funções e responsabilidades na coordenação da educação superior.

Para Afonso (2005), a expressão “Estado avaliador” sintetiza a definição dos estados que passaram a adotar um perfil competitivo, adotando uma lógica de mercado, mediante a importação de modelos de gestão privada, com ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos. Esta ideologia da privatização, ao enaltecer o capitalismo de livre mercado, conduziu a alterações e mudanças fundamentais no papel do Estado.

Nesta ótica, a transformação do papel do Estado justifica-se para diminuir as despesas públicas, a partir da adoção de uma cultura gerencialista, como indução à criação de mecanismos mais eficientes de controle e gestão. Ainda segundo Afonso (2005), com a adoção destas políticas neoliberais, a própria teoria da avaliação, que evoluía com bases epistemológicas antipositivistas e pluralistas, sofre um novo viés positivista. Nesse novo contexto, a confiabilidade em indicadores mensuráveis passa a ser o exemplo paradigmático das mudanças neoliberais. Desta forma, a mudança nas políticas governamentais pode, em determinadas conjunturas, resultar em mudanças das práticas avaliativas.

A necessidade da avaliação, por parte do estado, também é mais visível em momentos em que há incertezas sobre a recepção ou a consecução de determinadas políticas públicas. Em países que adotaram políticas de descentralização, a avaliação apareceu como forma de restabelecer algum tipo de controle central por parte do estado. Em outras situações, como aconteceu com a explosão das ideologias neoliberais, a avaliação foi utilizada como meio de racionalização e como instrumento para a diminuição dos compromissos e de responsabilidade do estado.

Na prática neoliberal, a adoção de instrumentos de controle tem como objetivo final interferir nas políticas sociais do governo, transferindo os serviços públicos para a iniciativa privada e consequentemente reduzindo custos do estado e tornando-o “mais ágil”. Por isso, a avaliação passa a servir como instrumento de desregulação social e abre caminho para introduzir a lógica de mercado na esfera do estado e da educação pública. Nesta reconfiguração, as tarefas do estado avaliador são estabelecidas a partir de um paradoxo, estado máximo e “estado mínimo”: mínimo na responsabilidade financeira e máximo na política de controle e regulação. No tocante à educação superior, nesta mesma lógica, as políticas de avaliação decorrem da necessidade de: a) implementar mecanismos de controle de resultados; b) dispor de um sistema avaliativo concreto, prático e confiável de “aplicação de provas padronizadas”; c) desregulação financeira e social, introduzindo a lógica de gestão

empresarial no âmbito da educação superior; d) regulação, estabelecendo critérios mínimos de qualidade e eficiência33 segundo as exigências do mercado (AFONSO, 2005).

Ainda é possível sintetizar o Estado avaliador, a partir da formulação de políticas de avaliação, em três conceitos, como propõe Dias Sobrinho (1999): a) qualidade: entendida como um conjunto de habilidades e competências definidas pelo mercado de trabalho, ou seja, qualidade empresarial ou mercadológica; b) autonomia: no sentido financeiro, que sugere a privatização da educação e a valorização das parcerias entre empresa e universidade; c) avaliação: como atividade técnica, que volta sua análise para o produto final, com o objetivo de quantificar.

No tocante à forma como o Estado avaliador se manifestou na educação superior a partir de 1995, podemos dizer que durante todo o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) temos a presença forte do Estado avaliador e, por sua vez, uma educação voltada para a lógica do mercado. Assim, a avaliação foi concebida como regulação com vistas à restrição da autonomia e ao controle de resultados. O que traduz a concepção de avaliação do estado gestor ao accountability que significa, para Dias Sobrinho (2003), prestação de contas e responsabilização.

Se, por um lado, ainda não é possível identificar um rompimento das políticas neoliberais implementadas pelo governo FHC, sobretudo a presença marcante de um Estado avaliador. Por outro lado é possível afirmar que alguma coisa mudou. Uma nova agenda de debates, sobre os rumos da avaliação e da educação superior como um todo foi inaugurada.

Conforme apresenta Costa (2008), entre as principais mudanças na educação superior a partir da eleição de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2008), vale destacar: (i) a retomada do diálogo entre as diferentes esferas da comunidade acadêmica e representantes do governo; (ii) a recuperação dos orçamentos das IFES; (iii) a contratação de mais professores; (iv) a constituição de um sistema de avaliação SINAES; e fundamentalmente (v) o incentivo à expansão da educação superior, via sistema público federal, entre outros. Destaca-se ainda, o papel do Estado como provedor da educação superior pública e como supervisor da educação superior privada realizada legitimamente, conforme Art. 209 da CF.

Dessa forma, entendemos que o Estado avaliador no governo Lula, lança mão do seu poder regulador, com a finalidade de preservar os interesses públicos, ao mesmo tempo

33 Essa visão de qualidade/eficiência na educação reporta a visão neoliberal de educação e, de acordo com Azevedo (1997), a abordagem neoliberal para as políticas educacionais é a mesma dada às outras políticas sociais, “será bem sucedida na medida em que tenha por orientação os ditames e as leis que regem os mercados, o privado” (p.17).

em que constitui um Sistema Nacional de Avaliação com uma perspectiva formativa que possa contribuir com a melhoria da qualidade da educação superior.

Contextualizado o Estado avaliador, é preciso entender o movimento das políticas da educação superior frente ao protagonismo dos estudantes, atores centrais do processo Como veremos a seguir os estudantes brasileiros tiveram, de forma organizada, uma participação ativa na história da educação superior, atuando junto a entidades estudantis, ajudaram a construir e ao mesmo tempo desconstruir políticas da educação superior brasileira.

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