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A Entrevista como técnica de recolha de informação:

2. Notas Metodológicas

2.1. A Entrevista como técnica de recolha de informação:

Tendo-se optado por uma metodologia qualitativa assumiu-se, desde o início, a entrevista como técnica nuclear de recolha de informação, embora não se tenha desprezado por completo outros meios de aproximação ao objecto de investigação, nomeadamente, a observação participante, conversas informais.

A observação participante acontece desde que se começa o trabalho como assistente social no Hospital. Ao longo dos anos recolheram-se alguns dados que pareceram mais pertinentes no contacto com esta realidade. É importante perceber que naturalmente ao longo da trajectória enquanto assistente social se priorizou situações ou acontecimentos seguindo o curso dos acontecimentos e que isso foi influenciando muito a captação de dados. Como técnica de colheita de dados construíram-se, ainda, ao longos dos anos,

relatos de vida sobre alguns dos pacientes, tendo estes sido arquivadas em diário de campo, o que permitiu sistematizar informações pertinentes para este estudo.

As conversas informais também como um primeiro patamar de acesso à realidade da doença renal crónica e tratamento, como um ponto de partida, onde vai assentar todo o percurso metodológico. Trata-se de fontes de informação decisivas para compreender os contextos interactivos em que os observados se movem e as regras tácitas que presidem ao seu relacionamento, nomeadamente expectativas, principais necessidades e sobretudo no reajustamento que cada um faz relativamente à doença/tratamento. Porém, o meio de recolha de informação mais importante é, sem dúvida, a entrevista semi-directiva e em profundidade realizada a doentes em tratamento.

As entrevistas semi-directivas segundo Quivy (1992) “não são inteiramente abertas nem encaminhadas permitindo receber a informação pretendida, tendo como objectivo a análise do sentido que os atores dão às suas práticas e aos acontecimentos com que se vêm confrontados”. (Quivy, 1992: 191). Pretende-se com esta técnica fazer prevalecer a lógica dos atores sociais e avaliação que eles próprios desenvolvem sobre as suas estratégias e trajectórias particulares, destacando o seu discurso como meio privilegiado de análise e reflexão, face ao que vão vivenciando a partir da doença.

É importante que os entrevistadores utilizem uma linguagem que facilite a comunicação e estratégias que permitam o estabelecimento de uma relação empática, bem como a adequação e flexibilidade necessária a cada situação de forma a contextualizar a informação recebida e a tirar dela os conteúdos mais importantes.

Pretende-se que a entrevista seja segundo Quivy (1992) “ uma verdadeira troca, durante a qual o interlocutor do investigador exprime as suas percepções de um acontecimento ou de uma situação, as suas experiências…” Este instrumento de recolha é uma partilha entre ambos em que se facilita a comunicação e a exteriorização do que o sujeito sente e pensa tendo em conta os objectivos de investigação. (Quivy, 1992: 191).

Quando se construiu o guião de entrevista teve-se em conta dimensões que de alguma forma conduziam o entrevistador ao longo da entrevista (dimensão de directividade) embora não fosse imperativo seguir aquela ordem pré-estabelecida (dimensão de não directividade). A preocupação era a de que o entrevistado falasse

abertamente e não se sentisse condicionado a seguir determinada trajectória de perguntas imposta por um guião. Sempre que o sujeito entrevistado se afastava claramente dos objectivos reorientávamo-lo para que o mesmo cumprisse o pretendido em termos de objectivos de investigação.

A construção das dimensões do guião de entrevista foi um dos principais desafios metodológicos. Se, por um lado, era necessário organizar um guião com determinada lógica de forma a compilar a informação que se pretendia, decorrente da pesquisa documental já efetuada; por outro lado, tinha-se a noção clara que estas dimensões não podiam limitar a investigação, sendo sobretudo linhas orientadoras, mas igualmente promissoras, estando-se disponível para receber qualquer outra informação que o entrevistado trouxesse e que fosse pertinente ao estudo.

As dimensões principais que definimos foram as seguintes: • Tipologia familiar

• Contexto do surgimento da doença

• Alteração/Ampliação de processos emocionais existentes na dinâmica familiar em contexto de doença/tratamento

• Experiência de doenças anteriores em contexto familiar

• Estratégias de reajustamento à doença/tratamento realizadas pela família.

• Existência de rede formal/informal de apoio e capacidade da família em mobilizar recursos

Estas dimensões permitiram que através da entrevista, os sujeitos se focalizassem nas relações e experiências vivenciadas dentro da família. Era importante captar o seu posicionamento face às mesmas, sem esquecer claro, o seu percurso de vida, mais concretamente as experiências que de, alguma forma, os próprios valorizam (positiva ou negativamente) e identificam como marcantes e determinantes na forma como vivenciam a doença/tratamento, bem como a forma como representam as vivências da família.

Deste modo, percebe-se que a entrevista de forma indutiva deu o acesso à realidade de cada sujeito e permitiu ir de encontro ao objecto de investigação. Simultaneamente, relacionou-se aquilo que se retirou de cada entrevista com o quadro teórico que se foi

construindo e, assim, assumiu-se uma abordagem mais fundamentada e por isso mais científica da realidade que se propôs investigar.

Outro aspecto que importa salientar foi a receptividade que se teve da parte de todos os doentes entrevistados. Como foi referido anteriormente, com a maioria dos entrevistados havia já uma relação estabelecida tendo sido fácil o acesso à informação. Houve, porém, outros a que se teve acesso apenas no internamento e que aceitaram, igualmente, este desafio de partilha de informação privada. Pensa-se que em todos os caso os entrevistados aproveitaram este momento como uma oportunidade de catarse, de reencontro consigo próprios e de reajustamento face à doença/tratamento. Em algumas entrevistas houve momentos de grande comoção associados a recordações profundas, embora facilmente despoletáveis num contexto de partilha como este.

Através das entrevistas teve-se, assim, acesso ao reservatório de emoções de cada um; emoções essas muitas delas ainda por reparar. Em muitas dessas entrevistas sentiu-se que no fim, com o gravador já desligado, era necessário fazer um reenquadramento de tudo aquilo que tinha sido dito de forma a amenizar eventuais perturbações do Self.

É de salientar, ainda, que cada entrevistado forneceu registos de informação diferente, relacionados com o seu património afectivo-relacional decorrente, não só do seu percurso enquanto doente a realizar determinado tratamento, mas sobretudo como resultado de uma vivência única e, por isso, singular.