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CAPÍTULO 4: MÉTODO DE PESQUISA

4.4. Procedimentos de coleta de dados

4.4.1. A entrevista

A primeira etapa de coleta de dados compreendeu a realização de uma entrevista individual com as quatro professoras envolvidas, durante o ano letivo de 1999, antes da realização das filmagens em sala de aula.

As entrevistas foram realizadas, principalmente, com intuito de se obter uma explicitação da memória da prática docente desde o início da carreira, de coletar dados relativos às atitudes cotidianas das professoras nas atividades de leitura, como também de obter informações sobre as crenças que subjazem às referidas práticas pedagógicas, diante do contexto social em transformação contínua .

Após a apresentação dos objetivos da pesquisa, cada professora concedeu um depoimento, com duração de cerca de duas horas, nos horários reservados para as

reuniões pedagógicas. Contudo, apenas a entrevista27 com a Profª. R. ocorreu em minha própria residência, uma vez que a professora encontrava-se afastada da escola por motivo de saúde e não contávamos mais com o espaço escolar, já que o ano letivo de 1999 estava encerrado.

Em suma, as Profªs. I., E. e M. concederam duas sessões de entrevista nas suas respectivas escolas e a Profª. R. apenas uma, com duração maior, em minha residência, pelo motivo mencionado. Cada entrevista foi gravada em áudio e transcrita posteriormente, com preservação da totalidade das falas.

Os relatos orais, coletados nestas entrevistas, possibilitaram importantes esclarecimentos sobre o pensamento docente acerca da prática pedagógica ao longo da carreira, das ações concretas da sala de aula, das experiências vividas que influenciaram a prática educativa, além de impressões pessoais sobre o cotidiano escolar e o contexto mais amplo (político-pedagógico, econômico, etc.) que se faz presente na realidade partilhada por professores e alunos.

Deste modo, o roteiro das entrevistas (previamente elaborado) apresentou questões que dizem respeito, basicamente, aos conteúdos da prática docente, às experiências de vida relacionadas ao ensino e ao contexto das políticas educacionais relacionadas diretamente ao cotidiano escolar. O roteiro da entrevista individual semi- dirigida foi o seguinte:

1. Identificação pessoal (opcional): nome, idade ,naturalidade e estado civil. 2. Como decidiu ser professora? O que a motivou?

3. Formação: Curso equivalente ao 2º e 3º Graus; habilitações; cursos de Pós-Graduação; participação em algum curso de Educação Continuada ou outro (grupo de estudos, grupo de pesquisa, etc.); opinião sobre os cursos que freqüentou, professores, etc.; disciplinas mais relevantes sobre seu ponto de vista e motivos da relevância.

4. Experiência docente: tempo de exercício no Ensino Fundamental e outros; avaliação sobre a sua prática educativa no decorrer dos anos; expectativas anteriores e atuais sobre a profissão docente; opinião sobre a quebra ou não de expectativas.

5. Foi inspirada por algum (a) professor (a) nessa escolha? Algum (a) professor (a) marcou de forma negativa (através de atitudes, posicionamentos pedagógicos, etc.)? Por quê?

6. Educação Continuada: (se participou) quais foram os cursos e opinião sobre essa experiência, com ênfase na contribuição ou não desses cursos na prática pedagógica. Participou/ participa também de algum grupo de estudo/ pesquisa?

7. Opinião sobre o Projeto de Progressão Continuada28: avaliação das mudanças sob o ponto de vista docente.

8. Concepção sobre o papel da escola básica e seu próprio papel dentro dela, considerando-se o presente contexto da política educacional e econômica.

9. Concepção de leitura e de texto, dando enfoque aos diversos momentos da carreira docente.

10. De que maneira avalia um texto como bom ou ruim? 11. O que é ser um professor tradicional e não tradicional?

12. Descrição detalhada das atividades que realiza em sala que envolvem leitura.

13. Contato com a Proposta de Língua Portuguesa da CENP e/ou com os Parâmetros Curriculares Nacionais: estudo dos docentes sobre os mesmos, opiniões, críticas, etc. 14. Trabalho em grupo: organização do grupo, resultados e opiniões sobre o

funcionamento das reuniões pedagógicas, assuntos tratados, etc.

15. Expectativas quanto à leitura: análise atual sobre a produção da leitura nas escolas estaduais e na própria escola; o desempenho dos alunos e dos professores, opiniões sobre recursos materiais, parceria com empresas, etc.

16. Dificuldades que encontra neste sentido e modo como são resolvidas.

17. Reações a pressões de dentro e de fora do sistema escolar, ou seja, da direção, Delegacia de Ensino, pais ou sociedade em geral.

28 Sistema de avaliação alternativo ao sistema de seriação: "(...) implementação de dois ciclos de

aprendizagem ininterrupta no ensino fundamental" (Jornal Escola Agora: aprendendo sempre - Ano III, n.19/ out.1998, Secretaria de Estado da Educação, S.P.)

18. Possibilidades de ação diante da produção de leitura e da própria educação escolar: formas e resultados da ação coletiva no que se refere à produção da leitura e demais atividades escolares, projetos realizados e a serem desenvolvidos no ano letivo, etc. 19. Casos de dúvidas práticas ou teóricas: natureza das dúvidas, maneira que encontram

para solucioná-las, resultados que alcançam, etc.

20. Outras experiências que influenciaram na formação das concepções teóricas: natureza das mesmas e influência sobre a prática pedagógica em leitura. Em síntese, quais os principais fatores que a tornaram a professora que é atualmente?

Trabalhar com o relato oral, como menciona TAPIA (1994, apud BIASOLI -ALVES, 1995) é um tipo particular de investigação, uma reconstrução da história como um processo de descobrimento de valores. Segundo a autora, o pesquisador seria convidado a buscar dados que lhe possibilitem desenhar um perfil estimativo de certos períodos, caracterizados por sistemas típicos de valores - portanto, distintos uns dos outros - que delineariam, em última instância, a sua face e permitiriam mostrar seu encadeamento na transformação e substituição gradual dos ideários subjacentes às mudanças de comportamento.

QUEIROZ (1988) diz que o relato oral está na base da obtenção de toda a sorte de informações e antecede a outras técnicas de obtenção e conservação do saber, sendo a entrevista a forma mais antiga e difundida de coleta de dados orais, nas ciências sociais. Ela ora nos oferece dados originais, ora complementa dados já obtidos de outras fontes. Em suma, a entrevista está presente em todas as formas de coleta dos relatos orais, pois estes implicam sempre num colóquio entre pesquisador e narrador.

De acordo com QUEIROZ (op.cit.), a história oral, colhida por meio de entrevistas de variadas formas, registra a experiência de um só indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma coletividade; assim, a história oral pessoal é um fato social total que permite a apreensão de vários aspectos referentes ao grupo, à camada, à sociedade bem como àqueles que dizem respeito ao indivíduo como ser bio-psico-social. Tal sujeito, como parte orgânica da vida coletiva, não pode eliminar os traços da influência que o contexto exerce e, ao se revelar, põe em destaque as idéias, o modo de ser, as crenças do grupo. Isto

significa dizer que se reafirma um modelo bi-direcional de socialização, em que o sujeito é determinado simultaneamente por si mesmo e pelo social, bem como influencia na composição e determinação deste. Isso faz com que o indivíduo seja expressão de si mesmo, de seu grupo e, por conseguinte, de uma época.

Em função dos objetivos desta pesquisa, optou-se pela coleta por meio de depoimentos29 pessoais das professoras, já que as histórias de vida30 demandariam longo tempo, entre outros aspectos. Assim, não era possível deixar a iniciativa do diálogo aos informantes, cabendo a mim orientá-los de modo a colher a maior quantidade possível de material.

Nas ciências sociais, o depoimento significa o relato de algo que o informante efetivamente presenciou, experimentou, ou de alguma forma conheceu. O crédito a respeito do que é narrado é avaliado pelo cotejo de seu relato com dados oriundos de outras variadas fontes, que mostrará sua convergência ou não (QUEIROZ, op.cit.).

De forma mais direta, a respeito da vida dos informantes só foram evidenciados os acontecimentos que se inseriram diretamente neste trabalho e a escolha foi unicamente efetuada com este critério. Assim, conhecendo o problema, busco aqui obter do narrador o essencial, já que a pesquisa procurou conhecer não a seqüência da vida dos professores, mas as formas de atuação e reflexão ao longo do tempo. Em outras palavras, havia a preocupação em conhecer as concepções dos professores sobre leitura, texto, sobre formas de atuação pedagógica, além de se conhecer - através de seus relatos - a realidade interna da escola, da própria região e também do posicionamento subjetivo frente às políticas estaduais de educação.

Em específico, neste estudo, a ênfase recai na busca de relacionar as vivências dos professores em exercício com a sua própria prática docente. Conforme

29 Toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos. A diferença entre história de vida e

depoimento está na forma específica de agir do pesquisador ao utilizar as técnicas, durante o diálogo com o informante, isto é, ao colher um depoimento, o colóquio é dirigido diretamente pelo pesquisador. (QUEIROZ, 1988)

30 A história de vida é definida como o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo,

tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Avanços e recuos marcam as histórias de vida, e o bom pesquisador não interfere para restabelecer cronologias, interferindo minimamente nesses relatos. (QUEIROZ, 1988)

KENSKI (s/d.), esses tipos de estudo ainda são insipientes no Brasil, pois partem do princípio de que a memória é algo (um movimento, um processo) existente na interioridade dos indivíduos e dos grupos sociais, determinada pelas relações que esses indivíduos desenvolvem com a cultura e que vai orientar suas ações e escolhas no percurso de suas histórias de vida.

Um dos aspectos fundamentais deste estudo está na reflexão dos próprios sujeitos sobre as influências deixadas por vivências marcantes do passado sobre suas respectivas práticas pedagógicas. Assim, os mesmos contam a sua história, através dos depoimentos acima citados e, através de suas lembranças, podem analisar seus atuais comportamentos como docentes. Como se vê, esta abordagem diferencia-se de um relato de história de vida, pois existe a intervenção direta do pesquisador na história do outro, um acompanhamento não linear feito na memória do professor, tentando detectar as origens de sua forma de atuação.

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