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Capítulo I Quadro teórico

1.2. Socialização familiar e educação: notas prévias

1.2.1.3. A escola como dispositivo de poder em Foucault

O filósofo francês Michel Foucault examinou os mecanismos de poder dos dispositivos burocráticos e o seu efeito sobre o comportamento dos indivíduos. Em Surveiller et Punir (1975), Michel Foucault situa historicamente o aparecimento das instituições de vigilância modernas em meados dos séculos XVII e XVIII. Na origem destas instituições a necessidade de vigiar grandes aglomerados de indivíduos confinados em espaços semi-fechados. Este é um trabalho específico de certas instituições, com funções de controlo e de vigilância sobre certas categorias de indivíduos. Foucault designa estas instituições por «instituições disciplinares». Exemplos destas instituições, as prisões, os hospitais, os asilos ou as escolas. As instituições disciplinares possuem mecanismos de controlo direto e indireto, tais como a observação ou o exame. Como função dos dispositivos de vigilância “o adestramento dos corpos e das mentes”. As instituições disciplinares apoiam-se em «dispositivos», «ordenamentos» ou enunciados de regras e em «aparelhos», instalações, equipamentos e instrumentos de observação. A disciplina visa conformar a conduta social dos indivíduos a determinadas regras. O resultado procurado é um determinado efeito («efeito de poder») que altere o comportamento do sujeito, pela conformação voluntária às regras ou pela repressão (Foucault, 1987).

Foucault», analisa o «processo de disciplinarização» na sociedade moderna, em particular o

papel que a escola tem desempenhado neste contexto. A extensão deste processo a toda a sociedade, que Foucault designa por «sociedade disciplinar», baseia-se num «regime de poder» caraterizado pela multiplicação das instituições disciplinares. Caraterísticas destas instituições, a separação entre observador e observado (médico/paciente e professor/aluno, por exemplo). As instituições disciplinares criam uma «barreira invisivel» entre um e outro, firmada nas diferenças de estatuto. A hierarquia dentro da instituição disciplinar é garantida pela isenção da instituição e pela qualidade dos procedimentos de controlo. Os procedimentos disciplinares assentam em três tipos de instrumentos, a vigilância, o exame e a sanção. Estes procedimentos assentam no registo escrito. A informação registada é em seguida comunicada ao longo da cadeia hierárquica. A disponiblidade e «omnivisibilidade» da informação confirma a isenção da instituição (Pallotta, 2011: 6). Para Foucault, a escola institui “uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que

acompanha em todo o seu cumprimento a operação do ensino” (Foucault, 1987: 152). A

aprendizagem escolar serve não só a transmissão de conhecimentos como a incorporação de normas que levem o indivíduo a autodisciplinar-se (Pallotta, op. cit., p. 7). A eficácia da ordem disciplinar provém de uma «ordem artificial» plasmada numa lei, num programa, e numa «ordem quase-natural» integrante dos procedimentos de observação, exercícios ou testes. A escola é neste sentido, simultaneamente, aparelho de ensino e aparelho de exame. A sociedade disciplinar não age somente sobre o aluno. Age também sobre a família. Os mecanismos de vigilância da escola estendem-se por isso ao meio familiar. Como enuncia Pallotta:

“L’École chrétienne, tout en produisant des enfants dociles, doit surveiller la famille. De manière plus générale, il faudrait voir comment la cellule «parents-enfants» a été disciplinée, voir comment la famille a pu être colonisée par des normes scolaires, psychologiques, etc., comment elle a pu fonctionner comme un prolongement de l’école; il faut d’ailleurs rappeler que les althussériens ont fait du couple Famille-École le premier des appareils idéologiques dans les sociétés capitalistes” (Pallotta, 2011: 7).

O poder de vigilância da escola sobre a família, procurando normalizar os comportamentos de pais e filhos, teve como efeito o processo inverso, isto é, o incremento da subjetividade e da subjetivação. A escola moderna criou as condições para que as famílias possam exercer pressão sobre a escola, delegando nesta o cuidado da educação dos seus filhos. Para Foucault, a inversão do contexto das relações família-escola criou um novo protagonista social, a família burguesa.

Como enuncia Pallottta, “on verrait alors que c’est la famille «bourgeoise» qui parvient à

imposer ses exigences à l’appareil scolaire, et la scolarisation serait alors une «hégémonisation» de la famille bourgeoise (une caution étatique de formes

idéologiques” (Pallotta, 2011: 8).

Foucault faz remontar a disciplinarização da escola em França ao ínicio do século XVII, com a «escola cristã» de Démia e de Jean-Baptiste de la Salle. Este processo prolongou-se pela França da Restauração e à Revolução de 1789, com a chamada «escola mutual». Em Surveiller

et Punir, Foucault ilustra o poder disciplinar da escola com o exemplo da repartição do tempo

letivo pelas diferentes atividades pedagógicas e a postura das crianças na sala de aula. Duas imagens presentes em Surveiller et Punir ajudam a compreender o modo como a escola age sobre o comportamento das crianças na sala de aula. A disciplina estabelece uma «ordem escolar idealizada», assim descrita por Pallotta:

“Que nous montrent les deux lithographies représentant l’école mutuelle? La première nous montre les élèves de l’école, en rang sur leurs bancs, au moment de l’exercice d’écriture: on sait que l’exercice est le procédé de répétition disciplinaire par excellence, le procédé d’incorporation des bonnes manières et des bonnes habitudes; d’une manière générale, les disciplines traitent le corps comme un «pense-bête»: la norme doit être incorporée. De cette représentation résulte une grande impression d’ordre: c’est l’image parfaite d’un collectif docile. La deuxième lithographie est encore plus explicite: elle s’intitule «l’ordre général de l’école», et présente la suite des postures corporelles de l’élève à son banc; les postures B et C sont les postures de l’«élève en pénitence»: la discipline scolaire prolonge ici une discipline religieuse. L’imagerie que Foucault a sélectionnée représente alors l’ordre disciplinaire idéal: une multiplicité de corps entraînés à accomplir les bons gestes et à se plier à la plus stricte discipline, dont l’origine est toujours plus ou moins religieuse. Cette représentation correspond assez bien aux passages que Foucault consacre à l’école mutuelle dans le corps du texte de Surveiller et Punir” (Pallotta, op. cit., p. 9 [cf. Surveiller et Punir]).

Capítulo II - O ensino em Portugal