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A escola raramente é considerada como uma organização de trabalho, a não ser segundo a percepção de seus trabalhadores. Como uma organização, a escola é um sistema constituído por relações de diferentes naturezas que, combinadas de determinadas maneiras, definem a sua estrutura organizacional. Para que a atuação sobre essa complexidade seja suficientemente eficaz, o psicólogo precisa entrar em contato com outras áreas do saber e trabalhar em conjunto com profissionais de outros campos. Entre esses profissionais está o professor e o seu trabalho (ensinar), bem como o produto desse trabalho (o aprender dos alunos), são tradicionalmente

considerados como os principais objetos de atuação do psicólogo escolar. Do ponto de vista organizacional, a escola pode ser considerada como uma organização de trabalho e o professor como um de seus trabalhadores, compondo o sistema de variáveis constituintes da situação com a qual o psicólogo é defrontado em seu cotidiano. Dessa forma todos os aspectos que constituem ou influenciam esses fenômenos também fazem parte do comportamento profissional do psicólogo que atua em organizações escolares e identificar, caracterizar e examinar cada um desses componentes possibilita a produção de informações que esclareçam a função e a atuação do psicólogo em contextos educacionais.

A estrutura organizacional pode ser descrita como uma representação do processo por meio do qual a autoridade é distribuída, as atividades são especificadas e um sistema de comunicação é delineado (Loiola, Bastos, Queiroz & Silva, 2004). A forma pela qual esse processo é desenvolvido na organização depende do grau de sua complexidade e de controle necessário para garantir sua estabilidade. No caso das organizações escolares, em especial as públicas, essa estrutura é altamente burocratizada e oferece somente as condições mínimas para a realização do trabalho, dificultando o acesso aos instrumentos que podem aumentar a qualidade dos serviços oferecidos (aulas e merenda, por exemplo). Com uma estrutura organizacional com essas características, mesmo o trabalho voluntário em Psicologia acaba sendo comprometido, pois as condições de trabalho, unidas às características das atuais formas de atuação, constituem sérias dificuldades para qualquer tipo de intervenção que supere o atendimento individual a alunos considerados problemáticos. A estrutura organizacional é um dos aspectos que o psicólogo precisa conhecer, pois o grau de

psicológica atenda não só as rotinas e demandas cotidianas, mas também as necessidades identificadas na organização.

Os graus de burocratização de uma organização escolar interferem diretamente no trabalho do professor – ensinar – e, em última análise, no trabalho do psicólogo – potencializar os processos de ensinar e aprender. De acordo com Sergiovanni e Carver (1976) uma burocracia é caracterizada por: a)hierarquia entre os departamentos bem definida e centralização das decisões; b) remuneração por salários fixos; c) o cargo é a principal ocupação, é tratado pelos funcionários como uma carreira; d) a seleção é fundamentada em critérios técnicos; e) os funcionários sujeitam-se às regras e regulamentos no desempenho de suas funções; f) as regras e regulamentos devem ser obedecidos independentemente da vida pessoal de seus funcionários. Ainda segundo esses autores, a simples presença de tais características não é negativa per si: é a super-ênfase na burocracia como sistema produtivo que induz a organziação ao risco de uma retroalimentação de rigidez e ineficiência. Formalmente a escola é uma organização burocrática, considerando que todas as escolas possui tais características em algum grau. Explicitar os níveis de flexibilidade dos seus processos produtivos é também avaliar os limites de atuação do psicólogo escolar e identificar os avanços necessários para que sua prática profissional seja cada vez mais efetiva.

Sendo uma organização de trabalho, as organizações escolares possuem características próprias que as distinguem de outros tipos de empresas ou indústrias. Para Sergiovanni & Carver (1976) as escolas possuem basicamente cinco características diferenciadoras: a) é uma organização profissionalmete orientada, ou seja, todos os seus processos produtivos são orientados para que os objetivos manifestos sejam atingidos e seus funcionários são profissionais da educação; b) seus

clientes – os estudantes – não têm autonomia para escolher os serviços a serem prestados; c) o capital investido está relacionado às riquezas locais e à quantidade de estudantes, não à qualidade da produção; d) não há um consenso sobre os meios adequados de atingir os objetivos formais – ensinar competências socialmente necessárias por meio da informação técnico-científica e cultural, socialmente e historicamente sistematizada; e) os estudantes ocupam ao mesmo tempo duas posições: membro e cliente da organização. Tais características fazem parte do contexto no qual o psicólogo está inserido e o exame de cada um desses aspectos amplia as possibilidades de análise do comportamento profissional do psicólogo escolar e contribui para o aprimoramento das intervenções psicológicas no contexto escolar.

A organização escolar é um sistema de relações muito complexo, constituído por diferentes profissionais com diferentes níveis de qualificação (Soratto & Olivier-Heckler, 2002). Os problemas de aprendizagem e o fracasso escolar são apenas alguns dos problemas enfrentados pelas pessoas envolvidas com as escolas e mesmo esses problemas, considerados próprios da Psicologia, são constituídos por muitas variáveis que estão além daquilo que é considerado psicológico. De acordo com Rebelatto e Botomé (1999):

Quando um profissional (ou o próprio campo profissional) não domina (ou não pode dominar) todo o conhecimento e toda a tecnologia relevantes para interferir em relação a algum tipo de problema, é preciso trabalhar em equipe, com diferentes tipos de profissionais, solicitar as contribuições de outros, criar condições para que o profissional de determinado campo domine outras áreas de conhecimento úteis ao tipo de intervenção que realiza. (p. 227).

pedagógicos, administradores (diretores), médicos, nutricionistas, merendeiros, faxineiros e quantos profissionais forem necessários para intervir sistemicamente sobre problemas relacionados a processos psicológicos. Portanto, caracterizar os comportamentos profissionais de psicólogos que atuem em escolas significa delinear os avanços e limitações dessa atuação e possibilita esclarecer as intersecções que serão compartilhadas com profissionais de outras áreas de conhecimento e campos de atuação.

Dentre os profissionais mais envolvidos com a organização escolar e com o qual o psicólogo trabalhará com mais freqüência está o próprio professor. O trabalho do educador é um dos trabalhos de maior importância para qualquer sociedade, se não for

o mais importante, pois é por meio da educação que o ser humano é capacitado para

atuar sobre a realidade de forma a atender suas necessidades e/ou de outras pessoas (Botomé, 19972). Em outras palavras, é por meio da educação que o homem deixa de ser simplesmente o homo sapiens e passa a ser cidadão, sujeito livre e autônomo, capaz de responder por suas ações e lutar por seus direitos (Rodrigues, 2001). Apesar disso, o trabalhador em educação, em especial o professor, é um dos profissionais com menor salário, menor reconhecimento social e com as piores condições de trabalho (Lapo & Bueno, 2003; Soratto & Olivier-Heckler, 2002; Esteve, 1999). Não seria surpresa encontrar dados que demonstrassem a diminuição da quantidade desses profissionais nas escolas (Lapo & Bueno, 2003; Esteve, 1999). Entretanto, apesar de serem muitos, considerando o contingente de professores no país, os professores

2 Botomé, S. P. (1997). Educação, conhecimento, comportamento humano e necessidades sociais. Em:

S. P. Botomé. Como decidir o que ensinar: objetivos de ensino, necessidades sociais e tecnologia educacional. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos. (não publicado).

insatisfeitos e pouco comprometidos com o seu trabalho representam menos de 10% da categoria profissional (Soratto & Olivier-Heckler, 2002). Que aspectos desses dados estão relacionados com comportamentos profissionais do psicólogo que atua em organizações escolares? O trabalho do professor e as condições em que é realizado é um dos conjuntos de variáveis que compõem a situação com a qual o profissional em Psicologia se defronta.

Organizações com esse nível de complexidade representam amplas possibilidades de intervenção na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho. As organizações escolares são constituídas por muitos fatores, que combinados de diversas maneiras, compõem a sua estrutura organizacional. Essas diferentes combinações interferem na qualidade do trabalho e das demais relações presentes nesse contexto e fazem parte da situação sobre a qual o psicólogo atua.

As relações entre os comportamentos profissionais de psicólogos e a organização em que está inserido são altamente complexas e em grande parte desconhecidas, o que produz confusão acerca da adequação das intervenções de psicólogos sobre esses fenômenos. Apesar disso, houve um grande avanço no conhecimento a respeito das relações entre saúde e trabalho, principalmente em Psicologia Organizacional e do Trabalho. A partir do conhecimento já produzido o psicólogo que atua em organizações pode oferecer muitas contribuições para a solução dos problemas relacionados aos aspectos constituintes e determinantes das organizações de trabalho, de forma a melhorar a qualidade das relações entre trabalhador e sua atividade profissional. Entretanto, o próprio trabalho do psicólogo ainda é pouco conhecido em sua complexidade. As escolas também são organizações

mais representativos os processos de aprender entre crianças, jovens e adultos. Ao serem chamados para atender alunos com dificuldades de aprendizagem, os psicólogos, em sua grande maioria, estão restritos ao atendimento clínico individual, desconsiderando os demais aspectos que compõem e constituem os processos de ensinar e aprender. Alguns profissionais apresentam práticas diferenciadas, mas os dados a respeito desse tipo de atuação são escassos e dificultam a avaliação adequada dos resultados e das implicações éticas da atuação profissional. Assim, produzir conhecimento que responda à pergunta “Quais são as características de comportamentos profissionais de psicólogos que atuam em organizações escolares?” é uma forma de avançar no conhecimento científico existente sobre a atuação profissional em psicologia nas escolas, bem como possibilita a elaboração de subsídios e estratégias para práticas profissionais mais comprometidas com as necessidades e com o bem estar da população brasileira.

II. Método: O processo de caracterizar os comportamentos

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