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CAPÍTULO I. OS TEMAS CLÁSSICOS, A BUROCRACIA E A AGÊNCIA

I.3. A escola das relações humanas e os seus legados

A racionalização ao nível dos processos de produção e o estudo da adesão dos indivíduos através de sistemas de incentivos foi a preocupação de Taylor (2003/1911), que tentou lidar com a complexidade produtiva na passagem do século XIX para o século XX, altura em que a gestão da informação era ainda limitada. Mais tarde, Fayol (1949) alargou o foco de estudo, dos processos de produção para as funções administrativas e de gestão. Estabeleceu princípios básicos capazes de serem aplicados a organizações diversas (unidade

a globalização de mercados e comunicação dos últimos vinte a trinta anos coloca questões relativas

a uma “lógica de relação de serviço” (Almeida, 2005: 50) que abrange todas as organizações de serviços ou industriais, com vista ao usufruto adequado pelos clientes. Esta “servicialização” (Almeida, 2005: 52) pode ser entendida como uma característica a incluir no tipo ideal, o que não impede que, empiricamente, se verifique o como e até a própria existência da característica.

11 Face aos desafios de adaptação ao meio envolvente (Nisbet et al, 1989) o topo da hierarquia poderá

tomar decisões sobre o contexto de trabalho para uma “coesão social suficiente que torne produtiva e competitiva cada situação de trabalho” e para que influenciem a sobrevivência competitiva da organização (Sainsaulieu, 2009: 15-16). Retomaremos esta temática nas Conclusões desta tese, ao propor um modelo de intervenção organizacional.

de comando, especialização, delegação limitada, etc.), de modo a governar as estruturas, as funções e a autoridade atribuída a cada nível funcional.

Estes dois autores focam na estrutura, nos processos e nas responsabilidades, no como, de um ponto de vista ideal, “deve ser”, e menos no empírico concreto, nos indivíduos, nos comportamentos e nas motivações, que redefinem inexoravelmente os próprios processos. Este racionalismo revelou dificuldades em abordar o problema da integração social e da manutenção de uma ordem social na época mais instável e incerta dos anos de 1930 e 1940 (Reed, 1996: 36). Por outro lado, ao propor a seleção adequada dos indivíduos, Taylor (2003/1911) tinha lançado a semente da psicologia industrial, ideia bem recebida pelos gestores quando o movimento sindical ganhou força e passou a dificultar despedimentos, tendo Friedman (1955: 27) afirmado que “o elemento humano é o elemento mais importante na empresa”.

Foi Mayo (2003/1933), com o seu estudo na fábrica da Western Electric em Hawthorne, que deixou um marco na evolução da teoria das organizações a partir da teoria da gestão científica do trabalho.

A consideração da tensão entre os aspetos técnicos e formais do trabalho e as necessidades sociais pode ser vista como a integração pela escola das relações humanas das perspetivas de Durkheim (1977/1893) sobre a divisão do trabalho, assim como das de Pareto (1935/1916). O primeiro via a anomia resultante do descontentamento e não integração como anormal, como um desvio das características ideais da solidariedade social (Thompson e McHugh, 1999: 366); o segundo via os desequilíbrios sociais nos organismos sociais, como resultantes das mudanças sociotécnicas, que tendem ao reequilíbrio através de respostas internas desses organismos sociais.

Começando pelas condições físicas de trabalho e tentando relacioná-las com a produtividade, Mayo (2003/1933) verificou que existia uma relação desta última, mas com o significado que os indivíduos atribuíam às condições físicas, pelo que a escola das relações humanas passou a assumir que o indivíduo é, acima de tudo, um membro do grupo, controlado pelas normas e valores. A abordagem, inicialmente fisiológica e depois sociopsicológica, evoluiu para sociológica. O método de entrevista passou a ser acompanhado de observação direta do comportamento no grupo de trabalho (Mouzelis, 1967: 98-108), dando início à escola das relações humanas e seus legados.

Em primeiro lugar, a escola de Mayo (2003/1933) e seus seguidores, que relevam a importância das regras e atividades internas da organização enquanto variáveis formais, a par de outras que resultam dos valores e padrões que os indivíduos adquiriram ao longo da sua

vida e trazem para a organização. No contexto da organização e do grupo de trabalho e sob a influência de ambos os tipos de variáveis, cada indivíduo define a situação. A organização, enquanto conjunto de partes interdependentes, encontra o equilíbrio social através do controlo social, entendido como sistema de recompensas e punições, mas também de tecnologia e conhecimento social para o desenvolvimento das relações humanas, sendo possível substituir o conflito organizacional por uma nova ordem industrial de cooperação e harmonia.

A relação entre aspetos formais e informais é, por isso, determinada empiricamente como influência mútua e não de causa e efeito. Ao nível do grupo, a organização formal é variável externa, focando-se a pesquisa na interação grupal. Ao nível da organização, ambas as variáveis formais e informais são internas do sistema. As normas grupais formam uma lógica de sentimentos (Roethlisberger e Dickson, 2003/1939: 564) que favorece a coesão do grupo (com normas e estrutura informal próprias capazes de contrariar as formais e influenciar os fluxos comunicacionais), impede comportamentos individualistas e favorece a produtividade. A tarefa da gestão seria, então, não tentar destruir a organização informal mas tê-la em consideração e tentar harmonizá-la, através da hierarquia sensibilizada para as relações humanas, com os objetivos da empresa.

Com uma clara influência de Durkheim (1977/1893), Mayo (2003/1933) argumentou que a industrialização enfraqueceu os laços tradicionais (familiares e de outros grupos primários) favorecendo o isolamento e ansiedade nos indivíduos, e que a organização no trabalho, formal e informal, deve tornar-se o centro da vida dos indivíduos, fornecendo-lhes segurança emocional e satisfações sociais que não pode mais encontrar fora do local de trabalho.

Em segundo lugar, a escola de Warner (1947), participante na última fase nos estudos em Hawthorne, e seus seguidores na Universidade de Chicago 12 progrediram no sentido de dar maior importância aos fatores sociais externos à organização. Para além dos fatores tecnológicos, mostraram o impacto que as mudanças sociais e tecnológicas externas ao grupo (em termos de classe social, religião, raça, evolução social familiar, sindicalismo) têm nos comportamentos individuais (perceção de status, nos papéis) e na cultura grupal.

No caso das relações das empresas com os sindicatos, esta abordagem ajudou a compreender a inevitabilidade da organização sindical e a vantagem da negociação em clima de confiança, a todos os níveis na organização.

12 Entre estes seguidores, destacamos Whyte (1951; 1956; 1964; 1984; 1991) e os seus contributos

Finalmente, parte dos autores da escola de Chicago continuaram o desenvolvimento dos estudos de Hawthorne, sublinhando a necessidade de estudar a ação (interação) nas organizações, para além do que se pensa e sente. A observação do comportamento concreto e dinâmico nas organizações, foi relacionada com o sistema social e com a estrutura de interações. Segundo Mouzelis (1967: 204) estes autores deram grande importância ao conceito de interação, sendo que Arensberg et al (1957) se situavam num extremo de um contínuo em que atribuíam importância causal aos padrões de interação ao ponto de constituírem uma permanente variável independente, qualificando os sentimentos individuais como um subproduto da interação, e Homans (1950) no outro extremo e atribuindo importância igual a interações, atividades e sentimentos, que poderiam ser variáveis dependentes ou independentes no sistema social.

Assim, o interacionismo evoluiu para a consideração de que interações, atividades e sentimentos se influenciam mutuamente, colocando a organização formal e os fatores tecnológicos e ambientais como fatores externos. Ao estudar uma organização, os interacionistas preocupam-se em identificar a estrutura de relacionamentos, a sua sequência, duração e frequência, daí deduzindo o efeito da estrutura e os processos tecnológicos sobre os padrões de interação, enfatizando ao nível das pessoas algo de semelhante do que Taylor (2003/1911) enfatizou nos processos de fabrico. Resulta que tanto os aspetos formais como informais da organização são definidos de modo diferente, isto é, em relações concretas (Mouzelis, 1967: 107). Arensberg et al. (1957), referindo-se a uma perspetiva processual no tempo, afirmam que a mudança com sucesso passa por, primeiramente, alterar os padrões de interação conforme a nova base tecnológica adotada, definir as características dos indivíduos necessários e efetuando as mudanças 13, de que resulta depois uma mudança de atitudes e, finalmente, como resultado as atividades mudam, com implicações na cooperação e na produtividade.

Os interacionistas usam intensamente métodos de observação e medição da interação, preferindo-os aos inquéritos sobre atitudes individuais e à análise fatorial para determinar relações entre variáveis situadas num momento, relevando antes o fator dinâmico do tempo, enquanto dinâmica de processo (Mouzelis, 1967: 108). Whyte (1984), depois dos anos de 1940, utilizou entrevistas para pesquisar todas as forças que influenciam o comportamento nas organizações e refere os comportamentos individuais como resultado de definições de

13 O que pode ser avaliado pelas técnicas psicológicas, entre as quais a sociometria de Moreno (1946),

situação imposta pela estrutura da organização, em que esta influencia e é influenciada pela tecnologia, e em que várias disciplinas (economia, contabilidade de custos) são chamadas a dar contributos (Whyte, 1991).

No entanto, na área da gestão das empresas desenvolveu-se um tipo de pesquisa através de inquéritos e correlações entre variáveis sociais e psicológicas que procura não uma produção teórica, mas o estabelecimento de relações entre clima organizacional, liderança e produtividade, ligando estilos de liderança e comportamento dos subordinados e excluindo outros fatores e o contexto, o que acabou por ser recusado por novos estudos que mostraram não haver correlação significativa entre liderança e moral, assim como a trivialidade destas descobertas, sempre condicionadas ao contexto concreto (Mouzelis, 1967: 111); a eficácia dos estilos de liderança revelou-se dependente do tipo de tarefas e da posição hierárquica do líder, o que se mostrou similar ao tratamento do problema da autoridade por Weber, e trouxe novamente a discussão sobre a burocracia.

Tais generalizações, ou saltos de um nível de análise para o do mais amplo contexto da organização, impedem a análise dos contextos de poder a vários níveis da estrutura e os conflitos daí decorrentes. Quando o conflito é estudado apenas a um nível, ele parece resultar de relações interpessoais ou incompreensões sobre os problemas e sentimentos de outros; o conflito assume, assim, um caráter patológico resolvível melhorando a comunicação dentro do nível considerado ou aplicando técnicas de cariz psicológico 14. Muitos problemas, como a liderança ou o conflito, têm resolução limitada através de capacidades de relacionamento humano, porque não derivam de relações face a face, mas sim de posições na estrutura de poder, da participação dos empregados na tomada de decisão e da comunicação entre os vários níveis organizacionais (Whyte, 1956; Mouzelis, 1967: 112).

A orientação humanista da escola das relações humanas determina os seus problemas mas as preocupações metodológicas são de rigor e precisão, e pagam necessariamente um preço por escolher precisão em vez de compreensão, utilidade e substância dos conhecimentos adquiridos. Em todas as derivações desta escola faltou, por isso, uma visão sociológica ampla e tentaram resolver os grandes problemas organizacionais dirigindo a atenção para o indivíduo e para o grupo, dando menor foco à organização e aos seus fatores, que consideram

14 Mouzelis (1967: 117) discute a possibilidade limitada dada aos empregados, para participar em

decisões de gestão, como ilusória, pois tal implicaria que “o gestor deva ceder voluntariamente parte do seu poder e das suas prerrogativas aos empregados. Claro que, quando a participação atinge esse ponto, torna-se claro que nenhum gestor, exceto o filantropo excêntrico, sacrificará os seus próprios interesses a propósitos altruístas”.

externos e influentes nas perceções individuais ou no sistema social do grupo, mas não são tema de estudo. As técnicas da escola das relações humanas são aplicáveis de modo limitado, identificando as situações em que são eficazes e as situações em que não são, virando, neste caso, a atenção do nível individual ou grupal para a organização como um todo e como estrutura de poder, evitando o excessivo otimismo sobre participação ou liderança permissiva (Mouzelis, 1967: 112-113).

Por isso retemos o contributo sobre a relevância da significação coletiva para a ação, a restrição dos resultados dos estudos aos contextos estudados e a necessidade de aprofundamento da problemática da sua generalização, e a necessidade de consideração dos níveis macro que envolvem os grupos, ou seja, a estrutura hierárquica, influências institucionais, culturais e regulamentares externas.