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A escola de Deise: uma síntese do cenário ( ensino público)

2- DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: A APRENDIZAGEM ESCOLAR A PARTIR DAS INTERAÇÕES

2.5.2 A escola de Deise: uma síntese do cenário ( ensino público)

Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), Deise, 17 anos, aluna com deficiência intelectual da escola pública municipal, foi matriculada no Tempo de Aprendizagem III, em 2016. Segundo a Secretaria Municipal de Educação de Salvador, a Educação de Jovens e Adultos estrutura-se da seguinte maneira:

EJA I – 1º Segmento da Educação de Jovens e Adultos – é constituída de Tempo de Aprendizagem I (TAP I); Tempo de Aprendizagem II (TAP II); e Tempo de Aprendizagem III (TAP III), com duração total de 2.400 horas, em três anos, com períodos de 200 dias letivos cada. EJA II – 2º Segmento da Educação de Jovens e Adultos – é constituída de Tempo de Aprendizagem IV (TAP IV) e Tempo de Aprendizagem V (TAP V), com duração total de 2.000 horas, em dois anos, com períodos de 200 dias letivos cada. (SMED, 2016)16.

Deise sempre estudou em escola especial e, há quatro anos, foi matriculada por sua mãe, nessa escola comum. Nos primeiros anos, frequentou turmas do Ensino Fundamental e com o auxílio da professora da sala de recursos multifuncional (SRM) e da direção escolar, mais recentemente, foi orientada a realizar a matrícula na Educação de Jovens e Adultos (EJA). A escola municipal da aluna fica localizada em um bairro popular da cidade de Salvador e atende a alunos de baixa renda. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a EJA propõe:

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na idade própria.

§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. (BRASIL, 1996, p. 27).

Em sua estrutura, a escola é ampla, plana, com poucas escadas, possui uma grande quadra de esporte, biblioteca, sala de informática, refeitório e há algumas rampas e corredores que dão acesso às salas. Ainda não há acessibilidade arquitetônica para pessoas com

16 Informação transcrita do site da Secretaria Municipal de Educação de Salvador, no link:

deficiência visual ou com dificuldades físicas em alguns ambientes. Possui um total de 950 alunos e funciona com uma Sala de Recurso Multifuncional nos dois turnos, com 32 alunos com necessidades educacionais especiais (com autismo, surdez, deficiência intelectual , paralisia cerebral e alguns alunos com transtornos mentais associados). Ela contempla os grupos da educação infantil (grupos 4 e 5) até o 5º ano do Ensino Fundamental; e também a Educação de Jovens e Adultos. A turma de Deise funciona no turno noturno, e é composta por 38 alunos.

Por Sala de Recursos Multifuncionais entendem-se os espaços que funcionam dentro da própria escola do aluno ou de outras mais próximas, que prestam um apoio pedagógico aos alunos público-alvo da educação especial, na perspectiva inclusiva. Essas salas funcionam como atendimento complementar ao trabalho que é desenvolvido pela escola, no contraturno, e se preocupa, principalmente, em oferecer suportes pedagógicos ao aluno considerando o atendimento de suas necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2010).

Para a diretora, a experiência com os alunos com deficiência é marcante, pois cada aluno traz uma realidade, uma necessidade que a escola busca compreender e trabalhar. A professora da SRM afirma que procura uma interlocução com os outros professores e com as famílias, mostrando a importância do envolvimento de todos para que os alunos possam avançar em seus processos de construção de conhecimentos, pois a escola precisa caminhar junto com o apoio dos pais e com a comunidade. A professora expõe que é possível notar o envolvimento das famílias com o trabalho desenvolvido na SRM e uma comunicação mais articulada dos pais através dessa sala, o que vem implicando na importância da escola e da aprendizagem na vida desses alunos.

Nas turmas de Educação e Jovens e Adultos, Ferreira (2009) sinaliza que, muitas vezes, há uma desarticulação entre os profissionais da escola e as famílias dos alunos com deficiência. No entanto, durante as observações e conversas com a direção (diretora e coordenadora) e com a professora da sala de recursos, observou-se uma participação ativa das famílias, a partir dos incentivos desses profissionais, pelo acompanhamento da assiduidade, de aspectos da aprendizagem dos alunos e das atividades pedagógicas e culturais desenvolvidas pela escola.

No que se refere à proposta do primeiro segmento da EJA, no Tempo de aprendizagem três (TAP III), trata-se de trabalhar com os conteúdos das primeiras séries do Ensino Fundamental , considerando-se as necessidades dos alunos, jovens e adultos, e as questões e conteúdos relacionados a suas vivências que sejam importantes para sua atuação no meio social, e também no mundo do trabalho. Quanto ao trabalho com as linguagens oral e escrita,

propõe-se uma ênfase na ampliação da expressão oral, do reconto de narrativas, do relato de vivências, através da construção de textos diversos considerando-se os gêneros e as suas etapas de produção (SMED, 2014).

Para Ferreira (2009), a EJA apresenta um arcabouço de discussão no campo educacional, mas, no entanto, quando se trata dessa modalidade, a presença de alunos com deficiência em sala de aula significa notar um terreno ocupado recentemente, com questões ainda lacunares, embora com gradativas mudanças. Em seu estudo sobre a EJA e o estudante com deficiência, a autora afirma que: “o jovem e o adulto com deficiência continuam, portanto a ser matriculados em escolas especiais, classes especiais ou em turmas regulares do Ensino Fundamental com crianças pequenas”. (FERREIRA, 2009, p. 77) Nesse contexto, muitas classes ou escolas especiais assumem o papel de tratar da educação da pessoa, com práticas enraizadas numa visão de integração desses estudantes, e não de inclusão.

Em um primeiro momento, a mãe da aluna teve receio de colocá-la em um turno noturno, pelas demandas que tem em relação à dinâmica com Deise, nos turnos opostos, e pelo medo da violência no bairro. A aluna vai ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), na SRM pela manhã, em dois dias, e, à tarde, participa de atendimentos específicos em uma instituição especializada, durante a semana. Para a mãe de Deise, a escola significa o desejo de que ela aprenda a ler e escrever, para que ela possa se desenvolver cada vez mais. Mesmo diante das dificuldades em vivenciar a tripla jornada, aposta na melhora de Deise pela aprendizagem a partir da escola.

No aspecto didático-pedagógico, para o atendimento da aluna na sala de aula, os profissionais da escola municipal afirmam estarem abertos a acolher e a encontrar caminhos para atender aos alunos com deficiência. No decorrer das visitas e observações do campo de pesquisa, foi possível escutar a experiência de alunos com deficiência intelectual, que se desenvolveram bastante, quando foram para turmas de jovens e adultos, para grupos mais amadurecidos condizentes com as próprias demandas da sua etapa da vida. Alguns alunos abandonaram até mesmo certos comportamentos infantilizados desenvolvidos, porque em anos anteriores estavam com alunos menores. E na Educação de Jovens e Adultos, houve um ganho em atitudes e no envolvimento decorrente do convívio social com colegas mais experientes.

Em suas análises Ferreira (2009) traz uma discussão da escola para todas as pessoas, e destaca que o quadro educacional mostra certo foco de preocupação com o Ensino Fundamental, mas para o jovem ou adulto, estudante com deficiência, há ainda distorções, poucos debates e escassez de efetivas de práticas de atendimento pedagógico. A autora

reforça ainda uma preocupação com a invisibilidade das necessidades educacionais especiais desses alunos e esse contexto acaba por reforçar práticas escolares excludentes ou, muitas vezes, inadequadas a esse público.

Sganderla (2012) concorda com Ferreira (2009) e reafirma a ideia de que há uma frequente oferta de ensino para jovens e adultos em instituições especializadas de cunho assistencial, ocupando o espaço do atendimento pedagógico desses alunos, ainda de forma segregada. Entretanto, numa perspectiva de escola para todas as pessoas, Sganderla afirma que:

ação e planejamento também devem contemplar a especificidade dos alunos de EJA com deficiência, devendo compor-se de uma forma altamente organizada e contínua; [...] apresentada uma variedade maior de maneiras e situações; e que proporcione maior aplicação das habilidades aprendidas (SGANDERLA, 2012, p. 177).

Considerando a transversalidade na educação especial nessa perspectiva inclusiva, que perpassa por níveis e modalidades, os alunos necessitam ser apoiados de forma efetiva em suas necessidades educacionais especiais, principalmente, no que se refere ao seu processo de alfabetização. Os meninos e meninas com deficiência necessitam ter garantidos a possibilidade de apropriação de saberes científicos, assim como os demais alunos, tendo acesso ao saber em condições de igualdade (FERREIRA, 2009).

Na escola pública, certas questões que se referem às de ordem política, social e estrutural apresentam também um atravessamento no trabalho pedagógico da EJA. Durante a pesquisa de campo, por exemplo, houve nessa escola municipal, a extinção de turmas no início do ano, a superlotação de salas, enquanto se aguardava a chegada de professores, questões estruturais ainda carentes de melhorias (a exemplo de instalação elétrica danificada e sem funcionamento, à noite, e de equipamentos com defeito), ajustes na organização da jornada de trabalho do professor, fatos que colaboraram para a deflagração de uma greve docente em reivindicação de melhorias na qualidade da educação, no mês de fevereiro.

Do ponto de vista da aprendizagem e das questões que cercam o ensino da escrita, para ambas as escolas, pode-se dizer que a perspectiva inclusiva propõe outro ponto de vista com relação ao trabalho pedagógico. Trata-se de buscar uma transformação escolar em seu modelo de ensino, rígido e inflexível e, principalmente, no que se refere ao acolhimento das particularidades do processo de aprendizagem de cada aluno em relação aos conteúdos/objetos de conhecimentos trabalhados pela escola.

Nesse sentido, a discussão sobre os alunos com deficiência intelectual e os gestos reveladores de escrita aponta para a necessidade de se considerar o espaço escolar como um

campo privilegiado, de múltiplas formas de linguagem, de encontro com as várias maneiras de estar-no-mundo, de compreensão dessa diversidade humana, na forma de ser e de se comunicar com os outros. Entende-se que, nesse trabalho pedagógico, é necessário ver com os olhos de Diego, o filho de Santigado Kovadloff (GALEANO, 2014), para reconhecer as possibilidades, os caminhos que cada pessoa estabelece, em suas inter-relações com um meio e que se realizam nas tramas humanas.

Nas observações dos três alunos, Vanessa, Pedro e Deise, foi possível notar alguns movimentos recorrentes do corpo aderidos às falas e também para apoiar aspectos das suas produções escritas. Há uma relação interessante entre gestos e escrita, que suscita reflexões sobre essas ocorrências em sala de aula que serão desenvolvidas nos próximos capítulos.

3- GESTOS E ESCRITA NO ESPAÇO ESCOLAR: LINGUAGENS (IN)