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4. A ESCOLA – “UM MUNDINHO BORBULHANDO”

4.1 A escola: o espaço

O espaço físico da escola pesquisada pode ser descrito como sendo constituído por um prédio de dois andares, onde se encontram as salas de aula. Ao lado desse prédio está o pátio, lugar que contempla os banheiros, a sala de informática, a sala da inspetora e a cozinha. Este pátio é grande e nele há um portão que dá acesso à entrada dos estudantes, além de uma separação do espaço do pátio que possibilita a presença da casa em que reside a inspetora35.

Ao lado do pátio, no sentido contrário ao do prédio das salas de aula, encontra-se a quadra esportiva. Entre o prédio e o pátio, um largo corredor dá acesso à secretaria, sala da diretora, entrada formal da escola, sala dos professores, sala da coordenadora e sala de vídeo.

Para o(a) leitor(a) visualizar melhor a disposição dos espaços, abaixo, é apresentada uma planta simples, feita apenas para indicar a disposição dos locais. Cada número representa um dos espaços internos da escola:

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O marido da inspetora é o caseiro da escola, responsável por abrir e fechar a escola, bem como cuidar das plantas e das instalações. A inspetora trabalha na escola contribuindo para a vigilância dos estudantes, a organização das aulas, bem como no repasse de material para os estudantes e professores.

Legenda

1. Entrada Formal. 8. Prédio (salas de aula). 2. Secretaria. 9. Casa da Inspetora.

3. Sala da Direção. 10. Portão de entrada dos(as) estudantes. 4. Cozinha. 11. Sala de Informática.

5. Sala dos Professores. 12. Banheiros. 6. Sala de Multimídia. 13. Quadra. 7. Sala da Coordenação. 14. Pátio.

A escola pesquisada apresenta uma arquitetura36 que, de certo modo, contribui para uma ideia de isolamento, logo na entrada é possível observar como o diálogo com a secretária é dificultado pela disposição e organização do espaço físico.

A entrada da escola é um lugar peculiar, pois é um espaço onde as pessoas ficam entre uma porta de entrada (que tem um interfone do lado de fora) e outra porta grande de vidro fosco, ambas só podem ser abertas por pessoas que se encontram dentro do espaço escolar (local externo a quem está neste local de entrada). Neste espaço inicial encontra-se uma espécie de janela, a qual a secretária da escola usa para se comunicar com as pessoas que ali chegam (pais, estudantes, etc.). Esta é a única forma de comunicação com alguém neste espaço da entrada. Antes de entrar neste local há um interfone na parte de fora, antes da porta de entrada; portanto, se uma pessoa ficar presa no espaço de entrada, não há a possibilidade de avisar alguém.

36 A arquitetura atual da escola é resultante de mudanças realizadas ao longo dos anos, como, por exemplo, a

Foto 1: Entrada Formal. Foto: Paula Pulgrossi Ferreira.

A entrada dos estudantes ocorre às sete horas, por um portão que fica do outro lado do quarteirão, isto é, a secretária fica de um lado e o portão de entrada dos estudantes fica do outro lado do quarteirão. Neste portão de entrada dos estudantes (na legenda conta como número 10) fica a inspetora, que acompanha cotidianamente a entrada dos estudantes e conhece todos(as) eles(as). Além de cumprimentar e permitir a entrada na escola, a inspetora também verifica quem está de uniforme e quem não está.

Logo na entrada é possível observar um clima descontraído entre os estudantes, é um momento de sociabilidade para eles, de encontro, de conversas e risadas. A ida a escola vai além de uma simples busca por formação, ela permite a esses(as) jovens interagir com outros sujeitos, tão iguais e tão diferentes deles.

Segundo as normas estabelecidas pela escola, os(as) estudantes que chegam atrasados entram pela entrada formal e devem estar acompanhados dos pais, ou a escola liga para os responsáveis para que estes venham até a escola para assinar um termo que libera a entrada do(a) filho(a). Caso contrário, o(a) estudante que quiser entrar na escola ficará impossibilitado(a).

Ao refletir acerca da arquitetura da instituição escolar, Possato e Zan (2014, p. 2180) abordam como a arquitetura escolar está, muitas vezes, vinculada à violência e à ideia de

controle, apontando o impacto da organização do espaço escolar no cotidiano dos sujeitos que ali frequentam, bem como na representação deste espaço no imaginário social.

O espaço físico traduz as relações de poder existentes, tanto em seu interior, como em seu exterior. Deste modo, escolas que parecem cárceres, que possuem marcas do descaso do poder público, nos fornecem indícios para desenvolvermos um estudo sobre a violência e o controle nas instituições educativas.

Não podemos nos esquecer de que a organização de uma arquitetura igualmente é uma organização política.

Compreendendo dessa forma, é possível observar que a arquitetura dessa escola cria uma barreira entre esta e as pessoas que buscam entrar em contato com a instituição, pois a entrada formal dificulta o acesso das pessoas à escola, bem como caracteriza um lugar fechado e incomunicável. Assim, o contato dos pais e da comunidade com a escola é reduzido à janela de atendimento, demonstrando um distanciamento da instituição em relação à comunidade.

Para Dayrell (2001, p. 147), a arquitetura escolar expressa a concepção educativa do lugar:

A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras. Desde a forma da construção até a localização dos espaços, tudo é delimitado formalmente, segundo princípios racionais, que expressam uma expectativa de comportamento dos usuários. Nesse sentido, a arquitetura escolar interfere na forma da circulação das pessoas, na definição das funções para cada local. Salas, corredores, cantina, pátio, sala dos professores, cada um destes locais tem uma função definida “a priori”. O espaço arquitetônico da escola expressa uma determinada concepção educativa.

Deste modo, podemos observar que a concepção pedagógica desta escola se pauta por organizar um espaço que reduz o contato da instituição com a comunidade, bem como torna a entrada dos estudantes que chegam atrasados um problema que deve ser resolvido a partir da presença dos pais, ao invés de assumir uma postura de maior incentivo à autonomia desses(as) jovens.

Todavia, é importante também destacar, partindo de Charlot (2002), ao discorrer acerca das novas formas de violência que atravessam a escola no contexto francês, que essa pode ser uma estratégia da escola na tentativa de se proteger contra formas de violências advindas dos pais e da comunidade em geral, como por exemplo: pais que brigam por causa da avaliação do(a) filho(a). Nas palavras de Charlot (2002, p. 433) “(...) a escola não se apresenta mais como um lugar protegido, até mesmo sagrado, mas como um espaço aberto às

agressões vindas de fora”. A escola, num contexto de fragilidade de seu papel e importância, muitas vezes pode estar assumindo uma postura de isolamento.

Deste modo, Charlot (2002) demonstra que, ao mesmo tempo em que a escola violenta, ela também é violentada. Segundo o autor, devemos distinguir a violência que acontece no âmbito escolar em violência na escola, violência à escola e violência da escola. A primeira consiste na violência que ocorre no espaço físico da instituição educativa, contudo não está ligada à natureza e às atividades da escola. Já a violência à escola está articulada à natureza da instituição e às suas atividades, como exemplo o autor aponta o(a) estudante que insulta ou agride o professor. E a violência da escola representa a violência institucional:

(...) que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modos de composição de classes, de atribuição de notas, de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos como injustos ou racistas...) (CHARLOT, 2002, p. 435).

Frente a esta perspectiva, ao longo deste trabalho foram observadas as três distinções apontadas por Charlot: a violência na escola, onde os estudantes se agridem; a violência à escola, em que foi possível constatar momentos de desrespeito ao professor, e a violência da escola, a qual se apresenta nas falas dos estudantes entrevistados acerca das injustiças e da falta de respeito promovida pelos funcionários da escola.

Ao longo deste capítulo, os(as) leitores(as) poderão notar as violências apontadas de maneira mais clara, na descrição das relações presentes na escola pesquisada.

Dando prosseguimento à descrição da inserção no espaço escolar, a minha entrada na escola inicialmente começou pela secretaria (entrada formal), pois como não era pertencente a esse lugar, acreditava que seria mais correto entrar pelo espaço destinado a receber pessoas que não participam do cotidiano escolar. Após algumas semanas, a partir da maior interação com os(as) estudantes, bem como com os demais sujeitos do espaço escolar, passei a entrar pelo portão dos estudantes.

O clima dos estudantes durante a entrada na escola é muito semelhante com o clima do momento da saída, ambos são atravessados com sons de risadas, conversas, músicas, momentos para tirar fotos, uso dos celulares, entre outros elementos que fazem parte do cotidiano desses jovens.

Às sete e quinze toca o sinal, indicando que é o momento de ir para as salas, a inspetora grita alertando os estudantes que ainda estão do lado de fora: “Eu vou fechar o portão”, e então todos se movimentam para entrar no espaço escolar.

Nesta escola, os estudantes do Ensino Médio mudam de sala a cada alteração da disciplina no horário escolar, similar à proposta pedagógica de organização em sala ambiente, o que permite uma pequena pausa entre uma aula e outra; sendo assim, cada dia a aula iniciava-se em uma sala diferente.

No pátio, há um quadro no qual ficam os horários de cada aula, toda manhã grande parte dos(as) estudantes consultam as aulas que teriam naquele dia.

Desse modo, com vistas a conhecer os(as) jovens pertencentes ao primeiro ano do Ensino Médio, as observações realizadas no espaço escolar aconteceram nos seguintes espaços: salas de aula e pátio.