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4. OS RITUAIS COMUNICATIVOS NO ENSINO/

4.1. A escolha do corpus

Para se chegar à escolha de somente três tipos de rituais comunicativos — saudação, apresentação e despedida — para representarem a dinâmica e a organização existentes num reduzido conjunto de falas geralmente integrado ao conjunto maior das interações verbais, ou às vezes só pontuando os encontros apressados do dia-a-dia com a marca verbal nos atos de linguagem, alguns processos tiveram que ocorrer e o percurso nem sempre foi evidente.

Primeiramente, foi pensado pinçar tudo que pudesse ser reconhecido com ritual comunicativo nas trocas verbais gravadas entre alunos de FLE do curso extracurricular da FFLCH-USP, no 2º semestre de 1999. Como parte da avaliação oral de final de curso, isto chegou a ser feito com a concordância dos alunos. Depois da transcrição de todos os diálogos o que se percebeu foi um corpus muito ‘standardizado’, com um conteúdo que refletia a pouca variedade do léxico ao qual os alunos

tiveram contato e, talvez por isso, muito atrelado às próprias falas dos personagens do método adotado. O que se poderia esperar de alunos de nível básico de FLE? Já havia um ganho em toda essa experiência, que era deixar os alunos animados com a possibilidade de ‘conversarem’ em Francês, sem precisarem seguir, linha por linha, o que ‘François’ ou ‘Martine’ dialogavam no método, e sem serem interrompidos a todo instante com correções que poderiam até ser feitas posteriormente pelo professor. Com uma produção verbal ainda acanhada dos alunos de FLE nível básico, pelo fato de se reportarem com mais freqüência ao método e à própria língua materna, o corpus acabaria se mostrando enfraquecido, com poucos recursos frente ao tema proposto. Constatou-se então a necessidade da elaboração de um corpus mais vigoroso, que pudesse dar conta da riqueza do universo lingüístico, social e cultural contido nas interações verbais de uma língua, que no caso é o francês, e de um povo, que no caso é o francês também (como poderia ser o belga, o canadense ou o suíço, com suas variações sociais, lingüísticas, culturais, mesmo sendo ainda a língua francesa).

Devido à variedade de rituais comunicativos inscritos nas interações sociais entre os indivíduos da comunidade à qual pertencem, sentia-se a necessidade premente de se fazer um recorte para viabilizar a elaboração, análise e conseqüente apreciação do material. Como havia uma preocupação desde o início desta pesquisa voltada ao aprendiz de nível básico, com suas dificuldades múltiplas de contato com a língua/cultura estrangeira, por que não refletir isso na escolha de rituais que melhor pudessem viabilizar justamente o acesso desse alienígena ao universo que ele pretende e quer conhecer, tomar contato, apreender e até gostar e — quem sabe — se apropriar de boa parte dele? Daí para a escolha do ritual de saudação foi um passo quase óbvio. A leitura de Goffman14 incitou a uma tomada de decisão que focalizasse as saudações.

Como as apresentações também fazem parte dessa mesma idéia de ‘contato’, aliás, ‘primeiros contatos’, seria conveniente que fizessem parte desse mesmo conjunto. Quem cumprimenta, em algum momento se despede; quase sempre. Por que não agregar o ritual de despedida como fechamento já que houve uma abertura num ciclo interacional? Assim sendo, foi natural optar pela inserção de mais esse tipo de ritual no corpus deste trabalho.

Concomitantemente à escolha de quais rituais deveriam compor o corpus, o veículo e o gênero para transmiti-los, também já se configuravam e mais uma etapa precisava ser construída. A escolha do veículo anterior recaía na utilização de um gravador e uma fita cassete. Mas por que não avançar um pouco mais e não só usar a audição, mas também a visão, que poderia captar gestos não ditos porém tão significativos para as impressões (boas e ruins) de um povo e sua língua? A TV foi o veículo escolhido e a gravação de vários filmes e telefilmes para posterior escolha de cenas de rituais para composição do corpus pôde ser viabilizada de forma mais prática e menos onerosa (do contrário, teria que ir às locadoras à procura de filmes franceses, alugá-los mais de uma vez etc.) graças à existência da TV5 (TV a cabo francesa).

A elaboração de um vídeo e a proposta de sua utilização em qualquer contexto de ensino/aprendizagem de FLE não visa entretanto, substituir outros materiais didáticos e sim, se juntar a esses e somar apoio no que diz respeito tanto ao aperfeiçoamento da compreensão oral da língua alvo quanto na abertura que se pode ter para quebrar paradigmas sedimentados através da língua e cultura maternas. Ao elaborar um material em vídeo, os elementos prosódicos e não-lingüísticos da comunicação (gestos, mímicas etc.) podem ser melhor explorados, verificados e apreendidos e, dessa forma, melhor integrados ao ensino da comunicação de uma determinada língua/cultura. Quanto ao gênero, os filmes e séries francesas foram a escolha mais próxima encontrada para

representar as situações do cotidiano nas interações verbais face a face, segmento esse que ilustrou desde o começo a sustentação teórica deste trabalho, além de permitirem a observação de detalhes muitas vezes desapercebidos em outros tipos de abordagem tais como preferências lingüísticas (muitas vezes designando o tipo de classe social), intonações, gestos, expressões, tipos de construção, preferências alimentares, tipos de lazer etc. Por se tratarem de documentos autênticos, i.e., destinados a falantes nativos, sem nenhuma preocupação pedagógica, tornam-se uma interessante via de acesso não só à aprendizagem do conteúdo lingüístico que veiculam, mas também à aprendizagem de sua dimensão pragmática e social.

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