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ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

2.1. O desenho da pesquisa

2.1.1. A escolha do campo

A escola

(p.27), No botequim, de Jô Soares, (p.47), Brasil 2063, de Stanislaw Ponte Preta (p.63), Uns pelos outros, de Ruth Rocha (p.85) e Relações interplanetárias, de Marcos Reis (p.110).

A pesquisa realizou-se em um colégio particular de médio porte, na Zona Leste da cidade de São Paulo. É uma instituição de ensino que sempre se preocupou em acompanhar as mudanças educacionais e pedagógicas propostas pelos PCNs ou por pesquisas da área. Este colégio desenvolve inúmeras atividades educacionais e projetos pedagógicos de cunho sócio-construtivista (modo como se auto-define), apesar de sofrer limitações financeiras da sociedade mantenedora, que restringe algumas ações pedagógicas mais inovadoras. Embora seja um colégio bastante avançado em propostas educacionais, não possui uma biblioteca informatizada.

O principal fator que nos levou a optar por esta escola foi a facilidade de acesso à coordenação (que sempre se mostrou muito solícita e prestativa em colaborar, incentivando, inclusive, a produção dessa pesquisa desde seu embrião), o acesso e conhecimento do material didático utilizado na escola e, por último, o conhecimento dos alunos, pois já havíamos trabalhado como docente das turmas de 5a série matutino por dois anos e meio, antes de nos afastarmos da função para a realização do curso de mestrado.

No período de docência nesse colégio, tivemos a oportunidade, e o apoio da coordenação pedagógica, para desenvolver várias atividades de incentivo à leitura, tais como: manutenção de uma biblioteca de classe, uso do Passaporte de Leitura”, participação voluntária no sarau da leitura; visitas mensais à biblioteca da escola; listagem de livros considerados, pela professora, bibliotecária e editoras, adequados para a faixa etária desses alunos.

16 O LD Palavra verso e reverso, da editora FTD, no seu capítulo final traz uma crônica que exige do leitor a

As atividades, sucintamente descritas acima, continuaram sendo apoiadas pela escola e mantidas pela professora que assumiu as turmas após nosso afastamento e que continua até o presente como regente de Língua Portuguesa das turmas de 5a série do período matutino.

Como já foi mencionado, uma das atividades de incentivo à leitura que iniciamos quando lecionávamos nesse colégio, que foi decisiva para a elaboração desta pesquisa, foi o Passaporte de Leitura. Esse instrumento incentivador da leitura é uma adaptação de uma atividade, realizada com sucesso na Bélgica, descrita por Bamberger (1995). A versão original do Passaporte possui questões de múltipla escolha sobre a compreensão de certos livros indicados no documento, enquanto que a versão por nós desenvolvida não se preocupava em avaliar a compreensão, mas apenas em incentivar o gosto pela leitura livre. Assim, não possuía questões de compreensão sobre determinados livros a fim de não impor ao aluno nenhuma leitura. Essa mudança ocorreu por parecer-nos contraditório fornecer um Passaporte que tinha por objetivo incentivar “a viagem por mundos desconhecidos” segundo preferências individuais e, ao mesmo tempo, só permitir tal deleite “turístico” se fosse realizada uma “excursão” (com todos os alunos) para o passeio escolhido pelo professor ou elaborador do Passaporte. Era uma atividade lúdica (veja as instruções de uso do Passaporte no anexo 2) que simulava uma viagem feita para um mundo virtual. Semanalmente o professor carimbava o passaporte de cada aluno que havia feito alguma “viagem” naquela semana. Assim, o professor acompanhava individualmente a evolução da quantidade e velocidade de leitura do aluno e ainda podia conversar com cada um sobre o livro que havia lido, de modo a continuar incentivando-o a ler, até

indicando algum outro livro, se o aluno pedisse. O professor também solicitava que alguns alunos se oferecessem para contar o enredo de algum livro que consideravam digno de recomendação para os colegas. Podemos considerar que esse instrumento de incentivo à leitura obteve êxito, já que praticamente todos os alunos passaram a ler mais livros paradidáticos do que estavam habituados (em média, leram 12 livros no ano, alguns chegando a 35 livros lidos) e criou-se o hábito de ler17, comentar sobre livros lidos (e não somente sobre filmes, programas de TV ou videogame), freqüentar a biblioteca e trocar livros com os colegas.

Formalmente (veja sua reprodução no anexo 3a e b), o Passaporte de Leitura consiste em um pequeno caderno de formato, tamanho e cor semelhante aos de um passaporte brasileiro oficial. O verso da capa possui uma espécie de bolso, feito pelos alunos, para aí guardar a carteirinha da biblioteca. A primeira página possui espaços para o aluno preencher seus dados pessoais, indicando, inclusive, o local de devolução caso haja perda. Na página 2 há orientações de uso do passaporte, escritas em linguagem simples e relacionando a leitura a uma viagem (ver anexo 2). As próximas vinte páginas são idênticas: na parte inferior, há espaço para que se escreva o resumo do livro, apenas para lembrar-se de seu enredo posteriormente, e o comentário sobre a obra lida; na parte superior há um cabeçalho para ser completado com informações bibliográficas do livro lido e o tempo utilizado na leitura. Esse campo foi incluído na nossa versão do Passaporte porque, quando o elaboramos, acreditávamos que quanto mais rápido o aluno lia, melhor seria a sua compreensão. Embora soubéssemos que

17 Mesmo quando já não era professora da turma, os alunos das séries seguintes que haviam feito uso do passaporte

há livros que exigem mais nossa atenção, pela dificuldade do assunto ou do vocabulário, nessa proposta, não consideramos tais diferenças, pois os livros disponibilizados na biblioteca de classe ou da escola possuíam indicação de adequado para a idade e a série desses alunos. Baseado em teorias cognitivas e metacognitivas sobre capacidade de memória de leitura, o passaporte visava desenvolver, além do hábito pela leitura prazerosa, a habilidade de leitura rápida. Para isso, o aluno era orientado pela professora a marcar um minuto no relógio e fazer a leitura de um trecho qualquer do livro. Quando terminado o tempo, que poderia ser marcado por um colega, o aluno contava quantas palavras tinha lido nesse período. Anotando no Passaporte a possível evolução da velocidade de leitura, o aluno se sentiria motivado a continuar a ler cada vez mais livros, para assim ler cada vez mais rápido e supostamente compreender melhor. Seria um ciclo de auto-motivação: o aluno lê para melhorar a leitura e compreensão e, percebendo que está melhorando o seu desempenho, continua a ler. Quanto mais habituado a ler o aluno estiver, mais fácil será essa atividade para ele.

Esclarecemos que este era o uso inicial do passaporte como instrumento

incentivador da leitura na época em que foi elaborado e apenas com o objetivo de estimular o hábito de leitura. Ele não tinha pretensões de avaliar a compreensão ou conduzir o aluno a ela. Para este estudo, utilizamos o Passaporte apenas como fonte de dados do número de livros lidos e selecionamos esse colégio e essas turmas porque participavam de atividades de incentivo, o que servia como diferenciador das outras turmas de outros colégios e até mesmo das outras 5a séries vespertinas. Além comentários sobre os livros que estavam lendo. A relação professor-aluno ficou menos tensa e houve a oportunidade

disso, precisávamos de alunos que realmente haviam lido grande quantidade de livros para testar a nossa hipótese inicial sobre a relação da quantidade de leitura com a qualidade.

As turmas

Ao iniciar a 5a série, a criança termina o 1o e2o ciclos do Ensino Fundamental, o que antigamente chamava-se de “primário”. Nessa fase, um estágio de amadurecimento (desenvolvimento) foi alcançado e muitas atividades realizadas desde o início da escolarização são simplesmente abandonadas. O interesse pela leitura, que era crescente devido às atividades de incentivo desde a primeira infância, inicia, na 5a série, um percurso decrescente, já que atividades sistemáticas de leitura são praticamente abandonadas18. Entretanto, a criança de 5a série nada mais é do que a mesma criança de 4a série que retorna à escola após curto período de um mês de férias, com poucas mudanças e um amadurecimento mínimo, por isso necessita ainda de atividades que continuem a desenvolver suas capacidades, tais como as já realizadas nas séries anteriores ou experiências didáticas novas (como o Passaporte de Leitura, acima descrito). O nível foi escolhido por eliminar uma possível justificativa para as dificuldades de leitura relacionadas, pois supomos estarem os alunos plenamente alfabetizados, ainda mais porque os alunos selecionados praticamente já

de criar-se até um vínculo de amizade por causa das atividades de incentivo à leitura.

18 Villard (1997, p.4) diz que “(...) à medida que os alunos avançam na escolaridade, menor a ligação que têm com

a leitura, como se os procedimentos pedagógicos adotados, ao invés de aproximar os estudantes, fossem, aos poucos, afastando-os dos livros, criando entre eles uma relação de enfado e desinteresse.”

terminaram o ano letivo da 5a série, visto a coleta de dados ter ocorrido em novembro de 2000 (uma semana antes das provas finais).

Os alunos do colégio possuem um nível sócio-econômico condizente com o padrão da classe média de São Paulo: entre outras coisas, têm acesso fácil a publicações escritas variadas e outros meios de comunicação.

A escola possui três turmas de 5a série no período matutino, regidas por uma professora mestranda da USP (graduada há sete anos), com pouca experiência profissional em Ensino Fundamental. Diferentemente dos outros professores da mesma série no período vespertino, que tiveram uma formação acadêmica mais tradicional, a professora das turmas do período matutino mostrou-se solícita em colaborar com a pesquisa. Então, limitamo-nos às três turmas do período matutino por estas estarem bastante envolvidas com atividades de incentivo à leitura.

Os alunos

Dentre aproximadamente 95 alunos das três turmas de 5a série do período matutino, selecionamos 18 alunos para o estudo. A seleção deu-se pelo cruzamento de 2 dados:

1 – a quantidade de leitura realizada, e anotada no Passaporte, durante o ano letivo até o momento da pesquisa, ou seja, 3 bimestres letivos;

2 - A manifestação ou não do gosto pela leitura, indicado na resposta da primeira questão de um questionário respondido por escrito, por todos os alunos das três salas de 5a série.

Dessa forma, com base nos dois critérios acima e coerentemente com nossa hipótese inicial de estudo de que o hábito e assiduidade de leitura desenvolveria a compreensão (quanto mais leitura, melhor compreensão), selecionamos os alunos conforme o número de livros lidos. Assim, classificamos 9 alunos como leitores assíduos por declararem gostar da leitura e apresentarem 8 ou mais livros anotados no Passaporte, e outros 9 alunos como leitores não assíduos por declararem que não gostam de ler (ou gostam de vez em quando) e somente terem anotado 1 ou nenhum livro no Passaporte durante os 3 primeiros bimestres escolares. Um outro critério, que serviu apenas para confirmar a classificação por nós estabelecida, foi a opinião da professora das turmas sobre o aluno ser bom ou mau leitor: todos os alunos por ela indicados como bons leitores correspondem aos que lêem muito e os maus, aos que lêem pouco. O critério por ela utilizado para classificá-los dessa forma não foi revelado, mas conforme o boletim de avaliação contínua, que avalia a leitura na habilidade “Lê com fluência, boa dicção e entonação correta”, podemos supor que seu critério, assim como o da escola, também seja o da oralização. Para evitar problemas metodológicos, desconsideramos os alunos que leram 5 ou 6 livros porque seria difícil enquadrá-los em uma das duas categorias, uma vez que a quantidade podia ser considerada tanto como o limite inferior do grupo de leitores assíduos quanto como o limite superior dos livros lidos pelos não assíduos.

A sistematização dos dados utilizados para seleção podem ser vistas a seguir, no quadro 2.1:

QUADRO 2.1: A seleção dos sujeitos

S = sim (gosta de ler) N = não (não gosta de ler)

+ - = gosta de ler de vez em quando ou gosta mais ou menos, dependendo do que lê

Nota: Alguns alunos apresentaram o Passaporte contendo um determinado número de livros anotados, mas declararam ter lido mais livros que não foram anotados. Nesses casos, foi considerado o maior dado.

Alunos de leitura assídua Alunos de leitura não assídua

Iniciais dos sujeitos FC LT D LB L T P LR LS G F RS O B FM H FP RL

no de livros lidos 28 10 28 11 28 21 21 9 8 0 0 1 1 1 0 1 0 1

Para esta seleção, houve três dificuldades dignas de nota: apesar de interrompermos, por duas vezes, as aulas e pedirmos que entregassem o Passaporte para fins de pesquisa e não de avaliação, muitos alunos não o fizeram; alguns destes que não entregaram o instrumento de incentivo relataram verbalmente o número de livros anotados; outros alunos entregaram o passaporte, mas alegaram terem lido mais livros e não os terem anotado, porque isso tomaria muito tempo ou era chato. Nesses dois últimos casos, considerou-se o que foi relatado verbalmente.

Quanto ao questionário de onde foi retirado o segundo critério de seleção, este era constituído de 5 questões, que visavam nos fornecer uma breve caracterização dos hábitos e modelos de leitura dos sujeitos. As questões eram:

1 Você gosta de ler? Por quê?

2 Que você costuma ler em casa? (revistas, livros, jornal, gibi, etc.) 3 Quando você lê?

4 Que tipo de livro você lê?

5 E as pessoas com quem você mora (pai, mãe, irmãos, avós etc.), o que costumam ler? Indique cada um deles separadamente e coloque, entre parênteses, a idade de seus irmãos.

Essa caracterização tinha como objetivo determinar como e o quanto o aluno está inserido em práticas de letramento. Entretanto, tivemos contato apenas com as informações declarativas dos alunos e estas não foram, em momento algum, confirmadas por outro instrumento.