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A escolha da profissão: sonho, desejo interno ou influência externa?

A escolha da profissão era uma categoria que não havia sido prevista nesta pesquisa, mas emergiu com a impregnação no corpus. Percebi, nas leituras dos memoriais, que a escolha por ser professora, por fazer o curso de magistério, hoje curso normal em nível de ensino médio, era relatada por grande número de alunas- professoras antes de iniciar a narrativa de sua trajetória na formação acadêmica.

Esses relatos chamaram a atenção, pois mesmo nos anos 1980, época em que a maioria das autoras dos memoriais escolheu sua profissão, as marcas, as questões históricas e culturais referentes ao trabalho da mulher estavam presentes em várias narrativas. A escolha do magistério como a profissão adequada para quem quer ter filhos e trabalhar, ou seja, o fato de a mulher não precisar abandonar o lar em tempo integral para exercer sua profissão, além de estar em contato com crianças foram relatados por esses sujeitos da pesquisa. Para Almeida historicamente,

Apesar da profissão de professora ter assumido contornos de maternidade e esculpir-se nos moldes da formação de boas donas de casa e mães de família, esse foi o primeiro passo dado pelas mulheres no período22 a fim de

adquirir alguma instrução e conseguir o ingresso numa profissão. (ALMEIDA, 1998, p. 23).

Essa marca histórica estava fortemente presente na escolha da profissão. Ser professora para uma mulher era ideal, pois assim podia-se ter a possibilidade de trabalhar só num turno e ter mais tempo para a casa e filhos (P17). O fato de a mulher ter uma profissão, não significa que não assuma outros papéis. Atualmente, por questões de desvalorização social e baixa remuneração, ser professora exige que a mulher trabalhe diariamente, em turno integral e, muitas vezes, assuma atividades extras para poder melhorar sua renda e o orçamento familiar. Para isso, ao ter seus filhos, estes precisam ser cuidados por outras pessoas ou frequentar creches e escolas de educação infantil. Trago essa reflexão por perceber que o magistério como profissão ideal para a mulher está se desmistificando. Trabalhar em

22 Período aqui compreendido a partir de 1876, com a abertura da sessão feminina da Escola Normal no

um só turno, atualmente, é a realidade de várias professoras aposentadas, que são novamente contratadas e continuam exercendo suas atividades docentes.

O magistério visto como a profissão adequada para as mulheres remete às questões de gênero. Além das influências positivas de antigas professoras e da mãe, que, em muitos casos, era professora, a profissão foi vista como um ideal a ser seguido por muitas mulheres.

Indícios sinalizam que, há alguns anos atrás, o magistério era visto como um espaço, uma opção de trabalho que garantia uma vida profissional para muitas mulheres, além de ser uma opção para não permanecer cuidando da casa e dos filhos.

A apreciação pela figura da professora foi outro fator que contribuiu para a escolha da profissão, juntamente com a influência da mãe. Em alguns memoriais, o momento da alfabetização foi muito importante. A admiração pela professora que possibilitou a descoberta do mundo da leitura e da escrita foi um grande incentivo no momento da escolha da profissão. Talvez possa afirmar que, para algumas das autoras dos memoriais, a escolha pela profissão possa ter ocorrido pelas marcas positivas deixadas por professoras dos anos iniciais. Segundo Anastasiou (2003, p. 13), citado por Stecanela (2006, p. 138) “ensinar é deixar marcas e essas marcas deveriam ser de vida, de busca e de despertar para o conhecimento”. No caso de algumas das alunas-professoras, essas marcas despertaram para além do conhecimento, contribuíram para uma escolha profissional. A lembrança e a admiração por antigas professoras e pela escola inspiraram ações, estudos e a caminhada de formação para muitas dessas acadêmicas. Conforme Souza (2006), citado por Porto e Peres (2007, p.81) “no momento em que os sujeitos narram as vivências do processo de escolarização, as situações vividas no espaço da escola vão emergindo ancoradas em vivências sociais e familiares”.

No momento da escolha da profissão, algumas narrativas indicaram a falta de outra opção, essa questão parece muito séria. Se não tenho outra opção, então vou ser professora? Que motivo é esse? Esse dado pode ter relação com fatos históricos de feminização do magistério, em que mulheres marcadas pela exclusão social, que não tinham outra opção, é que estudavam nas escolas normais e

assumiam o ensino público (WERLE, 2005). Esses sujeitos escolheram ser professoras mas, ao mesmo tempo, receberam influências externas que as conduziram à profissão.

Na impregnação do corpus, as expressões sonho e desejo estiveram muito presentes na escolha pelo magistério em nível de ensino médio. Foi surpreendente encontrar nos memoriais a paixão explícita de algumas das alunas-professoras pela profissão que exercem. As opções, escolhas e caminhos trilhados são frutos de desejos pessoais, sonhos e, também, oportunidades oferecidas que constituem uma história de vida (P7). Essa aluna-professora trilhou seu caminho profissional motivada pelo seu sonho.

A escolha da profissão para esse grupo de professoras aconteceu muito cedo e, ao saírem dos bancos escolares, após o magistério ou enquanto o cursavam, assumiram a educação escolar de algumas crianças. Busquei meu caminho, tendo o primeiro emprego que parecia um sonho, foi uma alegria (P11). Da mesma forma que P11, outras alunas-professoras, como P2, P5 e P18 narraram com empolgação o início da vida profissional. Porém, ao mesmo tempo, a falta de oportunidade e a dificuldade financeira impediram muitas de continuarem seus estudos no ensino superior. O desejo de continuar estudando ficou guardado por alguns anos. Renasceu no momento que surgiu a oportunidade de retomar os estudos, agora em nível superior, como acadêmicas no curso de Licenciatura em Pedagogia.