• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 4 – Aprendizagem da língua portuguesa processo e limitações

4.2 A escrita

“A mestria do discurso escrito torna-se, assim, num meio de potencializar a criatividade e a capacidade crítica do leitor, contribuindo, deste modo, para a transformação da esfera cultural onde este se encontra inserido” (SIM-SIM, 2002: 204).

No entanto, segundo CORREIA, os surdos possuem uma autoimagem motivada pelo desagrado pela língua portuguesa, caraterizada como difícil. (CORREIA, 2010: 159). Frequentemente, esta autoimagem serve de negação das dificuldades ou como forma de as camuflar, criando no professor a ideia de que não existem problemas de compreensão.

Assim, segundo BOTELHO (2005), citado em CORREIA (2010), “o surdo pode apresentar outras respostas à estigmatização tais como arrogância, necessidade de afirmação de competências, necessidade de aprovação, superinterpretação e subinterpretação, certeza de incapacidade e auto depreciação” (ibidem). Para o surdo, não saber ler ou não saber escrever é sinónimo de inferiorização.

GAURINELLO (2007), citado em COELHO (2010), defende que as diferenças de escrita existentes entre surdos e ouvintes estão relacionadas com os métodos de ensino e com o desconhecimento da LGP, por parte dos professores, que “fazem depender a aprendizagem da escrita da linguagem oral” (ibidem: 160).

Por outro lado, frequentemente, os professores atribuem à escrita atípica dos alunos as seguintes razões: o desconhecimento da estrutura linguística, o reduzido vocabulário, a dificuldade na conjugação verbal ou a interferência da língua gestual. De facto, como refere CORREIA, “Os surdos apresentam dificuldades na gramática, na morfologia, e na sintaxe, os textos são pobres, não existe coesão entre as ideias e estas,

63

por vezes apresentam-se de modo tão confuso que inviabilizam a compreensão da mensagem” (2010: 160).

Segundo vários estudos, esta ineficiência deve-se à interferência da gramática da LGP e pelo contacto com a LP que, frequentemente, não é suficiente ou não foi bem processado.

PERLIN (2001), citado em CORREIA (2010: 160), alerta para o facto de o surdo

pertencer a um mundo visual e não auditivo […] A cultura Surda não se misturar com a ouvinte, o Surdo não tem de ser um ouvinte: mesmo em relação ao aspecto visual da cultura ouvinte que é a escrita, o Surdo só pode entender a palavra até certo ponto, dentro de signos visuais, porque apesar de visual ela é constituída por signos auditivos, por isso a escrita do surdo não se vai aproximar da escrita ouvinte (CORREIA, 2010: 161).

Em situação de imersão linguística, é rápida a aquisição da língua e das regras gramaticais e por isso, tornamo-nos falantes dessa língua. A expressão oral rapidamente se alarga à compreensão escrita, como uso secundário do mesmo sistema. Contudo, para a criança surda a aprendizagem da compreensão escrita não se processa nestes moldes.

Segundo SIM-SIM (2005: 18), a escrita apresenta um caracter secundário, na medida em que não decorre de um processo natural, tal como a linguagem oral. Assim, requer “o ensino explícito e sistematizado, e pressupondo o conhecimento da estrutura da língua oral representada graficamente” (SIM-SIM, 2005: 18).

Tendo em conta que a estrutura sintática da LGP é muito diferente da estrutura do português, a maioria dos alunos produz textos em português utilizando a estrutura da LGP. Assim, grande parte das dificuldades de escrita dos alunos surdos deve-se à presença de um estádio de interlíngua, onde a sua escrita, ainda que não esteja em total conformidade com a estrutura gramatical da LGP, também ainda não atinge o exigido pela língua alvo (GOMES, 2011: 124).

Desta forma, SIM-SIM (2005) propõe que, quaisquer que sejam as caraterísticas da criança surda, o ensino da escrita deve assentar nos seguintes pressupostos:

 A língua de aquisição natural e espontânea da criança surda não é uma língua oral, logo, a aprendizagem do Português escrito não é para esta

64

população o conhecimento de um uso secundário do Português oral, mas sim, a aprendizagem de uma outra língua.

 O sucesso escolar depende substancialmente do domínio da língua de escolarização, no presente caso, o Português escrito.

 A linguagem escrita, no presente caso o Português escrito, é a modalidade de comunicação mais facilmente partilhada por surdos e ouvintes.

 O domínio da língua escrita, no presente caso, o Português escrito, potencializa o acesso às experiências e realizações da Humanidade, através dos tempos, e permite o acesso pleno aos direitos inerentes à cidadania. (SIM-SIM, 2005: 19 a 22).

O domínio da língua gestual permite à criança surda estruturar o pensamento e comunicar, no entanto a aprendizagem da escrita não se processa de forma natural, como uma vertente secundária da língua. A aprendizagem da escrita constitui simultaneamente a aprendizagem da língua, sendo que a aprendizagem da leitura e da escrita exige um ensino sistematizado. Nesta linha, SIM SIM (2005) perconiza que “há que criar rotinas que conduzam a criança surda à noção de que a escrita contém informação que se destina a ser lida, que essa informação é imutáel, que aparece em meios variados e que se organiza em sequências gráficas de acordo com uma determinada orientação” (SIM SIM, 2005: 32).

É o ensino da escrita que torna o aluno surdo autónomo, desenvolvendo capacidades de literacia, que consequentemente lhe permitem aceder a um maior número de informação e integrar-se na vida escolar e social. “O domínio da linguagem escrita é a via de acesso directo ao conhecimento dos nossos direitos e deveres como membros de uma comunidade alfabetizada” (SIM-SIM, 2005: 23).

Nesta medida, exige-se que os programas de português para alunos surdos se adaptem, de forma a desenvolver as literacias necessárias ao desenvolvimento linguístico do aluno surdo. Segundo BOTELHO (2005),

literacia não é apenas alfabetização, é mais que habilidade de codificação de signo; literacia envolve a cultura e a crítica e exige práticas de leitura e escrita que, por sua vez, dependem das representações que os alunos Surdos têm sobre o significado de ler, escrever, estar na escola e progredir, e das representações sobre a surdez e a linguagem, e da existência de uma língua compartilhada que permita comunicar sobre as vantagens e o prazer que podem decorrer das actividades de ler e de escrever (COELHO, 2010: 161).

65

Desta feita, os problemas adjacentes à compreensão escrita por parte da criança surda, advêm dos baixos níveis de literacia, resultantes do desajuste ou da insuficiência das práticas pedagógico-didáticas decorrentes frequentemente dos programas.

Documentos relacionados