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1. INTRODUÇÃO

1.1 LINGUAGEM E O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

1.1.3 A ESCRITA COMO A FORMA SINGULAR DA LINGUAGEM CIENTÍFICA

Para Lévy (2004), “o alfabeto e a impressão, aperfeiçoamentos da escrita, desempenharam um papel essencial no estabelecimento da Ciência como modo de conhecimento dominante” (p. 87). Sendo assim, dentro do nicho científico, “Não existe teoria enquanto gênero de conhecimento socialmente estabelecido sem um uso regular da escrita” (p. 92).

Nesse aspecto, percebe-se que a Ciência e, como caso específico desse trabalho, as Ciências da Natureza, que abrangem a Biologia, Física e Química é considerada por grupos de interesses políticos e econômicos como sendo de natureza hermética e pertencente apenas a uma pequena sociedade elitizada de cientistas e pesquisadore(a)s que vão ditar as regras do que é tido como educação científica ou não. Entretanto, as Ciências da Natureza, como qualquer Ciência, refazem a leitura do mundo numa linguagem científica; portanto, o problema se encontra na maneira como esse tipo de conhecimento é repassado e como a sociedade se apropria disto. Posto dessa maneira, a escrita como forma de poder e domínio é o tipo de linguagem verbal aceita dentro da comunidade científica, dando pouca ou nenhuma atenção a formas diversas de se expressar o conhecimento científico utilizando outras linguagens não verbais. Isto pode também indicar uma fragilidade e uma dificuldade na concepção de como as sociedades científicas abordam a linguagem essencialmente escrita, em detrimento a outras linguagens não verbais. Mesmo sabendo-se que a forma de se ensinar Ciências se dá “exclusivamente através da linguagem verbal, quer esta se apresente na forma escrita, quer na forma oral.” (OLIVEIRA et al, 2009, p. 21).

Ora, mesmo na Educação Básica, um dos grandes entraves existentes na aprendizagem em sala de aula se encontra na maneira como essa linguagem “cientifica” é abordada, como se o objetivo de uma educação científica fosse produzir cientistas e, neste ponto, se a linguagem do(a) professor(a) não for muito bem empregada, suas estratégias de ensino poderão criar dificuldades. Isto ocorre com frequência, devido a linguagem empregada na sala de aula no nível básico já possuir um caráter de simplificação de um determinado assunto para facilitar a sua compreensão. Ou seja, “A linguagem de ensino pela sua simplificação e subjetividade inerente pode transformar-se num obstáculo epistemológico, determinando fatores

que afetam o conhecimento científico desviando-o das teorias e dos seus conteúdos racionais. (OLIVEIRA et al., 2009, p.23).

Termos complexos, cálculos sem um sentido definido, extrema passividade no andamento da aula, excesso de modelos “científicos” que extrapolam a realidade do(a) aluno(a) como ser humano, que, muitas vezes, vive em locais em que o perigo de morte é rotina, enfraquecem a vontade em aprender. Mas aprender o quê? E para quê?

Chassot (2003, p. 111) afirma que: “Há um desejável convencimento de que, quando fazemos Educação, buscamos fazer transformações, e, como educadores e educadoras, temos na linguagem um instrumento privilegiado de nossas ações”. Ora, se a linguagem é um instrumento transformador, porque, cada vez mais, o(a)s aluno(a)s evadem da sala de aula? Entre as inúmeras justificativas para esse problema frequente, podemos citar que uma delas pode ser encontrada nas formas de ensino utilizadas em sala de aula, que se distanciam da realidade do(a) aluno(a). Como visto anteriormente, a comunidade científica está centrada na linguagem escrita e, como tal, seus aprendizes utilizam desse modus operandi para perpetuar um ensino, geralmente estéril e ineficaz, quando colocado à prova de uma situação real.

A precisão científica da linguagem é um objetivo importante em toda a aprendizagem científica. Contudo, esta precisão não pode ser atingida sem que o aluno compreenda, para si próprio, o significado das palavras, pense nesse significado e no que a ele está associado. (OLIVEIRA et al., 2009, p.25).

Ou seja, enquanto o (a) estudante não internalizar um determinado conceito e tentar adequá-lo ao seu mundo, ele(a) não será capaz de aprender aquele determinado assunto ou conteúdo, pois não encontra sentido, em sua realidade, que possa ser aplicável. Por esse e outros motivos, ocorre uma desmotivação em desejar aprender Ciências da Natureza (assim como também em outras áreas). E por isto, levantamos a seguinte pergunta: Será que esse tipo de aprendizado existente em sala de aula serve para alguma coisa no mundo real?

Como exemplos, podemos colocar as seguintes questões para serem avaliadas: considerando aluno(a)s concluintes do Ensino Médio, quantos seriam capazes, a partir dos seus conhecimentos adquiridos em sala de aula, explicar:

a) Em Química: como é possível se fazer uma emulsão como a maionese, visto que se aprende em aula que água e óleo não se misturam?

b) Em Biologia: quais outros métodos contraceptivos, além da pílula anticoncepcional, e suas diferenças?

c) Em Física: o funcionamento de uma bússola e conseguir reproduzir uma de tal forma que consigam, depois, indicar com precisão a diferença entre o norte geográfico e o norte magnético?

São inúmeros os motivos que levam ao atual sistema de Ensino de Ciências ser, muitas vezes, estéril e ineficaz na Educação Básica. Alguns deles estão ligados diretamente à prática de ensino exercida dentro da sala de aula, que, conforme Silva Júnior (2015), se encontra dentro de um modelo tradicional de ensino, que está diretamente relacionado ao “professor detentor do conhecimento e alunos passivos que receberão o conhecimento produzido pelos cientistas ao longo da história” (p. 108), geralmente encontrados em livros didáticos que nem sempre refletem a ciência em sua forma mais confiável, havendo, muitas vezes, discrepâncias conceituais. Por isto que

Um dos aspectos problemáticos para a aprendizagem da linguagem científica relaciona-se com a familiarização da nomenclatura normalmente utilizada em Ciência. Com o extraordinário aumento do conhecimento científico a terminologia em Ciência aumentou, também, extraordinariamente e o problema da aprendizagem da linguagem científica tem-se tornado cada vez mais relevante. […] O desenvolvimento da linguagem em Ciência envolve, assim, mudança no significado dos nomes. Em Ciência, e na aprendizagem da Ciência, certas palavras não podem ganhar significado tão facilmente como as palavras do quotidiano, porque têm significado específico que não pode ser resultado da observação ou da experiência pessoal. (OLIVEIRA et al., 2009, p.23).

Este fator isolado, já se mostraria preponderante como sendo responsável pela desmotivação em se aprender Ciências da Natureza na escola.