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A espacialização e a organização sensível da realidade em Tanto Faz, de

4. CAPÍTULO III – DAS ANÁLISES

4.2. Análise dos textos

4.2.2. A espacialização e a organização sensível da realidade em Tanto Faz, de

Passemos agora à análise de um trecho do romance Tanto faz, de Reinaldo Moraes, em que o narrador-personagem se encontra em seu quarto bebendo cerveja, como de costume. O foco aqui é analisar como se dá a regulação do espaço tensivo criado pelo

enunciador ao se desdobrar em duas instâncias enunciantes, uma de ordem mais inteligível, a do narrador-observador, e outra, de ordem mais sensível, a do actante do plano do narrado:

Matutando. A cidade está fora do meu quarto, mas eu estou dentro da cidade. Dentro e fora. A hierarquia sensível da realidade é a seguinte: primeiro meu quarto e a cidade lá fora. Aí vem o país e o mundo. O país e o mundo são notícias impressas no jornal intacto jogado no chão. Um gole descuidado de cerveja faz um fio gelado lhe escorrer pelo canto da boca e pingar em seu peito cabeludo. Corrige-se: primeiro meu corpo. Depois o quarto, a cidade, o país, o mundo. (MORAES, Reinaldo. 2011, págs. 11-12)

A palavra matutando, na medida em que inaugura o trecho analisado e em que é sinônimo de pensar, de encontrar um raciocínio coerente acerca de algo, projeta no enunciado a dimensão cognitiva do discurso, onde, por definição, é mobilizado e articulado um saber. Em termos tensivos, temos um texto inicialmente regido pela dimensão da extensidade, cuja espacialidade é marcada pela ordem da medida, da triagem e da abertura. No entanto, como veremos, essa espacialidade se tonifica e ganha matizes de intensidade, de afetividade, a partir do grau de presença no sujeito no espaço- enunciado.

Observemos, também, que, no nível da sintaxe discursiva, a palavra matutando, vista na sua forma no gerúndio, não nos permite, de início, identificar se se trata de um enunciado debreado enuncivamente ou enunciativamente embora, logo em seguida, tenhamos uma marca que indica a colocação de um eu projetado no enunciado (meu quarto) e, consequentemente, operador do fazer-saber. Portanto, nesse primeiro momento, o sujeito que “matuta” é um sujeito que se projeta no enunciado sob a forma do “eu”, estabelecendo, no texto, as coordenadas enunciativas do eu-aqui-agora.

Note-se, entretanto, que, logo depois, uma debreagem enunciva instala outra instância enunciativa (Um gole descuidado de cerveja faz um fio gelado lhe escorrer pelo canto da boca e pingar em seu peito cabeludo). Se, num primeiro momento, a debreagem enunciativa (meu quarto) diz respeito ao sujeito que se enuncia no enunciado, agora, temos outra configuração enunciativa: se considerarmos que o narrador não marca explicitamente o discurso direto, alternando debreagem enunciva com debreagem enunciativa, a palavra matutando pode também se referir a um ele. Nesse caso, instaura- se um “hipersaber”, uma instância para a qual essa ação se desenvolve e é descrita, isto é, um outro ponto de vista, agora, objetivado por um observador, entendido como o

agenciador dos pontos de vista que regulam os modos pelos quais o enunciado pode ser apreendido (SARAIVA e LEITE, 2013).

Dessa forma, estabelecem-se duas instâncias de saber: uma do actante do enunciado que descreve o que sabe e outra do observador que detém o hipersaber – este último sabe mais do que o locutor da fala.

Definidas as instâncias de saber e os simulacros de observação inscritas no enunciado que ordenam o universo discursivo em análise, desencadeiam-se no texto duas isotopias figurativas espaciais: uma que tematiza o englobamento e outra do posicionamento (A cidade está fora do meu quarto, mas eu estou dentro da cidade.). Se, no texto, por um lado, quarto e cidade estabelecem entre si uma relação de englobamento (englobante/englobado), por outro, dentro e fora falam mais de posições. Tais temas atualizam figurativamente no enunciado esse sujeito que quer e faz saber – questionando- se acerca de seu lugar dentro desse universo discursivo.

Quanto às posições, percebe-se projetado no enunciado o fora (A cidade está fora do meu quarto) conforme marcas predominantemente enuncivas (ele-lá), o que configura um distanciamento entre o sujeito que se enuncia e o espaço tal como percebido por ele. Contudo, opera-se no texto, do ponto de vista de uma sintaxe intensiva, um reestabelecimento do dentro (mas eu estou dentro da cidade), que, por sua vez, é projetado no enunciado com marcas predominantemente enunciativas (eu-agora), conferindo intensidade a esse espaço e aproximando-o do centro do campo de presença desse enunciador. Observa-se, então, uma variação de intensidade espacializada a partir das figuras quarto e cidade, as quais atualizam, no texto, uma espacialidade tensiva, na medida em que as figuras em destaque designam espaço, e da tonicidade, tendo em vista que se operam diferentes modulações de uma força tímica, percebidas no campo de presença sujeito que se enuncia no texto. Assim, pode-se representar essas relações por meio de um gráfico tensivo.

Fonte: elaborado pelo autor.

Portanto, no texto, têm-se um sujeito que percebe seu campo de presença e o elabora como o objeto de saber visado pelo programa narrativo de busca que empreende. A espacialidade dentro/fora atualiza esse saber e revela o modo como percebe a si mesmo e os demais objetos presentes nesse universo discursivo.

Sobre a relação de englobamento estabelecida no enunciado, pode-se organizar os encadeamentos figurativos espaciais do texto conforme os valores englobante/englobado. Ao estabelecer o espaço “cidade” do lado de fora, o enunciador o institui como o espaço englobante, e, em seguida, o “quarto” se encontra por ele englobado. O texto indica que essa espacialidade discursivamente construída é regida por esses valores, o que ganha força no enunciado com a frase “Dentro e fora”. Dessa forma, tendo em vista também a força tímica do espaço quarto, o que sugere que essa espécie de campo de presença é atualizada discursivamente por meio de um encadeamento figurativo organizado conforme relações de englobamento.

Essa configuração do espaço se estabelece no texto sob a forma de uma hierarquia (A hierarquia sensível da realidade é a seguinte: primeiro meu quarto e a cidade lá fora). No enunciado, observa-se se confere mais força à tensão entre as dimensões do inteligível (hierarquia) e do sensível (sensível da realidade), de modo que o sujeito que se enuncia assume suas afetações ao mesmo tempo que as organiza conforme ele sente suas variações de intensidade (primeiro meu quarto e a cidade lá fora). Dessa forma, o texto indica, pela consecutividade dos sintagmas “primeiro meu quarto” e “cidade lá fora”, uma expansão dessa espacialidade – do concentrado do quarto ao difuso da cidade.

Essa expansão do espaço também é projetada no enunciado a partir da oposição entre as categorias enunciativas aqui e lá, manifestadas pelas figuras quarto e cidade, respectivamente. Nesse sentido, considerando que a hierarquia proposta pelo sujeito responde prioritariamente à ordem do sensível, estabelece-se o aqui como o espaço regente dessa organização, a partir do qual o lá (englobante) é projetado no texto. Essa articulação enunciativa do espaço cria um efeito do qual se fazem sentir, no texto, uma aproximação e um afastamento, as quais ressaltam estados de afetação desse sujeito.

Gráfico 2: Da topografia tensiva de Tanto Faz

Fonte: elaborado pelo autor.

Assim, os objetos que estão mais próximo e que mais afetam o sujeito se alocam no aqui, enquanto que os mais distantes e apáticos em relação à sua percepção estão postos no lá. É dessa maneira que o sujeito vai organizando, nas dimensões cognitiva e pragmáticas do discurso, essa espacialidade, que, se antes estava aparentemente desorganizada de modo que as figuras e as coordenadas espaciais, agora encontra uma hierarquia, cujo elemento regulador se encontra nas modulações afetividade sentidas por esse sujeito.

Portanto, a espacialidade construída no texto representa a forma pela qual o sujeito manifesta discursivamente a sua percepção da realidade em volta, estabelecendo uma relação entre a afetividade sentida pelo sujeito a partir dos objetos em seu entorno e a espacialidade que aloca essas modulações de afeto. Nesse sentido, a espacialização não apenas localiza os acontecimentos e os objetos no discurso como tão somente atualiza

programas narrativos, mas também cria efeitos que salientam essa dimensão afetiva no discurso como a aproximação e o distanciamento observados nesta análise.

As formas espaciais empregadas conferem a essa afetividade no discurso uma espécie de progressão que vai dos aspectos mais tônicos dos afetos até os mais átonos, o que denota a construção de uma gradualidade afetivo-espacial no texto.

Até o momento, a análise tem demonstrado como, no enunciado, o sujeito estabelece as coordenadas espaciais (aqui/la) e as reveste com figuras (cidade, quarto, fora, dentro) pelas quais projeta as instâncias do inteligível e do sensível. Contudo, observa-se que a oposição aqui/lá gera uma espécie de intervalo, de modo que algumas significações podem ser observadas dentro e fora dele. Se, por um lado, o intervalo aqui/la descreve o andamento da diminuição da afetividade (primeiro meu quarto e a cidade lá fora), por outro, o texto, em seguida, ultrapassa esse intervalo e, com isso, diminui ainda mais o afeto sentido pelo sujeito (Aí vem o país e o mundo). Portanto, observa-se que se operam no discurso em análise se opera uma diminuição e, consequentemente, um aumento.

Pode-se observar, no texto, que essa diminuição de afetividade se dá, em primeiro lugar, dado o universo de valores estabelecido, conforme o qual a expansão e difusão espaciais implicam na atonia da afetividade, pelas figuras país e mundo, as quais ressaltam um aumento na difusão do espaço. Esse efeito de diminuição do espaço “país e mundo” é intensificado ainda com a figura do chão (O país e o mundo são notícias impressas no jornal intacto jogado no chão), que aloca o espaço “país e mundo”, isto é, o mais afastado, na topografia do quarto de forma átona – sentido atribuído pela sequência figurativa “intacto” e “jogado”. Esse enunciador, então, sente o país e o mundo como fora do seu campo de interesse e com uma baixa intensidade.

Nota-se ainda que se opera uma debreagem a partir da qual o sujeito que se enuncia assume outro ponto de vista, manifestado no texto sob a forma do advérbio aí. Dessa forma, o sujeito afasta-se da dimensão pragmática do discurso, onde estão os objetos e os espaços que ele percebe, e se reaproxima da cognitiva, alocando país e mundo fora da instância aqui-lá.

Esse afastamento acompanha uma diminuição acentuada da afetividade, atualizada em discurso pelo encadeamento figurativo seguinte (O país e o mundo são notícias impressas no jornal intacto jogado no chão). É interessante notar as palavras intacto, jogado, chão, as quais atribuem a país e mundo um valor disfórico. Assim, se o

afastamento analisado é sentido com uma baixa força tímica, pode-se presumir que a aproximação é eufórica nesse texto.

Tal valoração ainda pode ser analisada a partir da frase seguinte (Um gole descuidado de cerveja faz um fio gelado lhe escorrer pelo canto da boca e pingar em seu peito cabeludo). Observa-se no enunciado a presença de um ele, contudo essa terceira é uma projeção embreada do próprio sujeito enunciante, o que coloca o sujeito na posição de um observador para o qual ação descrita no enunciado se desenvolve. Essa embreagem actorial enunciva atualiza, no discurso, um sujeito tomado pela força do acontecimento (Um gole descuidado), marcado pela pontualidade expressa nas palavras faz, escorrer, pingar. A partir desse assomo, o sujeito é atualizado como operador de um fazer (corrige- se), ação também marcada pelo aspecto pontual do verbo, o que imprime no enunciado um andamento rápido e tônico, sentido no texto como um aumento de intensidade.

Ao assumir essa posição de observador do próprio fazer, permite-se ao sujeito alocar-se na dimensão cognitiva do discurso, em que se torna o destinador-manipulador do seu saber. Em seguida, o sujeito opera uma debreagem de segundo nível, simulando, no enunciado, a sua fala (Corrige-se: primeiro meu corpo. Depois o quarto, a cidade, o país, o mundo). Dessa forma, constitui-se um novo saber – advindo da experiência do acontecimento – segundo o qual são reorganizadas as espacialidades e realocados os afetos.

Do assomo do acontecimento à sua resolução, percebe-se, pelo encadeamento de figuras como peito cabeludo, canto da boca e fio gelado, a construção de uma isotopia do corpo a qual tematiza uma sensibilidade corporal, o que projeta também no enunciado a dimensão pragmática do discurso. Essa isotopia, por sua vez, inaugura a presença de um corpo sensível que capta os acontecimentos e sente a materialidade dos objetos, reiterando afetividade elaborado no texto. Dessa força, em sua fala (Corrige-se: primeiro meu corpo. Depois o quarto, a cidade, o país, o mundo), o sujeito coloca esse corpo no topo da hierarquia sensível por meio da figura primeiro meu corpo, de modo que se estabelece mais um espaço obedecendo as relações de englobamento e as modulações de afetividade. Tem-se, assim, o seguinte esquema topológico elaborado pelo sujeito que se enuncia:

Fonte: elaborada pelo autor.

Ao passo que, nesse universo de valores, os espaços mais expandidos e englobantes são os que menos afetam o sujeito, toma-se o corpo como um lugar de alta sensibilidade, em que as afetações sentidas por esse sujeito são as mais percebidas por ele. Portanto, verifica-se, no texto, aumentos e diminuições das categorias da afetividade e do englobamento, ou ainda, da espacialidade em termos de expansão/concentração, de forma que os espaços apresentados no enunciado podem ser organizados nos seguintes esquemas.

Tabela 4: Aspectualização da espacialidade. Concentração

do espaço

Difusão do espaço

Aumento corpo país e mundo

Diminuição quarto cidade

Tabela 5: Aspectualização da afetividade. Afetividade

forte

Afetividade fraca

Aumento corpo país e mundo

Diminuição quarto cidade

Fonte: elaboradas pelo autor.

Do ponto de vista sintático, considerando as coordenadas enunciativas espaciais aqui/lá como um intervalo entre a afetação forte e sua atonia e que atualiza no discurso uma aproximação e um afastamento, pode-se dizer que país e mundo e meu corpo ultrapassam os limites desse intervalo e se inserem numa nova organização do espaço que

prevê o aumento dos valores próximo e distante conferidos às coordenadas espaciais citadas, conforme o esquema abaixo:

Tabela 6: Dos valores aplicados sobre as coordenadas espaciais.

Fonte: elaborada pelo autor.

A organização do período (primeiro meu corpo. Depois o quarto, a cidade, o país, o mundo), pela pontualidade marcada na primeira frase, aplica no enunciado uma força euforizante sobre o aqui (próximo), enquanto que, dado o paralelismo das formas seguintes, a oração desforiza do lá (distante), o que corrobora a tese de que o espaço aqui, isto é, próprio desse sujeito que se enuncia, o lugar por ele visado, ao passo que o lá é percebido à margem de seu campo de presença.

Dessa forma, pode-se verificar no enunciado o desenvolvimento de uma marcha, em cujo processo se verifica uma atenuação do lá (distante) para o reestabelecimento do aqui (próximo). No andamento dessa marcha, com o estabelecimento da isotopia do corpo, opera-se, no texto, um recrudescimento desse aqui, projetando com intensidade um espaço concentrado e de forte afetação.

Portanto, a nível do sentido global do texto, pode-se dizer que, por meio das figuras e das coordenadas espaciais, o sujeito que se enuncia no texto elabora em discurso sua percepção da realidade e o saber acerca dela. Além disso, ainda se valendo das mesmas formas enunciativas, consegue descrever o processo pelo qual fazer perceber e conhecer seu espaço. Nesse sentido, a espacialização não apenas localizou os objetos tão somente programou o fazer-saber inscrito no início do enunciado, mas também conferiu ao texto uma procedualidade a partir da qual se pode verificar as modulações da afetividade sentidas pelo sujeito projetado no enunciado e as mutações e os movimentos espaciais observáveis no texto.

Podemos concluir, assim, que o recrudescimento do aqui pela força de assunçao enunciativa do eu que se afirma pela figura do corpo privilegia os objetos e os acontecimentos mais próximos e imediatos a esse centro enunciativo, pouco importando os eventos da cidade, do país e do mundo. Em suma, embora o sujeito, inicialmente,

mobilize seu saber pelo regime de abertura, disforizando o espaço de dentro e euforizando o de fora, termina por intensificar e euforizar, às custas de um acontecimento sensível (um gole descuidado de cerveja faz um fio gelado lhe escorrer pelo canto da boca e pingar em seu peito cabeludo), o espaço do corpo, do eu e do aqui enunciativos, restabelecendo o controle do seu saber e da hierarquia sensível da realidade.

4.2.3. O espaço hermético e a solidão espacializada em O fio e as missangas, de Mia Couto.

Em continuidade com as análises empreendidas neste trabalho, examinaremos agora o trecho inicial do conto de Mia couto (2009) – O fio e as missangas.

Encontro JMC sentado num banco de jardim. Está recatado, em solene solidão, como se só ali, em assento público, encontrasse privacidade. Ou como se aquele fosse seu único recinto de toda a vida a morar. Em volta, o tempo intacto, só com as horas certas.

Nunca soube seu nome por extenso. Creio que ninguém sabe, nem mesmo ele. As pessoas chamam-no assim, soletrando as iniciais: jota eme cê.

Saúdo-o, em inclinação respeitosa. Ele ergue os olhos como se a luz fosse excessiva. Um subtil agitar dedos: ele quer que eu me sente e o salve da solidão. (COUTO, Mia. 2009, p. 65 – grifos do autor)

O verbo encontrar, dado o significado que o lexema recobre, encena, no início do conto, o fazer operador de uma conjunção entre um sujeito e um objeto valor. Essa relação de junção é revestida, no nível do discurso, pela projeção de um eu, depreendido a partir a marcada de primeira pessoa singular presente no verbo (encontro), cuja transitividade atualiza também o objeto visado por esse sujeito e com o qual ele entrou em conjunção sob a forma da figura “JMC”. Dessa maneira, a discursivização projeta a cena narrada em um universo do eu-aqui-agora, em que ocorre uma concomitância entre o momento da fala desse enunciador-narrador e os eventos narrados no espaço-tempo por ele projetados no enunciado.

Essa ordenação das coordenadas pessoa-tempo-espaciais assume, no enunciado, um ponto de vista para o qual os objetos aparecem e são localizados no tempo e no espaço. A partir desse ponto vista, tem-se o ator JMC, cujo nome está sob a forma de uma sigla, a respeito da qual podem ser levantadas duas hipóteses: por um lado, JMC pode se tratar de uma forma de tratamento informal dirigida a alguém com quem se reserva certa afeição, porém, por outro lado, a sigla em questão pode significar um desconhecimento

acerca do nome por extenso desse sujeito. Assim, JMC é apresentado como um objeto que adentra no campo de presença desse enunciador em um andamento rápido e uma tonicidade forte devidos à pontualidade do verbo encontrar na frase de modo que a força desse acontecimento e a presença do ator dão ensejo à narrativa.

Contudo, se se percebe, por um lado, esse aumento na foria pela figura de JMC, por outro, os objetos que o entornam (sentado num banco de jardim) contrastam em sua disforização. Nota-se a ausência de qualquer artigo definido não confere destaque algum aos objetos apresentados no sintagma (banco e jardim). Esse espaço figurativamente construído, então, torna-se um elemento disfórico por essa indeterminação dos objetos – JMC se sobressai aos olhos do enunciador, ao passo que o espaço onde ele se localiza reside sobre ordem do ordinário. Tratando-se de um campo presença desse enunciador projetado no eu, é possível dizer que JMC se aproxima de seu centro, e o espaço se coloca à margem dele.

Ao assumir esse ponto de vista, o enunciador desencadeia uma descrição da situação em que JMC se encontra (Está recatado, em solene solidão, como se só ali, em assento público, encontrasse privacidade). Em uma primeira análise, é interessante notar uma oposição entre as figuras assento público e privacidade, a qual levanta no texto o tema do regimento de uma espacialidade, que pode ser descrito conforme as categorias semânticas público/privado. Contudo, outras figuras também compõem o enunciado e investem de sentido essa oposição, de modo que o público, ao associar-se a “bando de jardim”, convoca uma nova categoria: a abertura. Por outro lado, o privado aproxima-se de outras figuras, como “só”, “solidão” e “recatado”, o que estabelece um conjunto isotópico que tematiza o fechamento. Esses encadeamentos figurativos fazem sentir no andamento do discurso a abertura cedendo lugar ao fechamento de modo que essa alternância cria um efeito de pulsação do espaço – ora o espaço se abre, ora o espaço se

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