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A esquerda e o movimento sindical durante a ditadura militar (1964-1978)

CAPÍTULO II – A HISTÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

2.2 A esquerda e o movimento sindical durante a ditadura militar (1964-1978)

Vai ser de primordial importância para a fundação do PT a experiência dos agrupamentos políticos de esquerda que surgem no Brasil logo antes e depois do golpe militar de 1964. A avaliação das estratégias e a orientação política dos militantes destas organizações que sobrevivem à ditadura são de vital importância para entendermos a formação do PT, suas estratégias, bem como de suas disputas internas (e de suas transformações). Muitos destes grupos oriundos da luta contra a ditadura ingressam no PT e se manterão enquanto organizações internas com certa autonomia – que irão ser chamadas de “correntes”. Além disto, a ruptura da experiência sindical pré-1964 e a política da ditadura militar para com o

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Contudo, uma parcela de militantes e lideranças dá continuidade ao partido apesar da disputa jurídica que se seguiu ao racha de 1992 a 1994, quando conseguem reaver a sigla e símbolo.

movimento sindical e condições salariais para a classe trabalhadora, terá condicionamentos decisivos para a compreensão do surgimento do “novo sindicalismo” e, consequentemente, do próprio PT.

Conforme descreve Thomas Skidmore, o golpe militar de 1964 – a “Revolução de 1964” como foi defendida pelos seus agentes – pode ser descrito por alguns fatores que confluíram para este resultado. O conturbado período de 1962-1964, criou as justificativas e legitimou para consideráveis parcelas da população que o perigo de um golpe comunista existia (e que seria apoiado pelo então presidente João Goulart) e que o regime democrático estava ameaçado. As tentativas de golpe que fracassaram nos anos anteriores (contra Vargas em 1954, contra a posse de Kubitchek em 1955-1956 e contra a posse de Jango em 1962) puderam se realizar em 1964.

A crise do ínicio da década de 1960 possui uma série de fatores, tais como o crescente déficit comercial, o grande crescimento industrial sem infraestrutura (e dependente de importação de maquinário), e a alta inflação (em Março de 1964 chegara a 125%), que somada à crescente agitação social tanto de esquerda como de direita, acabaram garantindo a legitimidade ao golpe. Como já descrito anteriormente, o governo Jango não conseguiu articular uma base de apoio sólida na classe trabalhadora, dividida entre o reformismo do PTB, as disputas com o PCB e o radicalismo de novas organizações políticas e sociais, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a CGT e as Ligas Camponesas do Nordeste. O professado nacionalismo econômico expresso nas “reformas de base” possuia limites de apoio no próprio empresariado nacional, dependente das importações de maquinário, bem como nas empresas multinacionais recentemente instaladas no país (ameaçados com a proposta de limitação de remessas de lucro ao exterior). A proposta de reforma agrária levantava a oposição da tradicional classe rural, baseada nas grandes propriedades.

Desta forma, os militares doutrinados na ESG - Escola Superior de Guerra - na chamada Doutrina de Segurança Nacional,146 acompanhados por instituições civis como IPES e o IBAD, e politicamente pela UDN e setores dos PSD, bem como pelo apoio direto do governo norte-americano (um dos principais interessados na ação), conseguiram atingir seu

146 “Os conspiradores sustentavam ideias marcadamente anticomunistas desenvolvidas na ESG (Escola Superior

de Guerra), segundo o modelo do National War College dos Estados Unidos. No Brasil, a ESG já era um centro altamente influente de estudos políticos através de seus cursos de um ano de duração freqüentados por igual número de civis e militares destacados em suas áreas de atividade. Da doutrina ali ensinada constava a teoria da "guerra interna" introduzida pelos militares no Brasil por influência da Revolução Cubana. Segundo essa teoria, a principal ameaça vinha não da invasão externa, mas dos sindicatos trabalhistas de esquerda, dos intelectuais, das organizações de trabalhadores rurais, do clero e dos estudantes e professores universitários. Todas essas categorias representavam séria ameaça para o país e por isso teriam que ser todas elas neutralizadas ou extirpadas através de ações decisivas” (SKIDMORE, 1994, p.22).

objetivo sem grandes resistências, tendo estabelecido um forte imaginário anti-comunista em setores de classe média, Igreja Católica e classes empresariais. Como destaca Maria Helena Moreira Alves, a coalizão civil-militar que chegara ao poder “não dispunha de um modelo pronto para todas as estruturas do novo Estado; contava apenas com uma elaborada doutrina, ou ideologia, em que se baseava seu pensamento político”.147

Para Eder Sader, o golpe militar no Brasil e os que se sucederam no restante da América Latina eram produto de uma “crise de hegemonia”: “as classes dominantes se revelaram incapazes de legitimar-se através dos aparelhos ideológicos, que perdem sua importância ou são absorvidos em benefício dos aparelhos repressivos, em particular das Forças Armadas”.148

Assim é possível explicar como um elemento do aparelho estatal pôde apropriar-se tão fortemente para si uma ideologia política e social fortemente arraigada nas ideias da classe dominante, em defesa do “mundo democrático”, contra o comunismo e em defesa da economia capitalista, tratando de empenhar-se com tanto fervor na caçada à sindicalistas e “marxistas”.

Já nos primeiros meses o novo regime estabelece uma “operação limpeza” visando políticos da oposição, funcionários públicos e militares contrários ao golpe. Além disto, inicia uma série de prisões e tortura à militantes políticos ligados à grupos de esquerda e à líderes sindicais e sociais que ameaçassem a estabilidade do novo regime (com destaque às ligas camponesas, à CGT e à UNE). O aparato sindical varguista, neste sentido, longe de ter sido entrave ao novo regime, possibilitou realizar uma limpa nos sindicatos combativos e garantiu à ascenssão de líderes sindicais brandos ao novo regime. Como a revolução não procurou legitimar-se através do Congresso, ela institui os chamados Atos Institucionais, capaz de ditar normas e diretrizes para o novo governo e órgãos de repressão. Cada ato foi acompanhado de maiores poderes de controle, censura e repressão. O sistema político foi reduzido a um bipartidarismo e à eleições indiretas em várias esferas, onde o partido de oposição – o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) cada vez mais tinha diminuídos seus mecanismos de oposição e o partido do governo – a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) era fortalecido via estrutura autoritária. Frente a qualquer posibilidade de vitória da oposição, o governo decretava alguma medida capaz de evitar seu sucesso.

O Programa Econômico do novo governo, liderado pelo presidente-militar Castelo Branco, serviu de modelo para os anos de 1964 a 1968. A equipe formada por Octávio Bulhões – economista formado na Escola de Chicago - e Roberto Campos – ex-embaixador em Washington tendo ligação com os interesses das multinacionais sediadas nos Estados

147 ALVES, 1984, p.53. 148 SADER, 1982, p.33.

Unidos, estabeleceu um programa monetarista, concentrado em estancar a inflação e criar bases para facilitar o investimento estrangeiro, à livre iniciativa e aumentar a taxa de acumulação do capital.149 Além disto, mitigaram pressões dos setores agrícolas favorecendo os setores exportadores. O regime manteve-se até o fim com a característica de uma bem- sucedida aliança entre militares e tecnocratas. Na verdade, os objetivos de cada grupo “profissional” complementavam o outro: os militares estavam no poder para poder dar garantias coercitivas necessárias à execução das políticas dos tecnocratas, dificilmente executáveis em um regime democrático sob intensas disputas sociais e políticas nacionais e internacionais.

No que tange à classe trabalhadora, um dos pontos centrais da nova política era a de controle salarial. Ou seja, combatia-se a inflação reduzindo o capital circulante – como justifica-se a teoria ortodoxa. Em verdade impôs-se uma progressiva redução salarial, garantiu-se o aumento na taxa de acumulação de capitais. Como destacava o Ministro Roberto Campos, era necessário aumentar o bolo antes de dividi-lo. Isto se deu através da Lei de Greve de 1º de Junho de 1964, que definia as condições de greve, quase nulas, bem como pelo afastamento de lideranças combativas. Além disto, a política de arrocho salarial foi decretada pelo Ministério da Fazenda através da Circular n.10, que fixava a fórmula a ser utilizada no cálculo dos níveis salariais. Maria H. M. Alves comenta: “durante todos estes anos, a política salarial tem reiteradamente subestimado o resíduo inflacionário e os aumentos de produtividade, fazendo cair consideravelmente, em termos reais, os níveis de salário”.150

A luta contra a Lei de Greve e a fórmula dos cálculos salariais serão uma das principais pautas do novo sindicalismo de1978.

Contudo, o novo governo não consegue garantir uma redução da inflação conforme as metas dispostas, nem garantir o crescimento economico capaz de fazer valer a possibilidade de “repartir o bolo”. Assim, no ano de 1968, uma série de movimentos colocam o regime em dúvida. A oposição política organizada em torno do MDB e composta inclusive de ex- apoiadores do golpe (como Jucelino Kubitchek e Carlos Lacerda, que viam cada vez menos possibilidades de retorno ao sistema democrático), e o retorno às ruas do movimento estudantil e sindical, fizeram o regime retroceder em seu objetivo público de “reestabelecer a democracia”, fato realçado pelo presidente general Artur da Costa e Silva na posse em 1967. Particularmente, as greves de 1968, como a de Contagem em Minas Gerais e a greve dos metalúrgicos de Osasco, com destaque à da metalúrgica Cobrasma, evidenciaram ao regime

149 ALVES, 1984, p.74. 150 ALVES, 1984, p.78.

que o objetivo de disciplinar a classe trabalhadora através dos sindicatos oficiais era limitado pela atuação independente e das “comissões de fábrica”. As passeatas estudantis no Rio de Janeiro chegam a reunir 100 mil pessoas, evidenciando a possibilidade de distenção do regime. No Parlamento, o deputado Mario Moreira Alves defende que as mulheres de militares e policiais façam greve de sexo contra às torturas dos presos políticos.

Frente a estas movimentações, o governo recrudesce a repressão através do chamado “golpe dentro do golpe”, o Ato Institucional n.5. O AI-5 fechou o Congresso, acabou com as imunidades parlamentares (o deputado acima citado teve que “fugir” do Brasil), cassou direitos políticos, afastou juízes contrários ao regime, professores universitários (na USP, mais de 70, como Florestan Fernandes, Fernando Henrique e Otavio Ianni), cessou o recurso de habeas corpus e regularizou a censura sobre a imprensa. Depois de 1968, o regime recrudesceu a prática do sequestro, tortura e assassinato de opositores ligados a movimentos sociais e políticos de esquerda. Membros da oposição política, inclusive que foram apoiadores e promotores do golpe – como Carlos Lacerda -, foram silenciados publicamente.

Contudo, após 1968, o governo também realiza um giro econômico que garantirá a estabilidade e aceitação ao regime, apesar da intensa repressão. Da política ortodoxa de Bulhões e Campos, tem-se orquestrado uma política econômica heterodoxa, de apelo nacionalista, pelo Ministro da Fazenda Antonio Delfim Neto. O crescimento econômico apresentou uma média anual de 10,9 por cento entre 1968 e 1974 e a inflação havia diminuído (apesar de posteriormente ter-se comprovado que os órgãos oficiais manipularam os números, apresentando uma taxa menor que a real a fim de reduzir ajustes salariais). Como descreve Skidmore:

Juntamente com o porrete, oferecia-se a cenoura. O rápido desenvolvimento econômico levou ao paraíso os brasileiros situados no vértice da pirâmide salarial - os profissionais, os tecnocratas, os administradores de empresa. Aliás, os salários dessas categorias ultrapassaram os dos seus colegas de igual categoria dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Os salários mais baixos podem não ter subido muito, mas 10 por cento anuais de crescimento econômico criaram novos empregos em todos os níveis. Muitos trabalhadores receberam promoções que representavam mais cruzeiros em seus contracheques mensais, enquanto outros tantos, desempregados, conseguiram encontrar ocupação. Finalmente, as universidades federais, embora sob rigoroso controle político, receberam verbas recordes. A tirada de Médici de que o destino do Brasil era se tornar potência mundial feriu uma corda sensível no íntimo dos brasileiros eufóricos com o aumento cada vez maior de suas rendas. Por isso, muitos deles alistaram-se fervorosamente na defesa do regime.151

Os grupos guerrilheiros de esquerda que surgiram após o AI-5 – apesar da valentia e até sucesso de algumas ações - foram sumariamente perseguidos, desarticulados e destroçados. No período de maior bonansa econômica e aceitação do regime os militantes de esquerda que defendiam a revolução socialista no Brasil eram perseguidos, torturados e assassinados sumariamente. Em 1974, grande parte da oposição guerrilheira – tanto urbana como rural – estava desmantelada. Foi nestes anos que a estrutura repressiva funcionou a todo vapor, inclusive com fortes tendências paramilitares, alçando-se fora da estrutura estatal (ou simplesmente esta permitia e incentivava estas ações). O famigerado DOI (Destacamento de Operações de Informação)/ CODI (Centro Operações Defesa Interna), em conjunto à Operação Bandeirantes, expressavam o nítido caráter de classe que a ditadura possuía. Empresários apoiavam voluntariamente, financiando a estrutura paramilitar da repressão, alguns participando diretamente de atos de tortura de militantes presos. Alguns destes foram vítimas da reação dos grupos de esquerda, como o dinamarquês presidente da Ultragás e fundador do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), Henning Albert Boilesen, que era um dos principais financiadores da Operação Bandeirantes e amigo íntimo dos agentes da repressão, tendo inclusive participado de sessões de tortura.

Somado à repressão e à censura (ou, muitas vezes, “autocensura”) dos órgãos de comunicação, o governo orquestrou uma gigantesca peça publicitária. Diferente do estilo reservado de Castelo Branco e Costa e Silva, Médici aparecia em público várias vezes e dialogava com os jornalistas – o que só aumentava a dimensão no paradoxo entre repressão/censura e o milagre econômico aos olhos do observador contemporâneo. Através da Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), que produziu centenas de peças publicitárias os militares propagandeavam a ideia do Brasil enquanto potência mundial, bem como para justificar a perseguição à oposição – como no lema “Brasil, ame ou deixe-o”. Conseguiram com isto canalizar as conquistas econômicas à política do governo e justificar com isto a sua “linha-dura”. Além da publicidade nos jornais, revistas e adesivos distribuídos, as peças eram exibidas em cinemas e TV.

Neste quadro, do início da década de 1970, a classe trabalhadora “contava pouco em termos de força coletiva”:

Os sindicatos eram rigidamente controlados, e as tentativas de protestos espontâneos, como em 1968, eram facilmente esmagadas e limitavam-se a ações ocasionais. A possibilidade de atuação coletiva no campo ainda era mais sombria, em virtude da longa e eficiente repressão ali exercida. Isto não significa que os trabalhadores individualmente não se tenham beneficiado dos anos em que a economia mais se expandiu. Alguém tinha que ocupar as novas posições criadas

pelo desenvolvimento acelerado. Sobretudo na região Centro-Sul, que se industrializava rapidamente, os trabalhadores se beneficiaram com promoções e com a definição de novos empregos. Mas esses ganhos resultavam do crescimento econômico e da mobilidade individual da mão-de-obra, não da ação coletiva.152

Ou seja, se nas greves de 1968 a classe trabalhadora havia voltado à cena enquanto agente coletivo, como inimigo do empresariado e o que justificava o regime a fechar-se ainda mais, em 1970 ela já se encontrava reprimida, controlada e retornava, como descrevia Marx, a um patamar de “classe em si”, enquanto agentes dispersos e disputando na concorrência do mercado em expansão, favorecido pelo crescimento, aumento de empregos, censura e intensa propaganda governamental.

Contudo, o milagre econômico contrastava com o aumento gigantesco das desigualdades sociais, como destaca Skidmore, manifestado, da pior maneira, na proliferação de crianças de rua em São Paulo em fins de 1970, enquanto os executivos ganhavam os maiores salários do mundo.153 No final da década o crescimento dá sinais de saturação. A industrialização realizada, abarcando amplos setores da economia, dependia exclusivamente da importação de maquinário estrangeiro, o que pesava na balança comercial. As gigantescas obras, como a barragem de Itaipu, a Usina de Energia Atômica em Angra, a ponte Rio - Niterói e à Transamazônica, desviaram importantes recursos necessários a investimentos sociais (com destaque no caso da Transamazônica em relação ao Nordeste, assolado pelas constantes secas e secular improdutividade das plantations da oligarquia nordestina). Já no final do governo Médici, em 1974, o tamanho da dívida pública já começava a preocupar, tendo crescido 90% desde 1971. Somado à crise do Petróleo de 1973 e à reorganização mundial do capitalismo seguida a esta crise, a dívida pública cresceu enormemente, tornando- se, junto à inflação, um dos maiores problemas da década de 1980.

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SKIDMORE, 1994, p. 283. Contudo, é importante questionar a opinião de que as greves de 1968 foram “espontâneas”. Deve-se argumentar que esta leitura dá a impressão de que a greve é algo “espontâneo”, fruto de uma reação econômica e desprezível politicamente; segundo, pois esta leitura é contestada pelas evidencias, principalmente pelo relato de uma das maiores lideranças da greve em Osasco, o presidente do sindicato da Cobrasma e posteriormente fundador do PT, José Ibrahim: “Ao contrário do que afirmam muitos intelectuais que fizeram e publicaram estudos e detalhes a respeito, afirmando que ela foi um movimento "espontaneísta", não foi nada disso. Osasco sempre teve uma tradição de luta. Isso ocorreu no período de emancipação, quando se tornou município, desmembrando-se da Capital, época em que também o sindicato tornou-se autônomo desmembrando- se do sindicato metalúrgico de São Paulo. Com o golpe de 64, a repressão se abateu duramente sobre Osasco. A repressão ao movimento sindical e operário foi desigual. Na Baixada Santista foi muito forte porque tinha tradição - e Osasco está neste perfil. Muitos companheiros foram presos e o de Osasco foi um dos primeiros sindicatos a sofrer intervenção. Na época, o presidente do sindicato era o Conrado Del Papa. Ele era do antigo Partido Socialista Brasileiro (PSB), mas tinha uma aliança muito forte com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão, na cidade.” IBRAHIM, José. José Ibrahim. Entrevista concedida à Aristeu Moreira e Adriana Serafim, 2008. Disponível em: http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content &task=view&id=3638&Itemid=106, acesso Jan 2011.

153 SKIDMORE, 1994, p. 392. O autor aponta um estudo que mostrou que no ano de 1976 os executivos

Os setores que haviam apoiado (e “promovido” social/politicamente o golpe junto aos militares) na segunda metade de 1970 já evidenciavam claro desconforto com os militares e passaram a articular uma oposição social. A burguesia brasileira e internacional que havia promovido e defendido o golpe, tinha agora sobre suas cabeças a “espada de Dâmocles”154 e os agentes profissionais da repressão, que haviam sujado demasiadamente suas mãos de sangue não estavam dispostos a assumir as responsabilidade do regime – ou melhor, pagar conta alguma. O anticomunismo servia, depois de desmembrados todos os focos guerrilheiros, também para taxar qualquer oposição de comunista ou marxista. Por exemplo, Dom Helder Câmara, crítico do regime, foi taxado pelo governador de São Paulo, Paulo Sodré, de “Fidel Castro de batina”, que pertencia a “máquina de propaganda do Partido Comunista”.155 Depois de 1968, quando o bando do delegado Sérgio Fleury156 ganhou liberdade de atuação, “eram raros os advogados que atendiam aos desesperados apelos das famílias e amigos de presos políticos”.157

A classe dos advogados e juristas que tradicionalmente haviam compactuado com os regimes ditatoriais, na segunda metade da década de 1970 já encenavam na oposição (com destaque à OAB), na defesa do Estado de direito e em defesa dos direitos humanos. A classe empresarial também evidenciava seu descontentamento (contudo, não em relação à política salarial), já que o regime parecia beneficiar mais os setores ligados às multinacionais do que a indústria nacional. Juntos ao MDB formariam o bloco de oposição ao regime

154 Me refiro aqui a uma célebre citação de Karl Marx: “A burguesia tinha uma noção exata de que todas as

armas por ela forjadas contra o feudalismo voltavam-se contra ela mesma, que todos os meios de cultura que criara rebelavam-se contra sua própria civilização, que todos os deuses que tinha inventado a abandonavam. Compreendia que todas as chamadas liberdade civis e os órgãos de progresso atacavam e ameaçavam, ao mesmo tempo, na base social e no vértice político, sua dominação de classe, e tinham, portanto, se convertido em “socialistas”. [...] Portanto, quando a burguesia excomunga como “socialismo” tudo o que anteriormente exaltara como “liberal” confessa que seu próprio interesse lhe ordena subtrair-se aos perigos do seu autogoverno; que para poder impor a tranquilidade no país tem que impô-la em primeiro lugar ao seu parlamento burguês; que, a fim de preservar intacto o seu poder social, tem que enfraquecer seu poder político; que o burguês particular só pode continuar a explorar as outras classes e a gozar pacificamente da propriedade, da família, da religião e da ordem sob a condição de que sua classe seja condenada, juntamente com as outras, à mesma nulidade política; que, para salvar a bolsa, deve abrir mão da coroa; e que a espada que a devia proteger tem que pender ao mesmo