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A estética e a linguagem fílmica

1. ESTUDOS DE TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO

1.3 Teorias da adaptação e do cinema

1.3.2 A estética e a linguagem fílmica

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Reforçamos, aqui, que não é contra o Estado Europeu que Stam se refere. Na verdade, ele lida com a ideia de eurocentrismo. Ele não se posiciona contra o continente, mas a uma ideia de superioridade deste.

Em A Estética do Filme (1995), Jacques Aumont trilha pela teoria do cinema, dando um foco metodológico na composição do filme e sua construção enquanto um objeto artístico. É uma teoria predominantemente descritiva, como o autor reforça, que não pretende ditar regras ou formas com as quais os filmes devem ser feitos. É, também, uma teoria estética, pois aborda os filmes como expressões artísticas que “transmitem alguma mensagem”, através não só de seu tema, mas de sua forma. Sendo o cinema, ao mesmo tempo, uma instituição jurídico-ideológica ou um conjunto de práticas de consumo ou, também, uma indústria, Aumont decide conduzir seu pensamento frontalmente à forma do filme, este enquanto expressão formal e ideológica daqueles que as empregam, e apenas abordar questões de mercado se essas se fizerem indispensáveis na compreensão de certos âmbitos do processo de criação dos filmes.

Uma das categorias que utilizaremos em nossa pesquisa é a do filme narrativo ou, como o autor denomina, filme de ficção. Para Aumont, a narratividade não é intrínseca ao cinema, mas oriunda de outras artes (literatura e teatro). Porém: “(...) o cinema ofereceu à ficção, por meio da imagem em movimento, a duração e a transformação: em parte, por esses pontos comuns é que foi possível operar o encontro do cinema e da narração” (AUMONT, 1995, p. 91).

Os objetivos de se estudar o cinema enquanto arte narrativa, na visão do autor, são três: 1) revelar aquilo que nos filmes é, propriamente, cinematográfico; 2) estudar as relações dessa imagem narrativa e seu espectador e os processos de comoção e identificação do mesmo; e 3) discorrer dos precedentes, do funcionamento social do cinema, enquanto representação de uma sociedade e, ao mesmo tempo, formadora da mesma.

Tal concepção é de especial importância na análise do filme Orlando e do cinema de Sally Potter, pois apesar da formação multiartística e antinarrativa nos anos 70 (FOWLER, 2009), é uma diretora que acredita na força do cinema narrativo de comoção pública e de promoção de ideologias. A estética de Orlando, de Potter, pode até não condizer com a do cinema narrativo predominante no mercado na época em que foi produzido, porém é na abrangência desse tipo de filme e no seu caráter didático que ela confia.

Em Marcel Martin e seu A Linguagem Cinematográfica (2003), escrito em meados dos anos 50 e 60 e por ele revisado em várias reedições e traduções até os dias atuais, encontraremos subsídios e categorias que foram trabalhados pelo autor como parte de padrões

gerais para a compreensão do fenômeno cinematográfico enquanto forma de expressão – como o próprio nome do livro sugere enquanto “linguagem”.

Martin é consciente da problemática e dos debates já trilhados quando a questão se volta para a afirmação do cinema como arte e como linguagem. Tais problemáticas envolvem seu caráter industrial e comercial, sua origem mecânica, cientificista e seus procedimentos imprecisos de expressão. Porém o autor não foge delas ou tenta escondê-las, deixando desde o início claro que àquela época (e, talvez, até os dias atuais) não há nada fixo e irrefutável no estudo categórico da arte cinematográfica, apenas de que esta já produziu certa gama de obras quase tão importantes, como a Ilíada, de Homero ou a Monalisa, de Da Vinci.

Antes de tudo, o autor enfatiza o caráter “realista” da imagem fílmica, que é produzida a partir da câmera cinematográfica e, por isso, dotada de todas (ou quase todas) as características da realidade, como movimento, som, cor, etc. A imagem fílmica:

(...) resulta da atividade automática de um aparelho técnico capaz de reproduzir exata e objetivamente a realidade que lhe é apresentada, mas ao mesmo tempo essa atividade se orienta no sentido preciso desejado pelo realizador. (MARTIN, 2003, p. 21)

Apesar de automática, como podemos perceber, ela é orientada (guiada) por um produtor, mais comumente o diretor de cinema. Acontece, portanto, que esse teor realista é apenas fruto da aparência objetiva do aparato cinematográfico, como afirma Martin, e que causa tal impressão no espectador. Porém o que o autor pretende analisar em seu livro e que é onde reside objetivamente o caráter artístico do cinema são as intervenções de seus idealizadores no instrumento mecânico, modificando a imagem e dando-lhe, assim, um sentido. Martin é, por formação, semiólogo –, modificações que se operam a partir dos ângulos de câmera, dos focos, da montagem, da música de fundo, etc.

Os sentidos surgem a partir de tais modificações na imagem objetiva da câmera e da dialogicidade que se cria entre as cenas e os enquadramentos do próprio filme, pois a imagem em si “é carregada de ambiguidade quanto ao sentido de polivalência significativa” (MARTIN, 2003, p. 27): ela sozinha não pretende dizer nada. Porém Martin enfatiza que na percepção de tais sentidos não basta uma excelente aplicação das técnicas de modificação da imagem por parte da equipe de produção: outro dado importante na significação fílmica é a própria atitude do espectador diante da tela:

Consequentemente, se o sentido da imagem é função do contexto fílmico criado pela montagem, também o é do contexto mental do espectador, reagindo cada um conforme o seu gosto, sua instrução, sua cultura, suas opiniões morais, políticas e sociais, seus preconceitos e suas ignorâncias. (MARTIN, 2003, p. 28)

Por isso, em seu livro, Martin cobra uma atitude estética por parte do espectador cinematográfico: que mantenha certa distância, desacredite a realidade material que está adiante e tenha consciência de que está em face de uma representação, principalmente, o espectador crítico, como ele se posiciona.

Já sabemos de antemão que os filmes de Sally Potter são considerados “autorais”, por ela sempre lutar para fazer apenas os filmes que escreve (FOWLER, 2008). Em seus filmes, além do roteiro, a música, a escolha dos atores e a direção em si é tudo realizado/escrito por ela ou por ela supervisionado. Também sabemos que Potter costuma não trabalhar com estéticas padronizadas, oriundas da maneira “masculina” de fazer cinema e, como consequência, foge de tomadas clássicas como, por exemplo, evocar a sensualidade a partir da nudez feminina ou de indicar poder através de ângulos invertidos.

Por isso, as categorias de Martin, como os sentidos que podemos suscitar a partir de enquadramentos, ângulos e movimentos de câmera ou de elementos mais internos, como a iluminação, o vestuário das personagens e o próprio som (os ruídos, ou a música), servirão de base inicial na tentativa de identificar certos sentidos que foram criados pela diretora.