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A Estratégia de Saúde da Família x Organização de Serviços de Saúde

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.5 A Estratégia de Saúde da Família x Organização de Serviços de Saúde

Um dos acontecimentos mais significativos, nos últimos 20 anos, e decorrente repercussão da mundialização do capital sobre as políticas de saúde no que refere-se a perda crescente de prestígio e influência internacional da OMS, (ROCHA, 2000). O Banco Mundial, por sua vez fazia crescer a influência na política seletiva.

Para Laurel apud Rocha (2000) esse momento caracteriza um avanço em direção ao passado: redução dos gastos públicos e seletividade nos programas (como, por exemplo, o PRONASOL no México e Comunidade Solidária no Brasil). A perspectiva básica do Banco Mundial é considerar a saúde como um setor privado e não como necessidade humana básica e um direito inalienável dos cidadãos.

Para o World Bank apud Senna (2002) a ESF emerge num contexto de racionalização dos gastos em saúde decorrentes da implementação de medidas de ajustes, sobretudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. A agenda de reformas proposta por essas agências baseia-se no diagnóstico da inadequação dos gastos brasileiros em saúde, que seriam excessivos e não atingiriam as regiões e os grupos sociais mais pobres. Ao mesmo tempo, o Banco Mundial critica o modelo hospitalocêntrico ineficaz e o pouco investimento nas ações preventivas e de promoção à saúde.

Segundo Hartz e Contandriopoulos (2004), o problema da fragmentação dos modelos assistenciais indica a integração dos serviços de saúde que aparece como atributo inerente às reformas das políticas públicas fundamentadas na atenção básica da saúde.

A Unidade de Saúde da Família está inserida no primeiro nível de ações e serviços do sistema local de saúde. Na prática, são observadas inúmeras dificuldades na organização desses serviços (acolhimento, acesso, referência e contra referência e instalações físicas das unidades de saúde). Embora o foco da ESF seja a atenção básica, faz-se necessário

oferecer a população uma assistência integral, referenciando-a quando for necessário. Os serviços de saúde, por sua vez, precisam estar articulados e integrados em todos os espaços organizacionais do sistema de saúde (CAMPOS, 2003). Esta articulação constitui um dos pilares a sustentar a criação do SUS e é denominado de integralidade.

O conceito de integralidade definido por Hartz e Contandriopoulos (2004), remete obrigatoriamente a concepção da integração de serviços por meio de redes assistenciais, reconhecendo a interdependência dos atores e organizações. É indispensável desenvolver mecanismos de cooperação e coordenação próprios de uma gestão eficiente e responsável dos recursos coletivos, o qual responda às necessidades de saúde individuais em âmbito local e regional.

Para Mattos (2001) a organização do princípio da integralidade abrange três grandes conjuntos de sentidos. O primeiro, relacionado a atributos das práticas dos profissionais de saúde, o segundo, diz respeito às características da organização dos serviços e o terceiro, aplica-se às respostas governamentais.

Enfatizaremos apenas um dos sentidos da integralidade: organização de serviços. Considerados por muitos como um entrave para que as equipes de saúde da família promovam atendimento contínuo e integrado á população adscrita da ESF.

Soares (2000), ao analisar ESF mostra inúmeras dificuldades para a mudança do modelo assistencial e dentre elas cita a ausência de redes regionalizadas e hierarquizadas para garantir o acesso universal a todos os níveis de atenção, o que limita o atendimento dado por esta estratégia a uma simples porta de entrada sem saída.

Muitos gestores da saúde consideram que podem organizar e estruturar a demanda de serviços das Unidades de Saúde a partir exclusivamente de usuários que devem ser referenciados pelas equipes da ESF.

Dessa forma, elimina-se a possibilidade de atendimento a demanda espontânea. A população continua recorrendo aos serviços de saúde em situações de sofrimento e angústias, e, não tendo atendimento satisfatório, dirige-se para as Unidades de Pronto Atendimento e Prontos Socorros. Este constitui um erro da ESF visto que a população acaba por forçar a organização de serviços a um maior comprometimento com os projetos médicos- hegemônicos, a fim de responder as suas necessidades imediatas.

No dia a dia das equipes de saúde é observado que a referência por serviços especializados e para apoio diagnóstico constitui um problema crítico. Para Mattos (2001) este problema está relacionado ao princípio da integralidade no que diz respeito a característica da

organização dos serviços, na qual se critica a dissociação entre as práticas de saúde pública e as práticas assistenciais.

Para que não exista essa dissociação, faz-se necessário promover um bom acolhimento, garantir o acesso, a referência e contra-referência e oferecer também boa estrutura física nas unidades de saúde de modo a garantir o atendimento a população.

Em relação ao acesso é preciso, analiticamente, evidenciar a dinâmica e os critérios de acessibilidade a que os usuários estarão submetidos ao longo de suas relações com o modelo de atenção. O acolhimento implica principalmente em reorganizar o serviço, no sentido de garantia do acesso universal, resolutividade e atendimento humanizado.

Oferecer sempre uma resposta positiva ao problema de saúde apresentado pelo usuário é a tradução da idéia básica do acolhimento, que se construiu como diretriz operacional. Propõe ainda inverter a lógica de organização e funcionamento dos serviços de saúde, partindo dos seguintes princípios: atender a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde garantindo a acessibilidade universal, reorganizando o processo de trabalho e qualificando a relação trabalhador usuário.

Para Aday e Andersen apud Hortole (1999) foi Donabedian quem melhor definiu acesso: “a prova de acesso consiste na utilização de um serviço, não simplesmente na sua existência”. Dessa maneira, o acesso pode ser medido pelo nível de utilização em relação a necessidade. Uma análise em termos de custo, disponibilidade, economia interna (tempo de espera, demora e interrupções na prestação de serviços etc.) e variáveis psicológicas ou conhecimento sobre a saúde não é suficiente para indicar se todos aqueles indivíduos que desejam entrar no sistema efetivamente conseguem.

A principal dificuldade ao avaliar o acesso é verificar se as pessoas que realmente necessitam de atenção recebem. Os problemas no acesso decorrentes das dificuldades na referência de serviços determina uma situação relevante onde a barreira de acesso pode vir a dificultar as vantagens obtidas na integralidade, impedindo a realização do “menos complexo” por falta de tempo (prevenção, visitas).

Havendo problemas de resolutividade na referência para as especialidades, o “mais complexo” torna-se também difícil e a qualidade dos serviços prestados torna-se prejudicada.

Portanto, para organizar os serviços de saúde faz-se necessário o uso de tecnologia na assistência como também uma articulação entre as esferas social, econômica e política.

“Daí-me Senhor a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo,

um ponto de partida para um novo avanço”.

(Cecília Meireles)