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2.2 NARRATIVA SERIADA

2.2.1 A Estrutura de uma narrativa seriada

Assim como mencionado no início do capítulo, todas as narrativas fazem uso de alguns elementos em comum. Entretanto, certos tipos de narrativa fazem uso de outros elementos que ajudam a complementar um tipo de narrativa ou outro. Ao referir-se a narrativa seriada, Machado ( 2014, p. 83 ) concentra-se no modo televisivo de difusão deste tipo de conteúdo, ao dizer que “chamamos de serialidade essa apresentação descontínua e fragmentada do sintagma televisual”.

Essa fragmentação é o elemento que a narrativa seriada apresenta e que se difere da maior parte dos outros tipos de narrativa. Essas pequenas partes de uma história maior podem ser distribuídos todos de uma só vez, como ocorre em telenovelas brasileiras, que iniciam e terminam em um mesmo ciclo, como também podem dividir-se em temporadas, comuns às séries de televisão estadunidenses. Grande parte dos seriados dos EUA contam com cerca de vinte episódios por temporada, contando, usualmente, o período de até um ano de vida dos personagens ali presentes. Nos Estados Unidos é comum que, quando a série trata de uma época contemporânea, os episódios sigam enredos temáticos combinando com comemorações anuais como o Halloween (grande celebração estadunidense), o Dia de Ação de Graças, um dos feriados mais importantes para a cultura dos estadunidenses, e o Natal. Machado ( 2014 ) entende que o elemento da narrativa chamado de “enredo” se divide em capítulos, como nas telenovelas, no Brasil, ou em episódios, comuns nas séries televisivas estadunidenses.

Essas divisões, por sua vez, se dividem em partes menores, os blocos, e normalmente entre essas divisões são colocados os breaks comerciais. Segundo o autor, é bastante comum que esses blocos se iniciem com pequenas retomadas do que ocorria anteriormente — caso o espectador não tenha acompanhado o último bloco — e terminem com um gancho de tensão, ou cliffhanger , cuja existência não 2

passa de um artifício para manter o telespectador intrigado com a história até a próxima parte da série. A retomada, referenciada por Machado (2014), se assemelha à técnica chamada Cold Open , que consiste em começar o episódio da

2 Cliffhanger: “quando algo importante está em jogo, mas somos obrigados a aguardar o resultado no

série diretamente com a ação dos personagens — porém, no caso das Cold Opens não há necessidade de retomar o episódio anterior ou de apresentar o episódio presente — com o objetivo de capturar a atenção da audiência imediatamente após o término da programação anterior. De modo literal, Cold Open define tudo que acontece na série antes de sua abertura. É uma técnica criada após a percepção de que a abertura da série antes do episódio causava a evasão de parte da audiência. Assim, a técnica de não iniciar o programa com a própria abertura e inseri-la apenas depois da Cold Open é utilizada para evitar que o espectador troque de canal ou desligue a televisão. Após a audiência já ter se engajado com o seriado, a história real começa.

O autor Doc Comparato (1983, p. 28-29) define que as principais diferenças entre cinema e televisão têm a ver com a linguagem, sendo que “a diferença básica está no discurso: na televisão, é interrompido, no cinema é contínuo”. Assim, o autor explica que a necessidade da televisão de apresentar conteúdo dessa maneira é que precisa-se manter o mesmo grau de atenção antes e depois da interrupção comercial, e isso precisa ser planejado para não perder a atenção do espectador. É importante, também, apontar que a televisão sofreu grandes mudanças desde a década de 1980, que era contemporânea para o autor, e que de lá para cá a internet, e principalmente os serviços de streamings, foram responsáveis por causar mudanças estruturais na maneira como a televisão é produzida, então, uma melhor interpretação dos conceitos de Comparato seria que a principal diferença entre televisão e cinema, é o conceito de narrativas contínuas e narrativas fracionadas, ou seja, filmes e séries (além dos programas jornalísticos, de auditórios e outros tipos de gêneros televisivos).

Segundo McSill (2013, p. 193), a receita para manter a audiência conectada com sua história é “criar uma lacuna emocional através do dilema moral e do conflito” e entregar em pequenas doses as informações que vão completando o quebra-cabeça da trama. Dessa forma, ao chegar ao momento em que se parece hora de revelar a verdade, cria-se uma lacuna ainda maior — “derradeira” — para garantir que a audiência esteja a ponto de fazer qualquer coisa para receber alguma nova informação, que irá selar a trama do dilema moral aberto no início. O autor completa afirmando que, após revelar as informações que faltavam à audiência,

deve-se deixar um período de tempo curtíssimo para a reação. Sobre isso, McSill (2013) afirma:

A audiência tem de escapar ou ser empurrada para fora da história ainda doendo, ainda com marcas do êxtase e com sensação de que pagou o preço físico e emocional altíssimo para viver a trama até o fim, mas que saiu vitoriosa, satisfeita, quiçá implorando por mais! (McSILL, 2013, p. 193) Por fim, os autores confirmam que existem duas maneiras mais coerentes de entregar o desfecho de uma trama. Uma delas é fazendo uso do cliffhanger , comum quando se fala em deixar a audiência interessada no próximo episódio, temporada ou filme. A outra é entregando a conclusão de todo o enredo logo antes de terminar a narrativa. Dessa forma, o telespectador ainda está vivendo o êxtase do clímax quando retorna à realidade e se mantém extasiado por alguns momentos, trabalhando mentalmente o que acabara de consumir.

3 ARQUÉTIPO

O conceito de arquétipo pode ser desmembrado em algumas áreas ligadas a sua criação. Em uma perspectiva histórica, há uma caminhada em constante desenvolvimento que aprimora a ideia geral de arquétipo e como isso é utilizado na mídia. Segundo as autoras do livro “O Herói e o Fora-da-Lei”, e os especialistas na área de arquétipos aplicado à criação de marcas, Mark e Pearson:

Enquanto Freud acreditava que nossas fantasias resultavam somente de nossas experiências e condicionamentos, Jung observou que as fantasias são bastante previsíveis, seguindo padrões narrativos bem conhecidos. Na percepção de Jung, todos os seres humanos compartilham uma herança psíquica que subverte as diferenças aparentes de tempo espaço e cultura. (MARK e PEARSON. O Herói e o Fora da Lei, 2003, p. 44)

As autoras, do mesmo modo, afirmam que os arquétipos podem ser integrados na chamada teoria motivacional. Isso consiste na distribuição dos arquétipos em um gráfico que apresenta dois eixos: Pertença/Grupo versus Independência/Autorrealização, e Estabilidade/Controle versus Risco/Mestria, como mostrado na figura 7.

Figura 7: Gráfico da Teoria da Motivação, por Mark e Pearson (2003).

Fonte: Gráfico reproduzido a partir do livro de Mark e Pearson (2003).

De certa forma, esses 4 polos, opostos em seus próprios eixos, são os responsáveis pela movimentação do ser humano. De alguma forma, toda pessoa,

em algum momento, busca ser pertencente a um grupo. Esse comportamento faz com que ações sejam tomadas a fim de agradar os outros, enquanto, no momento seguinte, é possível que o desejo seja de independência, de individualização. Por consequência, decisões que não agradam ou não fazem sentido a todos podem ser tomadas.

Assim como é muito comum que pessoas se vejam em situações em que se busca estabilidade e segurança, pode-se atestar esse tipo de comportamento na busca por seguro de vida ou de bens, como também na optativa de um emprego em relação ao outro pensando nos benefícios além do salário, como plano de saúde etc. Em outros momentos, uma decisão de alto risco pode ser tomada, tendo em vista o desejo pela realização pessoal. Evidencia-se esse desejo em pessoas que abrem mão de um emprego seguro e optam por empreender em um negócio de risco, por exemplo.