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A Estrutura do Vidro

No documento CAPÍTULO IV ESTRUTURAS ATÔMICAS (páginas 40-45)

O vidro possui diversas definições, variando conforme o enfoque que se quer dar pelos autores. A ASTM define o vidro como sendo “um produto inorgânico de fusão que foi resfriado até atingir condições de rigidez, sem sofrer cristalização”. Entretanto, muitos autores apenas associam ao vidro a idéia de uma estrutura não cristalina, rígida, sendo originada do resfriamento de um líquido viscoso. Sob este aspecto, alguns compostos orgânicos e semiorgânicos se encaixam também na definição de vidro.

As estruturas vítreas não possuem completa desordem atômica. Elas se caracterizam por: a) ordem de pequena distância e desordem de longa distância e; b) uma estrutura contínua de ligações primárias fortes. A figura 4.49 exibe a estrutura de um vidro de B2O3 em contraste a uma estrutura cristalina do mesmo material. Note que os cátions se ligam aos ânions sempre formando uma estrutura triangular. Entretanto, estes triângulos se ligam a outros, compartilhando o ânion oxigênio, de forma desordenada, ao contrário da estrutura cristalina, que possui um arranjo ordenado de triângulos. O vidro de sílica, o mais comum dos vidros, freqüentemente erradamente citado como quartzo (quartzo é uma estrutura cristalina do SiO2), tem estrutura vítrea semelhante, com a diferença que existe mais um ânion ligado ao cátion, da direção perpendicular ao plano da página, formando assim um tetraedro. Uma difração de raio x do vidro de sílica mostra uma banda de difração relativamente larga, denotando justamente a ordem de curto alcance dos tetraedros e apontando 1,62Å como a distância média da ligação Si-O. Esta distância varia mais nos vidros que nos cristais de sílica por causa das maiores tensões exercidas pela estrutura vítrea sobre os tetraedros, em comparação as tensões da estrutura cristalina.

Outros cátions podem ser adicionados à estrutura vítrea, pois não havendo ordem geométrica, implicações de tamanho não são mais tão importantes. Deve-se continuar observando a neutralidade elétrica da estrutura, no entanto. A troca iônica é possível nas estruturas vítreas, assim como era nas estruturas cristalinas. Os cátions podem se difundir até a superfície e lá serem trocados por outros cátions externos, que se difundem para o interior. Por exemplo, a vibra de vidro, bastante utilizada como isolante elétrica, deve ter baixo teor de Na2O, senão ocorre a troca do Na+ pelo H+ da umidade atmosférica ou de soluções aquosas em contato com a fibra e as propriedades dielétricas da fibra são modificadas.

A introdução de outros cátions, adicionados na forma óxida, é feita com o objetivo bem definido, pois cada óxido distinto altera de modo específico as propriedades do vidro. Zachariasen [J. Amer. Chem. Soc. 54, 3941 (1932)] elaborou algumas regras sobre as diferentes tendências que tinham os óxidos de formarem vidros. Elas dizem respeito, de certo modo, à conveniência de se introduzir certos óxidos nos vidros. As regras foram fruto de muitas observações. Basicamente, o vidro é considerado uma cadeia polimérica tridimensional, ou seja, os íons que constituem a estrutura estão interligados, mas não tão organizados quanto em uma rede cristalina. Para que isto aconteça, cadeias lineares devem ser formadas que possuam ligações entre si, de modo a formar um esqueleto tridimensional. Deduz-se então que os íons não podem ter alto número de coordenação, pois isto é característica de estruturas cristalinas, nem número de coordenação muito baixo, pois apenas cadeias lineares não conectadas iriam se formar. A regras são as seguintes:

1- cada átomo de oxigênio não pode coordenar-se com mais de dois átomos metálicos (justamente para que números de coordenação elevados significam formação de uma arranjo ordenado).

2- os átomos metálicos devem ter um baixo número de coordenação (esta regra está ligada à mesma razão).

4- Três ou mais vértices de cada coordenação poliédrica precisam ser compartilhados (assegura a polimerização da estrutura de modo tridimensional por causa do número de coordenações. A coordenação dupla geraria uma cadeia linear, por exemplo).

Poucos óxidos reúnem as condições explicitadas no conjunto de regras. Os óxidos de metais mono ou bivalentes, por exemplo, não se ligam a tantos oxigênios assim para formar uma rede tridimensional. Poderiam apenas formar cadeias lineares. Os átomos dos grupos IV, V, VI e VII possuem elevados números de coordenação e/ou tendem a formar íons poliatômicos que não se polimerizam, como SO4-2. Os óxidos de fórmulas RO2 e R2O5 são os mais suscetíveis à formação de vidro. Óxidos de fórmula R2O3 formam vidro apenas se o cátion for suficientemente pequeno para se coordenar a três átomos de oxigênio, formando um arranjo triangular. Somente o boro tem esta capacidade, com o óxido B2O3. Este óxido e ainda SiO2, GeO2, P2O5, e As2O5 tendem a formar vidros e são denominados formadores de rede. Existem ainda outros óxidos cujos cátions são pequenos o suficiente para substituírem os cátions dos formadores de rede, podendo assim também serem, até certo ponto, considerados formadores de rede. Entretanto, existem outros óxidos não formadores de rede que quando adicionados ao vidro alteram as características mecânicas, dielétricas e óticas do material, além de alterarem sua trabalhabilidade. Aliás, estas são as razões de seu uso. Os óxidos Na2O, K2O, CaO, BaO, MgO, PbO entre outros, quando adicionados ao vidro, se decompõem e quebram as ligações existentes na rede vítrea. Estes óxidos são então denominados modificadores de rede.

A figura 4.50 exemplifica o que acontece à estrutura quando o cátion de um óxido modificador de rede, no caso o Na2O, é adicionado ao vidro. O óxido se decompõe e ligações existentes na rede são desfeitas, ou seja, ocorre uma despolimerização da rede. Esta despolimerização é justamente responsável pelo aumento da fluidez do vidro, aumentando sua trabalhabilidade. Os cátions adicionados devem ocupar interstícios separados, por se repelirem e o oxigênio fica ionizado. A tabela 4.6 mostra a composição de muitos vidros comerciais e suas propriedades, em grande medida influenciadas pelos aditivos. Os vidros com alto teor de sílica são mais refratários, isto é, possuem viscosidade mais elevada. Isto permite seu uso em temperaturas mais elevadas, exatamente devido à maior polimerização de sua rede.

Figura 4.49: Fases vítrea e cristalina do B2O3. O arranjo triangulares B-O no vidro não estão arranjados de acordo com uma ordem de longo alcance, a exemplo da estrutura cristalina. Fonte: Van Vlack.

O fato de uma estrutura vítrea não ter ordem cristalina, assemelhando-se a um líquido rígido, faz com que a transformação líquido-sólido, ou seja a fusão, não seja comparável ao caso da fusão de materiais cristalinos. Neste último caso, a fusão é caracterizada pela total perda de ordem estrutural. No caso do vidro, a ordem inexiste. Assim, outra propriedade do material é usada para definir a fusão: a densidade do material. Um material cristalino, quando resfriado abaixo do ponto de fusão,

solidifica-se e sofre um aumento brusco de densidade. Um material vítreo, estando inicialmente líquido e sendo resfriado, tem sua densidade aumentada continuamente, ao invés de bruscamente, significando que a rede vítrea está sendo formada e os átomos buscam posições que proporcionem maior empacotamento.

Figura 4.50: A introdução de Na2O ao vidro de sílica despolimeriza a estrutura. Fonte: Van Vlack.

Tabela 4.6: composição de diversos tipos de vidros comerciais e suas propriedades principais. Principais componentes %

Tipo

SiO2 Al2O3 CaO Na2O B2O3 MgO PbO outros

Observações Sílica

fundida

99 Dilatação térmica muito

baixa, viscosidade muito alta

vycor 96 4 Dilatação térmica muito

baixa, viscosidade alta

pyrex 81 2 4 12 Dilatação térmica muito

baixa, baixa troca iônica

garrafas 74 1 5 15 4 Fácil trabalhabilidade,

grande durabilidade

pratos 73 1 13 13 Alta durabilidade

Vidro de janela 72 1 10 14 2 2 Alta durabilidade Bulbo de lâmpad as 74 1 5 16 4 Fácil trabalhabilidade

fibras 54 14 16 10 4 Baixo teor de álcalis

Vidro ótico flint 50 1 19 BaO(13) K2O(8) ZnO(8)

Índice de refração específico

A partir de determinado ponto, a curva de densidade muda de inclinação. Este ponto significa que a rede vítrea está suficientemente extensa e a temperatura suficientemente baixa para impedirem o movimento dos átomos na busca por um empacotamento maior. Este é o ponto em que o vidro muda de um estado líquido super resfriado para um estado rígido. Entretanto, este ponto de transição muda conforme a taxa de resfriamento empregada. Para resfriamentos mais rápidos, a temperatura de transição é mais alta porque os átomos não têm muito tempo para buscar posições de maior empacotamento, como em casos de resfriamento lento. Em temperaturas inferiores a de transição, o posterior aumento da densidade deve-se à diminuição do espaçamento médio entre os átomos e não mais ao reposicionamento deles. Portanto, a temperatura de transição vítrea não é bem definida, mas varia em uma faixa. A figura 4.51 mostra o comportamento típico da densidade de um vítreo, em comparação ao de um material cristalino.

Figura 4.51: comportamento da densidade de um material cristalino (tracejado) e de um material vítreo (cheio) resfriado lenta e rapidamente. O cristalino possui ponto de fusão (TF), o vítreo possui temperatura de transição vítrea (TV).

A viscosidade é outra propriedade que tem comportamento distinto daquele dos materiais cristalinos. Nestes, quando o material solidifica, a viscosidade aumenta bruscamente. No caso dos vidros, a viscosidade aumenta continuamente à medida que se resfria o material. Dependendo do valor da viscosidade, diversos pontos e regiões podem ser definidos. O material é considerado líquido quando possui densidade da ordem de 10Pa.s. Em 103Pa.s há o ponto de trabalho, onde o vidro pode ser facilmente trabalhado. Por volta de 4x107Pa.s há o ponto de amolecimento, abaixo desta temperatura o vidro não pode ser trabalhado sem haver dificuldade de conformação. Em torno de 1012Pa.s existe ainda difusão atômica suficiente para garantir o relaxamento de quaisquer tensões residuais no material em cerca de 15 minutos. A figura 4.52 mostra o gráfico da viscosidade em função da temperatura para várias composições vítreas.

TV

densidade

Temperaturaa TF

Figura 4.52: Temperaturas importantes de diversas composições de vidro estabelecidas pela viscosidade. Fonte: W. Callister.

A estrutura vítrea pode se transformar em cristalina. A este processo dá-se o nome de devitrificação. Nem todos os materiais que possuem ordem cristalina podem exibir também uma estrutura vítrea, mas os materiais vítreos podem se mostrar cristalinos também porque a energia livre de uma estrutura vítrea é superior aquela da estrutura cristalina. A devitrificação depende de vários fatores: a) tempo, b) temperatura, c) nucleação e d) estrutura interna. O tempo refere-se ao fato que a devitrificação exige a movimentação dos átomos na estrutura para assumirem novas posições coerentes com uma estrutura ordenada. Isto requer tempo. Entretanto, em muitos casos, um tempo tão longo quanto séculos ou milhares de anos. O aumento da temperatura aumenta a difusividade do material, portanto permite que os átomos se movam mais rapidamente.

No documento CAPÍTULO IV ESTRUTURAS ATÔMICAS (páginas 40-45)

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