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4.1 África, filosofia e cultura em Kwame Anthony Appiah

4.1.2 A etnofilosofia

Faz-se necessário retomar o debate a cerca da etnofilosofia no pensamento de Appiah. Inicia o debate questionando-se existe de fato, uma filosofia africana, ou melhor, “que tipos de atividade intelectual deveriam ser chamados de filosofia” (APPIAH, 1997:127).

Para tanto, discute em torno da moderna filosofia africana e a religião considerada como “tradicional” para pensar uma proposta de modernização para a África, mas no sentido de pensar os problemas africanos distantes de uma ideia estereotipada das suas diferenças, e sim, a partir da situação especial da qual esses problemas emergem, sendo encarados como problemas humanos e não como problemas africanos.

Partindo de alguns pressupostos ele enfatiza sua preocupação central dentro daquilo que ele denomina de Etnofilosofia, a saber, preocupa-se, com a situação dos intelectuais africanos, pois, para Appiah, é complicado defender uma filosofia africana se a formação dos filósofos universitários africanos tem ocorrido, sobremaneira, nas tradições do ocidente. (APPIAH, 1997).

Ora, há uma diferença intrínseca daquilo que ele denomina de filosofia popular baseado nos aspectos culturais, nas crenças estabelecidas pelo grupo, por ser crenças não são submetidas a uma análise crítica e sistematizada da razão,

diferentemente da filosofia acadêmica que tem a razão e a argumentação como papel central.

Ora, ele compreende que toda cultura tem uma filosofia, mas essa filosofia precisa ser trabalhada por um filósofo para se tornar acadêmica, sendo assim, sempre há trabalho para um filósofo em qualquer realidade humana.

Por serem africanas, enraizadas ao menos até certo ponto em suas culturas tradicionais, e por serem, ao mesmo tempo, intelectuais formados nas tradições do Ocidente, essas pessoas enfrentam uma situação especial. Podem optar por tomar emprestados os instrumentos da filosofia ocidental em seu trabalho. Mas, se quiserem realizar essas investigações conceituais nos mundos de pensamento de suas próprias tradições, estarão fadadas a fazê-lo com uma das ideias consciência altamente desenvolvidas dos questionamentos das ideias ocidentais. (APPIAH, 1997. p. 130)

Nesse sentido, dando continuidade ao debate de se pensar uma filosofia africana, Appiah (1997) considera que a maioria dos filósofos dos departamentos de filosofia em África são herdeiros de duas grandes tradições ocidentais: anglófona e francófona.

Ora, nessa análise cita dois grandes filósofos africanos, a saber: Paulin Hountondji e Kwasi Weredu. Se para Hountondji formado na tradição francófona, falar em filosofia africana significa levar em consideração uma radicalidade de pertença geográfica, ou seja, a premissa primordial de que para ser um filósofo africano tem que ser nascido em África e que os textos escritos sejam reconhecidos filosoficamente pelos próprios africanos, para Weredu, por sua vez, que advém de uma formação anglo-americana, “a filosofia africana pode tomar emprestados e aprimorar os métodos da filosofia ocidental” (APPIAH, 1997, p. 134).

Appiah, no seu trabalho acadêmico, também estabelece uma série de críticas à vertente que considera a filosofia eminentemente africana, a mesma, por sua vez, está atrelada a uma visão filosófica racialista, na defesa da intelectualidade negra que se confronta com a perspectiva racial de Hume e Hegel que sustentavam que os africanos não tinham razão pensante. Os defensores dessa corrente argumentam a seguinte defesa: se existe uma filosofia branca, por que não pode existir uma filosofia negra? Nesse sentido Appiah afirma: “[...] a filosofia negra tem que ser rejeitada, pois defendê-la depende dos pressupostos essencialmente racistas da filosofia branca da qual ela é a antítese” (APPIAH, 1997, p. 136). Apesar de não concordar muito com essa visão epistemológica, ele considera a mesma bem mais

sábia em relação aos pressupostos dos apóstolos da negritude, que buscam explorar os sentimentos e deixar a parte intelectual para ser pensada apenas pelos brancos.

Em síntese, o autor, argumenta que

Assim, para que a tese favorável a uma filosofia africana não seja racista, há que se consubstanciar alguma alegação no sentido de que existem problemas importantes de moral, epistemologia ou ontologia que são comuns na situação dos que vivem no continente africano: e a fonte desse complexo comum de problemas, não podendo ser racial, há de residir no meio ambiente africano ou na história africana (APPIAH, 1997, p. 136)

Com esse argumento Appiah não está afirmando que se deva enxergar os problemas africanos de modo particularizado, mesmo que certos problemas filosóficos dentro do continente sejam diferentes dos problemas ocidentais e, por conta disso, necessite de métodos diferenciados. Entretanto, essa particularidade não deve ser encarada de forma absoluta e mais importante do que outras análises, pois se é filosófica, sua relevância se assenta pelo fato de ser partícipe da extensão do pensamento humano.

Ademais, considera que a importância da filosofia de Platão; Aristóteles; Kant; Hegel e tantos outros, se dá pelo fato de fazerem parte da fascinante corrente que diz respeito a história da vida mental da espécie humana. O conselho, portanto, do filósofo Appiah é que se encontre o equilíbrio para a existência da filosofia africana no cânone do pensamento humano, pensamento esse que a Europa também faz parte.

Ao que se refere ao conceito da etnofilosofia, conceito esse que tem como fundador o Padre Belga Placide tempels, história de fundação já esclarecida nos capítulos anteriores. Appiah, no entanto, de detém a compreensão que Hountondji estabelece ao pensar que a etnofilosofia tem como principal argumento explorar e sistematizar o mundo dos conceitos das culturas tradicionais africanas. A etnofilosofia para esse filósofo, afirma Appiah “existe “para um público europeu” É uma tentativa de lidar com sentimentos de inferioridade cultural redefinindo o folclore como filosofia” (APPIAH, 1997, p. 152). Além do mais considera que

[...] o tipo de trabalho analítico que precisa ser feito com esses conceitos não é algo que se realize com facilidade a partir de informações de segunda mão: e a maioria dos relatos antropológicos – ainda que não os melhores, talvez – é um bocado ingênua do ponto de vista filosófico. Isto seria mera implicância crítica (afinal, há pouquíssima coisa escrita sobre a África que seja filosoficamente séria), não fosse o fato de que a visão de que a filosofia africana é justamente a etnofilosofia foi largamente presumida pelos que

pensaram no que os filósofos africanos deveriam estudar (APPIAH, 1997, p. 139)

O Ocidente, segundo Appiah, tem se tornado a sombra para muitos intelectuais africanos que não conseguem fazer uma análise filosófica sobre as experiências africanas se não fazer uma comparação com o pensamento europeu e até islâmicas, na tentativa de descobrir quem de fato está certo dentro do sistema de pensamento.

Entretanto, o filósofo ganês, argumenta que “esse sistema não tem que ser “ocidental” ou “tradicional”: pode extrair elementos de ambos e criar novos elementos próprios” (APPIAH, 1997, p. 139), caso sejam incompatíveis alguma coisa deve ser abandonada dentro do sistema filosófico em construção.

Possivelmente, fica muito evidente no trabalho de Appiah que ele considera de profunda relevância intelectual o trabalho filosófico de Wiredu e Hountondji por formularem as seguintes questões em relação a esse debate.

Ambos são contrários a perspectiva da etnofilosofia. Nesse sentido, Wiredu parte do pressuposto de que, para que a filosofia seja de fato africana suas temáticas; métodos e afirmações em hipótese alguma, devem se assemelharem a vertente das ideias culturais que colonizaram a Africa. Sendo ele adepto da universalidade da razão; o local segundo ele, é global e o global local. Contudo, “não existem verdades africanas, apenas verdades, dentre essas verdades, apenas algumas são referentes à África”.

Para tanto, é adepto da modernização da África, pois segundo ele, o projeto central da África negra é essencialmente um projeto filosófico. Ora, para Wiredu, portanto, “a busca do desenvolvimento [...] deve ser vista como um processo histórico mundial contínuo, no qual todos os povos, ocidentais e não ocidentais, estão empenhados” (APPIAH, 1997, p. 150). Procura, por sua vez, entender a tradição e se interessa pelas possibilidades da modernização dentro da África.

Segundo Hountondji, por sua vez, pensar na filosofia africana, como africana, (e aí ele concorda com Wiredu) é pensa-la como parte do discurso universal da filosofia que é realizada pelos intelectuais africanos (APPIAH, 1997).

Appiah considera que é necessário “ultrapassar o projeto descritivo da etnofilosofia que deve ser o verdadeiro desafio dos filósofos comprometidos com os problemas da África contemporânea, como é o caso de Wiredu e Hountondji, O aspecto, talvez, mais significativo do pensamento de Appiah, talvez esteja centrado

no fato de pensar um projeto filosófico fundamentado nas identidades africanas repensadas.