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Capítulo III – O Regime dos Auxílios de Estado no âmbito do Direito da Concorrência

II. A evolução do conceito de Auxílio de Estado do TCECA ao TFUE

belecidos nos artigos 107º, 108º e 109º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Conforme, afirmamos no Capítulo I da presente dissertação a delimitação do conceito de Auxílio de Estado, não é uma tarefa fácil, visto o Tratado sobre o Funcionamento da União Euro- peia, não dispor no n.º 1 do artigo 107º de uma definição clara e concreta de Auxílio de Estado.

155 Cfr. CAMPOS, Manuel A. F., O Controlo da Concessão de Ajudas Públicas na União Europeia e na Organização Mundial do Comércio

– Fundamentos, Regimes e Resolução de Desconformidades, Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2011, pp. 145.

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O Tribunal de Justiça da União Europeia tem desempenhado um papel fundamental na determinação do conceito de Auxílio de Estado. Todavia esta árdua tarefa não tem sido desempe- nhada apenas pelo Tribunal de Justiça, tendo a Comissão Europeia contribuído para a delimitação do conceito, através de atos administrativos genéricos, que permitem à própria Comissão funda- mentar as suas decisões e que serve de orientação não só ao Tribunal de Justiça, como também para os Estados-Membros156.

A delimitação concreta do conceito de Auxílio de Estado, pelo Tribunal de Justiça, tem sido realizada com base no n.º 1 do artigo 107º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e carateriza-se por ser uma definição em sentido lato, de forma a contemplar o maior número de comportamentos e de situações, que se possam subsumir no conceito de auxílio. A conceção de um conceito de Auxílio de Estado estanque, fechado e concreto, poderia proporcionar, aos Estados- Membros um contorno relativamente simples do conceito. Os Estados-Membros apenas teriam de optar por comportamentos, que não estivessem previstos na disposição normativa, para que a situação não fosse subsumível e consequentemente não fosse considerada como incompatível com o mercado interno. Uma delimitação estanque e fechada do conceito de auxílio, implicaria o dever de rever constantemente a definição, de forma a abranger as diferentes situações que vão surgindo à medida, que as necessidades da economia e da sociedade se vão alterando.

A primeira tentativa de determinação do conceito de auxílio, por parte do Tribunal de Jus- tiça da União Europeia, ocorreu após a consagração do Tratado que Institui a Comunidade Euro- peia do Carvão e do Aço (TCECA)157.

O TCECA na al. c) do artigo 4º determinava que “consideram-se incompatíveis com o mercado comum do carvão e do aço (…) as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados ou os encargos especiais por eles impostos, independente da forma que assumam”. Desta forma podemos constatar, que além do conceito de auxílio, o TCECA também determinava a incompati- bilidade das subvenções com o mercado interno.

156 Cfr. SANTOS, António C., O papel do direito flexível e da cooperação em rede no combate à concorrência fiscal prejudicial, à evasão

fiscal e ao planeamento fiscal abusivo, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VIII, n.º 1, 2015, pp., 188.

UNIVERSIDADE DO MINHO 75 De acordo, com MANUEL FONTAINE CAMPOS a opção do legislador de fazer referencia e associar o conceito de auxílio e o de subvenção, não se deve à forma da ajuda, visto esta ser considerada irrelevante para a determinação do comportamento como auxílio ou subvenção, nem ao conteúdo, uma vez que o conceito de auxílio é mais abrangente do que o de subvenção, aca- bando o primeiro por englobar ambas as situações, mas sim aos efeitos idênticos provocados por ambas as situações, devendo ambos serem “submetidos ao mesmo regime, na medida em pro- duzem os mesmos efeitos”158.

No Acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 1961, no proc. n.º C-30/59, que opunha De Gezamenlijke Steenkolenmijnen à Alta Autoridade da Comunidade do Carvão e do Aço, o Tribunal de Justiça determinou, que noção de auxílio é mais ampla do que a de subvenção, ao compreender não só os “positive aid” como por exemplo as subvenções159, como todas as

intervenções, que possam reduzir as despesas e consequentemente provocar uma redução dos encargos, que oneram os orçamentos das empresas e que apesar de não constituírem subven- ções, provocam o mesmo efeito160.

O legislador optou ainda por fazer referencia, na al.c) do artigo 4 º do TCECA aos “encar- gos especiais” impostos pelos Estados com o objetivo de evitar ou impedir, que os destinatários dessas medidas fossem beneficiados ou prejudicados face aos demais.

158Cfr. CAMPOS, Manuel A. F., O Controlo da Concessão de Ajudas Públicas na União Europeia e na Organização Mundial do Comércio

– Fundamentos, Regimes e Resolução de Desconformidades, Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, setembro, 2011, pp.289 e 290.

159A noção de subvenção determinada pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 1961, proc.

n.º C-30/59, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg, v. Alta Autoridade da Comunidade do Carvão e do Aço, pp.559 compreende qualquer “prestação em dinheiro ou em espécie concedida para apoiar uma empresa, que não constitua o pagamento de bens ou serviços, que ela produz pelo comprador ou utilizador”.

160 CFr. O Acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 1961, proc. n.º C-30/59, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in

Limburg, v. Alta Autoridade da Comunidade do Carvão e do Aço, pp. 559 e 560, determinou que “a noção de auxílio é mais geral do que a de subvenção porque compreende não só prestações positivas tais como as próprias subvenções, mas igualmente intervenções que, sob formas diversas, atenuam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por isso, sem serem subvenções no sentido estrito do termo, têm a mesma natureza e têm efeitos idênticos”. Esta posição, foi confirmada no Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de março de 1994, proc. n.º C-387/92, Banco de Crédito Industrial SA v. Ayuntamiento de Valencia, p.13. Foi a decisão proferida no proc. n.º C-30/59, que deu origem a uma visão mais ampla e geral do conceito de auxílio. Esta orientação foi adotada no âmbito do Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Económica Europeia (TCEE), posteriormente designada Comunidade Europeia (CE) com a adoção do Tratado da União Europeia, que procedeu à alteração das disposições do TCEE.

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Os auxílios, subvenções ou encargos especiais caracterizam-se por introduzirem distor- ções no funcionamento do mercado interno, que não resultam do normal funcionamento do mer- cado, mas da intervenção estatal sobre certos agentes, que atuavam no mercado interno, em detrimento dos demais.

Apenas os auxílios morais por não conferirem uma vantagem económica aos agentes e os auxílios gerais, por não beneficiarem um agente económico em especifico e serem dirigidos a um número indeterminado de beneficiários, encontravam-se excluídos da al. c) do artigo 4º do TCECA161.

No cômputo, o regime dos Auxílios de Estado que vigorava no TCECA caracterizava-se por ser um regime restritivo, que proibia todos os auxílios, subvenções e encargos especiais e que incidia sobre todas as ajudas, que favorecessem as exportações e que apoiassem as produções destinadas ao consumo interno162.

A ratio da proibição dos auxilios no TCECA era a defesa da concorrência, de forma evitar que a mesma fosse falseada entre as empresas concorrentes no mercado, que os Estados não beneficiassem empresas nacionais em detrimento das empresas estabelecidas noutros Estados- Membros e almejava-se a maximização da eficiência produtiva163.

Contudo, as profundas crises, que abalaram a indústria siderúrgica e a carbonífera du- rante as décadas de sessenta e setenta e a existência de um regime mais favorável e permissivo presente no Tratado que Institui a Comunidade Económica Europeia (TCEE)164 a que as outras

indústrias estavam sujeitas, levou a que a Alta Autoridade, tivesse sido convidada pelos Estados-

161 Cfr. CAMPOS, Manuel A. F., O Controlo da Concessão de Ajudas Públicas na União Europeia e na Organização Mundial do Comércio – Fundamentos, Regimes e Resolução de Desconformidades, Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2011, pp. 291.

162 Cfr. CAMPOS, Manuel A. F., O Controlo da Concessão de Ajudas Públicas na União Europeia e na Organização Mundial do Comércio

– Fundamentos, Regimes e Resolução de Desconformidades, Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2011, pp. 80.

163Cfr. CAMPOS, Manuel A. F., O Controlo da Concessão de Ajudas Públicas na União Europeia e na Organização Mundial do Comércio

– Fundamentos, Regimes e Resolução de Desconformidades, Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2011, pp.292.

UNIVERSIDADE DO MINHO 77 Membros a criar de um sistema de Auxílios de Estado no domínio da CECA. Este sistema de auxílios, foi criado através da adoção de um conjunto de decisões gerais, denominado de “Código de Auxílios”, que permitiu a instituição de um procedimento de autorização de auxílios de Estado às empresas, semelhante aquele que vigorava no TCEE165.

A vigência do TCECA chegou ao fim em 2002, ficando a matéria relativa à concessão de Auxílios de Estado da indústria do carvão e do aço sujeitos ao TCEE e posteriormente ao TFUE.

O TCEE contrariamente ao TCECA, não previa nenhuma disposição normativa, que proi- bisse de forma linear a concessão de Auxílios de Estado. O TCEE optou por consagrar um “proce- dimento preventivo de avaliação da respetiva compatibilidade” dos auxílios com o mercado interno, que dotou a Comissão Europeia de uma capacidade de análise e autorização dos projetos de auxílios, submetidos obrigatoriamente pelos Estados-Membros à Comissão. Os Estados estavam liminarmente proibidos de executar qualquer projeto de concessão de auxílios, sem o prévio con- sentimento da Comissão Europeia.

Conforme afirmamos anteriormente o regime dos Auxílios de Estado encontra-se presente nos artigos 107º, 108º e 109º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Desde a consagração do conceito de auxílio no TCECA e da densificação do conceito pela Comissão Euro- peia e pelo Tribunal de Justiça, que a evolução que se tem verificado no conceito de Auxílios de Estado, é praticamente inexistente. Desta forma, à semelhança do TCECA e do TCEE, o TFUE, também não consagra nenhuma definição de Auxílio de Estado, apenas determina alguns critérios, cuja verificação determina a incompatibilidade do auxílio com o mercado interno.

165 Devido à proibição absoluta, que constava da al. c) do artigo 4º do TCECA e à prática jurisprudencial, relativamente à concessão de

auxílios, a constituição de um sistema de auxílios à indústria do carvão e do aço, só foi possível com recurso ao artigo 95º do TCECA. Este artigo permitia a adoção de decisões ou recomendações, consideradas necessárias para atingir os objetivos da Comunidade, nos casos não previstos no TCECA e mediante parecer favorável da Comissão, obtido por unanimidade. Este sistema de auxílios foi no entanto, contestado na década de noventa, tendo o Tribunal de Primeira Instância decretado a validade do recurso ao artigo 95º do TCECA para a concessão de auxílios à industria do carvão e do aço e para os auxílios individuais - Cfr. Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) de 24 de outubro de 1997, proc. n.º T-239/94, Association des aciéries européennes indépendantes (EISA) v. Comissão das Comunidades Europeias, p. 60 a 67; Posição foi reafirmada no Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) de 24 de julho de 1997, proc. n.º T-243/94, British Steel plc v. Comissão das Comunidades Europeias, p 41 a 46; Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) de 24 julho de 1997, proc. n.º T-244/94, Wirtschaftsvereinigung Stahl v. Comissão das Comunidades Europeias, p. 33 a 38.

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O artigo 107º n.º 1 do TFUE determina que “salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções”.

De acordo, com a transcrição do artigo 107º n.º 1 do TFUE, podemos constatar que uma das alterações mais significativas do TCECA para o TFUE foi a supressão do termo subvenção da disposição normativa, que regula esta temática e a escolha do termo auxílio para designar todas as situações (positive and negative aid), que possam ser consideradas como incompatíveis com o mercado interno e da determinação de requisitos distintos, para a determinação da incompatibili- dade das ajudas concedidas com o mercado.

A escolha do conceito de auxílio em detrimento do conceito de subvenção, não tinha como propósito a exclusão das situações em que se verifica a atribuição de uma subvenção ao sujeito passivo. O legislador foi de encontro à posição adotada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e procedeu à escolha de um conceito geral e mais abrangente do que o de subvenção, abrangendo não só prestações positivas como é o caso das próprias subvenções, mas também outras situa- ções, que independentemente da forma, tem a mesma natureza e produzem efeitos semelhantes às subvenções, atenuando os encargos que oneram os orçamentos das empresas166.

O TCECA consagrava uma proibição absoluta da concessão de auxílios públicos, que não permitia a intervenção da Comissão Europeia, ao contrário do TFUE, que consagra um verdadeiro sistema de triagem de situações que podem ser compatíveis com o mercado interno.

Apesar da ausência de um conceito claro e concreto de auxílio ter como consequência direta a incerteza e insegurança jurídica para os Estados-Membros, para as empresas e para os sectores económicos aquando da atribuição de uma ajuda, a mesma tem permitido ao Tribunal de Justiça não só evitar o contorno pelos Estados de um conceito indeterminado e flexível, como

166 Cfr. ENGLISCH, Joachim, EU State Aid Rules Applied to Indirect Tax Measures, in EC Tax Review, Holanda, Kluwer Law International

UNIVERSIDADE DO MINHO 79 também tem permitido adaptar o conceito de auxílio à realidade da integração económica euro- peia, ao desenvolvimento das sociedades e às necessidades por estas demonstradas, às crises económico-financeiras, que têm abalado os Estados nos últimos anos, ao desenvolvimento e à inovação do mercado, às necessidades apresentadas pelos vários sectores económicos, derivados de um crescimento global acelerado e tem possibilitado a adaptação do conceito às necessidades ecológicas cada vez mais eminentes e essenciais para a sustentabilidade do planeta.

Podemos afirmar, que um Auxílio de Estado corresponde de forma genérica à atribuição de uma vantagem, que é conferida direta ou indiretamente, de forma seletiva a uma entidade privada, por uma entidade pública e cujos efeitos podem provocar uma distorção da concorrência, afetando naturalmente o comércio entre Estados-Membros.

Segundo ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS o conceito de auxílio tem uma natureza comu- nitária e é fundamentalmente fruto de uma construção jurisprudencial e de certa forma, também administrativa, face à contribuição incontestável da Comissão Europeia, na delimitação do conceito de Auxílio de Estado. Este conceito traduz a existência de uma relação entre uma entidade conce- dente – Estado em sentido amplo, e uma entidade beneficiária – empresas em sentido lato ou setores económicos, que se traduz na concessão de uma determinada medida, considerada van- tajosa para o beneficiário e prejudicial para os demais concorrentes presentes no mercado167.

Configura-se como Auxílio de Estado “toda a medida destinada a isentar, total ou parcial- mente, as empresas de um determinado sector dos encargos derivados da aplicação normal do sistema geral, sem que tal isenção se justifique pela natureza ou economia do sistema”168.

O conceito de Auxílio devido à sua forma ampla, engloba qualquer vantagem, independen- temente da forma, podendo assumir a forma de subvenções, subsídios a fundo perdido ou reem- bolsáveis, bonificações, juros, garantias pessoais (avales, fianças), transferência de fundos para

167 Cfr. SANTOS, António C., et. al., Jurisprudência sobre auxílios de Estado, Jurisprudência Portuguesa do Direito da Concorrência,

Capítulo 6. Consultado a 28 de outubro de 2017, documento disponível em: https://www.cideeff.pt/xms/files/04_PUBLICATIONS/Working_Pa- pers/Grupo_III/Jurisprudencia_sobre_auxilios_de_Estado.pdf

168 Cfr. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007, 374; Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça

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empresas públicas e despesas fiscais como incentivos, isenções fiscais, perdões fiscais e benefí- cios fiscais169.

III. Auxílios Tributários uma forma de concessão de Auxílios de Estado