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3.2.2 A evolução social em direção ao socialismo

Sob o prisma bernsteiniano, apesar de mais vagarosa do que o caminho revolucionário, no tocante à remoção dos obstáculos que uma pequena minoria colocaria no caminho do progresso social, a evolução social por via de reformas legislativas seria mais sólida, permanente e melhor adaptada ao trabalho político-social positivo. Enquanto no esquema revolucionário, “os preconceitos e os horizontes limitados da grande massa do povo surgem como grande obstáculo ao progresso social”, na legislação, “o intelecto prevalece sobre a emoção”615.

A ação parlamentar – percebida como ética e racional – levada a efeito pela “aristocracia” do partido seria, portanto, a condutora por excelência do processo evolutivo rumo ao socialismo, orientando e restringindo os impulsos revolucionários das massas não- educadas. Como conseqüência, o processo de transformação histórica passa a ser concebido como resultado dos desígnios de uma elite intelectual atuante na esfera governamental. Evidentemente, tal deslocamento do sujeito da ação histórica transformadora reflete o grau de distanciamento de Bernstein em relação à teoria marxiana, cuja assertiva principal consiste em afirmar que a chave para a emancipação do proletariado reside em suas própria organização. Ao mesmo tempo, mostra a sua sintonia com uma vertente liberal-democrática que se encontrou fortalecida no início do século XX, na medida em que ressalta a iniciativa de traçar estratégias e programas de planejamento econômico e social, no interior da sociedade capitalista, com vistas à remodelação da ordem social.

Seguindo o raciocínio do autor, o SPD deveria assumir seu caráter anti-revolucionário e declarar-se um partido reformista, concentrando-se na sua atividade prática imediata, dirigida à criação de circunstâncias e condições que tornem possível e garantam uma transição lenta, pacífica e sem sobressaltos da moderna ordem social à outra mais evoluída616. Neste sentido, Bernstein afirma que o movimento (a série de processos), é tudo, ao passo que a meta final é irrelevante, utópica.

614 BERNSTEIN. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p.156. 615 Ibid.

O lento caminho a ser trilhado em direção ao socialismo617 envolveria, assim, a intensificação do processo de democratização do Estado e da administração pública através da expansão da democracia para a área social – como educação, saúde, artes e transporte – e econômica. A democratização da esfera econômica, segundo Bernstein, implicaria no controle racional da economia e na eliminação de todas as formas de produção e expropriação “parasitárias”618, de modo a subordinar os interesses da minoria privilegiada ao interesse comum.

Como Hobson, Bernstein não subscreve a necessidade de uma completa coletivização da economia, pois, em sua opinião, a socialização não implicaria fundamentalmente na nacionalização ou municipalização de todas as empresas, podendo ser desenvolvida gradualmente através de leis e regulamentos que restrinjam o controle privado. Neste sentido, alega que “uma boa legislação fabril pode conter mais socialismo do que a nacionalização de várias centenas de corporações” pois “leva em consideração os interesses do público e apóia o bem-estar do povo em um grau muito mais elevado do que uma rápida nacionalização”619.

Embora, a seu ver, o interesse da classe proletária exigisse a transferência de monopólios à propriedade pública e o gerenciamento de fábricas e corporações exclusivamente em benefício de toda a sociedade – expandindo-se, desta forma, o controle social sobre a produção e a distribuição –, a passagem gradual da gestão privada à pública poder-se-ia dar de diversas maneiras:

Como representante do povo, o Estado poderia adquirir partes das empresas privadas, e, enquanto deixa a maioria das companhias nas mãos dos capitalistas, o Estado ativamente se envolveria na prevenção de abusos de preços, de lucros excessivos e do desenvolvimento monopolístico de trustes. Ao assumir maior poder de decisão sobre a produção econômica, o público ganharia mais direitos em face da economia privada.620

617 Bernstein considera que “o número de pessoas, (...) o tamanho do espaço territorial que elas ocupam, o

crescente número de ramos em que se diferencia a produção e a grande quantidade, a diversidade e a extensão das unidades de produção, tudo isto converte em uma grande improbabilidade a harmonização automática de todos os interesses individuais em um interesse comum, que se confirma unificadamente em toda parte e em todo sentido” (Bernstein, 1982, p.49).

618 Como Bernstein não é adepto da total coletivização da produção, pode-se concluir que as “empresas

parasitárias” a que ele se refere são, fundamentalmente, as sociedades por ações – cujos proprietários desfrutariam de lucros exorbitantes sem nenhuma contrapartida em termos de responsabilidade e gerenciamento – e empresas que viveriam da especulação financeira.

619 BERNSTEIN. “What is Socialism?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 – 1921. New Jersey:

Humanities Press, 1996, p.156. Artigo publicado em 1918.

Os limites impostos à coletivização justificar-se-iam não somente em virtude do grande número de empresas industriais e agrícolas existentes na Alemanha, mas pela necessidade de se manter um alto nível de produção e eficiência – algo que, segundo Bernstein não conseguiria ser obtido pela gestão de burocratas do Estado ou dos próprios trabalhadores621. Além disto, a enorme diferenciação produtiva proporcionada pelas pequenas e médias empresas atenderiam a demandas por produtos heterogêneos622. Deste modo, a transformação de corporações privadas em públicas seria um processo que deveria ser cuidadosamente decidido na base da análise de cada caso em particular, averiguando-se quais ramos produtivos e empresas seriam mais adequados à socialização, de maneira a não prejudicar o avanço das forças produtivas e o pleno funcionamento da economia.

Por conseguinte, Bernstein acredita não ser possível nem desejável eliminar o capitalismo “por decreto”, uma vez que não se poderia prescindir dele623. Entretanto, as empresas que permanecessem em mãos privadas estariam submetidas ao controle público, atendendo prioritariamente aos interesses gerais da população e não à ambição de seus proprietários. 624

Além da democratização da esfera econômica, a evolução em direção ao socialismo exigiria a descentralização do poder público, seja através do desenvolvimento da autonomia administrativa nas comunas, distritos e províncias (e da ampliação de suas funções), seja por intermédio da difusão de organismos autônomos – como sindicatos, comissões de arbitragem industriais, câmaras de trabalho e cooperativas de consumidores, ou ainda instituições econômicas semi-públicas, como seguradoras para trabalhadores e empresas de natureza econômica mista.

621 Bernstein opõe-se à idéia de transformar trabalhadores em proprietários do dia para a noite. Em sua visão,

uma das causas principais da crise vivida na Russa após 1917 teria sido a coletivização de fábricas e a repartição das grandes propriedades agrícolas, pois os trabalhadores, convertidos em proprietários, barrariam os avanços tecnológicos e colocar-se-iam em oposição ao interesse geral. Para Bernstein, estas medidas não seriam efetivamente socialistas (Bernstein, 1996, p.189-190).

622 Neste ponto, Bernstein adere à defesa da coletivização parcial, tal como esta é apresentada por Hobson: este

antevê a conveniência de adaptar-se à idéia de uma comunidade parcialmente coletivista, em que as necessidades gerais, universais dos homens, seriam satisfeitas por “indústrias de rotina” (mecanizadas e coletivistas) – para se atender à demanda por produtos homogêneos (“consumo de massa”). Contudo, as pequenas empresas que atendem a necessidades e gostos especiais e individuais seriam indispensáveis (Cf. Bernstein, 1982, p.17).

623 BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolucion de la sociedad”. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la

socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.74. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI,I, em 1897/1898.

624 Cf. BERNSTEIN. “Una teoría sobre los domínios y limites del colectivismo”. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la

A democracia socialista seria caracterizada, portanto, tanto pela difusão de formas de controle público sobre a produção e a distribuição e pela adoção de um coletivismo limitado, como pela descentralização do poder através da ampliação da democracia política e da participação da sociedade civil. Logo, para Bernstein, a esfera pública deveria funcionar como um fórum aberto à troca de idéias entre cidadãos iguais, não oprimidos por relações econômicas de classe – pressuposto neokantiano que será retomado posteriormente por Jürgen Habermas625.

O estabelecimento de relações equilibradas entre Estado e organismos populares autônomos e democráticos nas municipalidades e províncias permitiria, de acordo com o autor, um incremento do poder popular e a possibilidade de barrar a influência dos interesses particulares e de formas de dominação de classe dentro do governo. Contudo, a importância e necessidade de órgãos intermediários e corpos democráticos auto-administrativos não tornariam o Estado, enquanto ente político, supérfluo. Por mais descentralizada que seja a administração sempre restará tarefas sociais e funções a serem desempenhadas por um órgão central.

Sendo assim, “não se trata, como disse Marx em “A Guerra Civil na França”, de desfazer a unidade das nações que se tornaram historicamente grandes, mas de colocá-las sobre uma nova base”626:

Não se visualiza uma razão para que no futuro as grandes nações, historicamente construídas, deixem de ser unidades administrativas. Uma fusão total das nações entre si não é esperável nem desejável. As nações podem atender muito bem aos interesses culturais comuns através de convênios e do desenvolvimento do direito internacional, sem por isto renunciarem à sua individualidade.627

Decerto a ideologia do progresso propugnada pelo autor apresentava traços nacionalistas presentes na cultura alemã dos séculos XIX e XX. Como Norbert Elias assinalou628, tal período foi marcado pela mudança na mentalidade dos representantes da

intelligentsia das classes médias, cuja identificação com valores e ideais humanistas

625

Cf. HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

626 BERNSTEIN. “La significación política y social del espacio y del numero”. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 52. Artigo publicado pela Die Neue zeit, vol. XV, II, e, 1896/1897.

627 Ibid, p.44.

628 ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de

orientados para o futuro – e particularmente sua confiança no progresso moral da humanidade – começa a dar lugar à ênfase em valores nacionais, fortalecidos devido à gradual ascensão do Império unificado ao status de grande potência.

Os componentes idealistas da tradição cultural burguesa alemã, que ao longo do século XVIII foram invocados no intuito de afirmar a oposição da burguesia em relação à nobreza, passaram a entrar em declínio à medida que a própria burguesia passava a ocupar posições de destaque no âmbito do Estado. Com efeito,

como símbolo de um desígnio global, como um ideal, o conceito de “progresso” perdeu status e prestígio entre a intelligentsia de classe média dos países onde grupos de classe média se aliaram ou substituíram grupos aristocráticos como os grupos dominantes de seus países. Deixou de ser o auspicioso símbolo de um futuro melhor, iluminado pelo fulgor de fortes sentimentos positivos. No seu lugar, uma imagem idealizada de sua nação passou a ocupar o centro de sua auto-imagem, de suas crenças sociais e de sua escala de valores629.

A incorporação de estratos da burguesia à elite política dominante propiciou, portanto, o aburguesamento do código aristocrático, baseado em valores militares de estímulo à coragem, obediência, honra, disciplina, responsabilidade e lealdade. A ampla difusão do código aristocrático e do ethos guerreiro – agora orientados por ideais nacionais – entre os membros da burguesia e da pequena-burguesia repercutiu, por mais paradoxal que possa parecer, no seio da social-democracia, onde setores significativos mostravam-se favoráveis à política colonial e expansionista de Guilherme II.

A posição assumida por Bernstein expressava igualmente tal dualidade. Embora partisse em defesa da conservação das unidades nacionais, posicionava-se simultaneamente a favor da solidariedade internacional entre trabalhadores e da autodeterminação nacional dos países modernos civilizados. Sendo assim, apoiava a idéia de criação de uma Sociedade das Nações, empenhada na solução pacífica dos conflitos internacionais630. Todavia, em se

tratando de países “mais atrasados” a social-democracia deveria assumir uma postura diferenciada. Segundo Bernstein, nem todo levante de uma nacionalidade ou de uma raça contra seus soberanos deveria suscitar o apoio moral ou ativo da social-democracia, não

629

ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p.129.

630 BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 234.

obstante toda a justificada simpatia que a social-democracia sentiria pelas lutas de libertação631.

A seu ver, a social-democracia deveria opor-se a todo chauvinismo colonial sem cair no extremo oposto de apoiar indistintamente a toda reivindicação por direitos nacionais. Sua posição a respeito da política colonial dependeria, portanto, das instituições e das condições do país que levasse adiante semelhante política, da natureza das colônias projetadas e da forma como o país em questão coloniza e administra suas colônias:632

Não quero ver os nativos da África ou de qualquer outro continente explorados ou degolados e tampouco estou de acordo com que lhes imponham modos de vida não apropriados ao seu clima. Foi assinalado, e eu mantenho, o direito da civilização mais elevada sobre a inferior [grifo nosso] – e é incompreensível que um socialista possa negá-lo –, isto não significa que a civilização inferior careça absolutamente de direitos e que os direitos da primeira não imponham obrigações.633

Desta maneira, Bernstein acreditava ser possível que os Estados europeus efetivassem medidas colonizadoras que não ferissem os direitos fundamentais dos “selvagens”, visando assim uma “regulação humana do problema dos nativos”. No seu entender, não apenas não seria necessário que a ocupação das terras tropicais por parte dos europeus prejudicasse a vida dos indígenas, como isto sequer viria ocorrendo até então, posto que os nativos gozariam de ampla proteção634.

Com efeito, Bernstein entende que a social-democracia deveria criticar principalmente a forma como são submetidos os “selvagens” e não a dominação em si mesma, uma vez que reconhecia apenas um direito condicionado dos povos nativos sobre os territórios que ocupam. Em sua concepção a civilização superior teria, em última instância, também um direito superior, por representar o “direito da civilização e do progresso contra o espírito retardatário”635. Assim, defendeu que ante as tribos que se adjudicaram o direito de

comercializar com escravos ou tribos de ladrões que fizeram do saque a tribos vizinhas de

631 BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad”. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la

socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.55. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI, I, em 1897/1898.

632 Ibid, p. 75-76. 633

Ibid, p. 58.

634 BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 241.

agricultores um oficio permanente, a social-democracia permanecesse indiferente e, dado o caso, as enfrentasse como suas inimigas636.

A colonização, portanto, seria benéfica para povos “bárbaros” e “primitivos”, tanto econômica quanto culturalmente. A expansão do capitalismo para estas áreas levaria consigo todo o progresso tecnológico e a abundância de mercadorias produzidas nos países centrais, proporcionando maior desenvolvimento social e conforto aos nativos. Além disto, a difusão da cultura moderna – com seus princípios de valorização da personalidade e da vida humana e suas “instituições civilizadoras” – justificaria, por si só, a ocupação destes territórios. Logo, nestes casos, desde que a colonização seja efetuada sem prejuízo dos povos colonizados, a “proteção da dominação européia” conduziria à “difusão da civilização”, ao progresso cultural e a um “desenvolvimento geral da humanidade”637. Diz Bernstein:

Por maior que tenha sido a violência, fraude e outras infâmias que acompanharam a expansão da dominação européia nos séculos passados e que atualmente continua em vigor em muitos casos, no entanto, o outro lado da medalha mostra que em geral os selvagens estão melhor agora, sob uma dominação européia 638.

Apesar de oferecer razões humanistas para a colonização de “povos bárbaros”, o autor aponta ainda a importância das colônias para o desenvolvimento dos países capitalistas e o fato de que a ampliação dos mercados e das relações comerciais internacionais seria uma alavanca poderosa para o desenvolvimento social europeu, favorecendo o incremento das forças produtivas e da riqueza destas nações639. Destarte, tal como Hobson, Bernstein atribui ao colonialismo um papel relevante na obtenção de mercados externos e na expansão do modo de produção capitalista em âmbito mundial. Longe de representar uma ameaça à social- democracia, deveria ser visto como uma aproximação da meta socialista, uma vez que, de acordo com o autor, quanto mais rica for a sociedade, mais fáceis e seguras serão as realizações socialistas640.

636

BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad. In: Las Premisas del

socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la

socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 55. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI, I, em 1897/1898. 637 Ibid, p.61. 638 Ibid, p.60. 639 Ibid, p.76. 640 Ibid, p. 75.

Esta defesa de uma “política colonial positiva”, proferida em seu artigo “A luta da social-democracia e a revolução social”641 foi retomada posteriormente nos inúmeros debates

travados em congressos e publicações do partido acerca da questão colonial. Contrariando a posição bernsteiniana, o Congresso de Mainz de 1900 aprovou uma resolução condenando a política colonial e militarista do Reich, orientação esta que foi confirmada nos Congressos de Paris (1900) e de Amsterdã (1904) da Internacional.

Embora consagrada em vários documentos oficiais do partido, tal determinação fora cada vez mais questionada pela fração revisionista do SPD. Esta encontrou nos resultados eleitorais de 1907 uma justificativa para a mudança definitiva no discurso da social- democracia, de maneira a torná-lo mais palatável aos membros da pequena-burguesia, do campesinato e da burguesia-liberal.

A dissolução do Reichstag, decorrente da primeira “crise do Marrocos” (em 1905)642, e o processo eleitoral que a seguiu foram marcados pelo intenso estímulo aos sentimentos nacionalistas, operado tanto pelos canais oficiais do governo como através de organizações não-partidárias conservadoras e liberais – dentre elas destacavam-se a Liga Naval, a Liga Pan- Germânica, a Liga Imperial contra a Social-Democracia, além de diversos grupos compostos por colonos e militares643. A propaganda direcionada contra o Partido Social-Democrata Alemão, e sua caracterização como “traidor” e “antipatriótico”, produziu efeitos consideráveis, afastando as classes médias progressistas, seduzidas com as novas promessas da Weltpolitik imperial. Como resultado, a social-democracia sofreu em 1907 uma significativa derrota eleitoral, passando de 81 assentos (conquistados em 1903) para 43 assentos.

Diante do retrocesso nas eleições os representantes do partido no Parlamento passaram a amenizar as suas críticas à política externa do governo e a pressão para a reformulação da política colonial no sudoeste da África. Se antes pronunciavam palavras de ordem contra o

641 BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad”. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la

socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 484-548. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI, I, em 1897. Neste artigo, Bernstein pretende responder às acusações de filisteísmo dirigidas por Berfort Bax, em seu artigo “Kolonialpolitik und Chauvinismus” (publicado em Die Neue Zeit, n.14, 1896), realizando a defesa da colonização inglesa na Turquia.

642 A crise contrapunha o governo alemão, que partia em defesa da autonomia nacional do Marrocos – no intuito

de afirmar seu poderio frente às antigas potências – ao francês, que planejava o controle político daquele território. Este episódio despertou a população européia para o perigo de novos conflitos internacionais.

643 Cf. SCHORSKE, C. German social democracy. 1905- 1917: The development of the great schism. New

militarismo e a exploração colonial644, os discursos dos líderes da social-democracia, especialmente de August Bebel e Gustav Noske, mostravam-se cada vez mais condescendentes: alegavam não condenar de antemão a política imperialista, restringindo-se a advogar em nome dos “interesses nacionais” contra os “abusos do militarismo” – a forma de tratamento dos soldados e a rigorosa justiça militar. Na tribuna, Bebel passa a utilizar como argumento para a rejeição das leis de armamentos e das verbas orçamentárias destinadas ao exército e à marinha o simples fato de que o fardo financeiro recairia sobre o povo, através da taxação direta, ao invés de impostos indiretos645.

Enquanto a fração parlamentar e a ala direita do partido progressivamente capitulavam