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A Execução (1908-1918)

João Pinheiro morreu prematuramente, sem que pudesse colocar em prática o seu programa de diversificação da economia mineira. Como nos lembra Angela de Castro Gomes, o falecimento antes que construísse uma autoimagem evidencia que “houve personagens e meios que atuaram para perpetuar a memória desse político mineiro”. A hipótese da autora é de que a importância e influência de João Pinheiro na política mineira e nacional é resultado, em grande medida, de “estratégias mobilizadas por sua família para cultivar, ou melhor, para cultuar sua memória”.393 Isso explicaria uma versão corrente na historiografia de que foi o filho,

Israel Pinheiro, quem completou a “obra inacabada” do pai. Por esta lógica, o projeto desenvolvimentista mineiro teria ficado parado de 1908 a 1933, ano em que Israel assumiu a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais; cumprindo seu “ciclo familiar” em 1966, ano da eleição de Israel Pinheiro ao governo de Minas Gerais.394

A análise das fontes acrescenta outros personagens a esse constructo familiar, bem como questiona o pretenso “vácuo” entre os governos do pai e do filho. Acreditamos que o trio de apadrinhados políticos de João Pinheiro tomou para si a tarefa de perpetuação da prática política pinheirista, justamente neste período que, como mostraremos, não foi de compasso de espera, mas de ação e aperfeiçoamento das propostas. De 1908 a 1917, temos a fase de execução, objeto deste quarto capítulo. O recorte temporal corresponde à atuação de Nelson de Senna, Raul Soares e Arthur Bernardes em dois dos três poderes da República. Nesses nove anos, Senna continuou como deputado estadual (1907-1920); Soares foi deputado estadual (1911-1914) e Secretário da Agricultura (1914-1917); e Bernardes foi deputado estadual (1908-1910; 1915- 1918) e Secretário de Finanças (1910-1914).

Neste capítulo, acompanhamos o debate no Legislativo e a materialização das medidas do Executivo com vistas a problematizar: a) a dinâmica dos poderes da Primeira República; b) os pontos de continuidade e ruptura do projeto de modernização pinheirista com a tradição; c) as resistências e pontos de impasse que a “força da tradição” impôs à execução das medidas modernizadoras; e, d) o papel que cada um dos componentes do trio teve nesse período que, segundo entendemos, foi de efetiva execução das principais medidas do programa de João Pinheiro.

393 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 81; 90.

394 A este respeito, ver: DINIZ, Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira, op. cit.; e PINHEIRO

4.1 – Estado, oligarquias e modernização

Para os objetivos de que ora nos ocupamos, uma das teses mais debatidas na historiografia é a de que a não-racionalidade das ações, por parte dos construtores do Estado brasileiro, trouxe sérias consequências sobre os rumos que a modernização capitalista tomou no Brasil. Sob a ótica weberiana, há uma relação de complementariedade fundamental, ainda que não exclusiva, entre o desenvolvimento do capitalismo e da burocracia. Esta é, para Weber, um tipo ideal e, como tal, deve obedecer a algumas normas, como a subordinação à lei e à impessoalidade, e a “busca racional de interesses”, o que pressupõe a separação completa entre o quadro administrativo e a propriedade dos meios de produção e administração. Nos países que não lograram essa diferenciação, onde a propriedade da terra garante a posição social, o capitalismo teve de assumir uma forma autoritária peculiar para vencer a “tradição” e os “sentimentos anticapitalistas”, materializados no conflito entre junkers e burguesia urbana.395

Com a força de um aforismo, esta afirmação se desdobrou em trabalhos importantes, com destaque para o de Barrington Moore Jr. Entre os três modelos propostos pelo autor, o que a historiografia comumente tem adotado para analisar o Brasil é o do “capitalismo reacionário”, em que os capitalistas tiveram que se apoiar nos junkers prussianos “para atingir a unidade nacional, derrubar as barreiras internas ao comércio, estabelecer um sistema jurídico uniforme, modernizar a moeda, e outras exigências da modernização”; e os junkers se apoiaram em “alavancas políticas para escorar uma posição econômica em desequilíbrio” pelo próprio capitalismo.396

Com base neste arcabouço teórico, como entender a relação entre Estado, oligarquia e o processo modernizador da Primeira República? A aliança entre senhores de terra e industriais se aplica? O modelo interpretativo de modernização conservadora é adequado? Elisa Pereira Reis considera que sim, e que o modelo de Moore Jr. é um caminho profícuo para investigar as particularidades das experiências modernizadoras que se deram pela via autoritária, travestidas

395 Os tipos que lhe permitem construir contrapontos de análise são o modelo norte-americano e o prussiano. Na

qualidade de um país novo, os Estados Unidos não precisaram se livrar de um tipo de camponês tradicional. O proprietário de terras foi logo transformado em empresário capitalista, cuja principal característica é “o individualismo econômico absoluto do agricultor, a sua qualidade como simples homens de negócios”. Já na Alemanha, havia uma classe de proprietários de terra, os junkers, com maioria de nobres, que exercia o controle político do principal Estado Alemão, a leste de Elba. Seu prestígio social repousava sobre a posse da terra, não no fato de ser ou não um empresário bem-sucedido. WEBER, Max. Capitalismo e Sociedade Rural na Alemanha. In: Os economistas. São. Paulo: Editora Nova Cultural, 1997, p. 126-129.

396 Para Moore Jr. três seriam as principais vias de passagem para a modernidade: a revolucionária democrática

(França, Inglaterra e Estados Unidos), a autoritária (Alemanha e Japão), e a socialista revolucionária (China e Rússia). MOORE JR., Barrington. As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Lisboa: Ed. Martins Fontes, Ed. Cosmos, 1983, p. 14-15.

com o verniz de “medicina desenvolvimentista” e democratizante. A autora não ignora que Moore Jr. defina as vias políticas de modernização nacional que estudou como “alternativas historicamente esgotadas”, e que a dominação colonial tenha complexificado a estrutura de classes, dividindo o interesse do setor agrário. O argumento da autora é de que, no Brasil da primeira metade do século XIX, quando emerge o Estado nacional, não houve ruptura com o passado, ou um embate entre as formas autoritárias e liberais do capitalismo, “graças a uma coalizão entre latifúndios ‘velhos’ e ‘novos’”, mas um acordo, articulado pela cafeicultura paulista, da burguesia com a aristocracia rural. O saldo político da transição lenta, gradual e negociada para o trabalho livre foi que o poder político do proprietário foi preservado.397

Nesse sentido, dois trabalhos são bons pontos de partida, por estarem na base de grande parte das interpretações e permanecerem incontornáveis. A primeira referência obrigatória para o debate historiográfico é a obra pioneira de Vitor Nunes Leal, publicada pela primeira vez em 1949. O trabalho parte do princípio de que o coronelismo era o “fenômeno de imediata observação” para aqueles que buscavam conhecer a vida política do interior do país. O diagnóstico não era exatamente inovador, mas a definição do conceito sim. De acordo com o autor, o período colonial deixou como legado uma estrutura agrária que é a base do poder privado. Paradoxalmente, este privatismo sobrevive de forma peculiar, em suas diferentes manifestações, graças ao regime representativo que lhe permite ser alimentado pelo poder público via eleitorado rural. Assim, o coronelismo resulta “da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada”. Quanto mais fortalecido o poder público, menor é o poder de mando do coronel frente aos seus dependentes, uma massa empobrecida justamente pela estrutura econômica e social arcaica, e maior a dependência destes chefes locais em relação às benesses estatais.398

Leal extrapola a ideia do coronel como mero agente econômico para entendê-lo como um sujeito político que interage com o Estado. Em sua análise, o coronelismo emerge como um sistema, uma rede de barganhas, na qual a peça-chave é o governador: é ele quem garante o poder do coronel sobre dependentes e rivais, sobretudo a partir da concessão de cargos públicos (clientelismo), e apoia o Presidente da República em troca da garantia do seu domínio na esfera estadual.399 As relações entre poder público e privado são também o objeto de análise de outra

obra clássica, Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, cuja primeira edição, de 1957, ganhou

397 REIS, Elites Agrárias, State-Building e Autoritarismo, op. cit., p. 338-339. 398 LEAL, Coronelismo, enxada e voto..., op.cit.

399 CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados -

um capítulo sobre a Primeira República em 1973. Mas, se em Leal o princípio central é a troca de favores, em Faoro o prisma é o da sobreposição, da subjugação. Valendo-se dos conceitos weberianos de patrimonialismo e estamento, o autor afirma que o Estado patrimonial herdado de Portugal – personalista e sem limites definidos entre as esferas pública e privada – legou ao Brasil um capitalismo sem “alma”, isto é, politicamente orientado pelo estamento e não pelas liberdades e racionalidade que deveriam caracterizar o capitalismo industrial. Mesmo na República o núcleo modernizador cedeu à dispersão e à privatização; o governo foi meramente “decorativo na teoria e vítima dos assaltos particularistas”.400

O debate sobre os desdobramentos destas interpretações é longo e um levantamento de fôlego foi recentemente realizado por Marieta de Moraes Ferreira e Surama Conde Sá Pinto,401

portanto, privilegiamos as análises relacionadas a Minas Gerais. Entre patrimonialismo e representação de interesses, o trabalho de Simon Schwartzman, defendido como tese em 1973, em Berkeley, mas somente publicado em português em 1975, questionou a viabilidade de um único modelo teórico. O momento era o do debate em torno da concepção das “ideias fora do lugar”, travado entre Roberto Schwarz e Maria Sylvia de Carvalho Franco. Para compreender, dentre outras, a dinâmica segundo a qual os diferentes grupos são ou não convocados, e têm ou não os seus direitos reconhecidos no processo de modernização, Schwartzman defendeu a funcionalidade de certos conceitos e teorias de acordo com o contexto. O grande diferencial é que o autor não negou a representação de interesses para afirmar a existência do Estado patrimonialista. Schwartzman propôs uma regionalização quatripartite, que vai da capital (moderna, dinâmica, em que o Estado oscila entre interesses particulares e racionais), ao município (rural, tradicional, patrimonial). Minas e São Paulo seriam, pois, diferentes. A política mineira seria do tipo patrimonialista, na qual os “cargos de nomear” são patrimônio pessoal a ser distribuído entre a sua clientela, como forma de aumentar o prestígio e a riqueza; a paulista, já enriquecida e com seu próprio patrimônio advindo do café, buscaria controlar os mecanismos de decisão e fazer valer seus objetivos privados.402

Segundo Vera Alice Cardoso Silva, em estudo de 1977, os paulistas teriam logrado transformar os interesses cafeicultores em hegemônicos. A escolha de Minas como seu parceiro preferencial explicar-se-ia pela predominância dos interesses agroexportadores, logo não

400 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012,

p. 437.

401 FERREIRA, Marieta de Moraes & PINTO, Surama Conde Sá. Estado e oligarquias na Primeira República: um

balanço das principais tendências historiográficas. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, v. 23, 2017, p. 422-442.

fundamentalmente opostos aos paulistas, e pela necessidade de contar com recursos estratégicos para a solidificação do novo padrão de poder, como o tamanho da bancada no Congresso federal. A autora refere-se a uma forma de política regionalista, cujos interesses são alçados a uma tal posição hegemônica, que se impõe como de “interesse nacional”. O imperativo se dava a partir da “dinâmica entre uma coalizão vitoriosa no controle, nem sempre estável, do governo central e os interesses próprios, nem sempre concordantes, dos membros que a compõem”.403

Para Silva, esta configuração explicaria a fragilidade da estrutura econômica de tipo colonial que deixou Minas suscetível ao clientelismo e à dependência do governo federal na Primeira República.404

Aos poucos ia se firmando a ideia de que a hegemonia do café era o grande fator de opressão para Minas, seja em suas relações externas ou internas. Maria Efigênia Lage de Resende, em trabalho publicado em 1982, afirma que, como resultante da descentralização republicana, Minas teria ficado refém das ambições de mando daquelas zonas do estado que possuíam maior dinamismo. No jogo promovido pelos políticos do Sul e da Zona da Mata, na ânsia de garantir o poder do Estado, confundiam-se “as disputas republicanas com os propósitos de deter o poder político em função dos interesses da cafeicultura”. O que caracterizaria o coronelismo em Minas Gerais, no seu entender, é que o estabelecimento de relações de compromissos pessoais ocorria com ou sem a confluência com os interesses do governo central. A submissão das municipalidades ao governo estadual serviu para neutralizar esse quadro. Os coronéis mineiros foram postos em total subordinação ao governo central, enquanto a subordinação gaúcha, por exemplo, foi apenas virtual. Portanto, para a autora, a organização do aparelho estatal republicano é melhor entendida pelas clivagens regionais entre centros dinâmicos – e, não por acaso, cafeicultores – e zonas marginalizadas, do que pela ideologia republicana.405

As visões de Schwartzman, Silva e Resende são problemáticas por algumas razões: 1) fortalecem a visão do Estado como um “clube dos fazendeiros de café”; 2) desconsideram o peso de outros setores da economia, entre eles o da incipiente industrialização, e a consequente urbanização, causando a falsa impressão de que a política mineira ficava restrita às fazendas e aos desmandos dos coronéis; 3) colocam Minas Gerais ora como cliente ora como refratário dos interesses cafeicultores paulistas, como se não houvesse ali uma elite intelectual e política

403 SILVA, A política regionalista e o atraso da industrialização..., op. cit., p. 08,

404 SILVA, Vera Alice Cardoso. O significado da participação dos mineiros na política nacional, durante a primeira

República. In: V Seminário de Estudos Mineiros..., op. cit., p. 153.

refletindo sobre as particularidades da economia mineira. O esquema de Schwartzman, em certa medida estereotipado, parece não atentar para a própria diversidade reivindicada pelo autor. Este “modo de fazer política” atribuído a Minas diz respeito a um tipo que se pautou desde a Independência pelo liberalismo moderado, que é “conservador, tradicional, retraído, simples, beirando o simplório, honesto, sovina, religioso, voltado para a família”. O avanço do café pelo Sul de Minas e a Zona da Mata, no decorrer do século XIX, teria acentuado esse “caráter rural dos mineiros”, e a fundação da nova capital, ao deslocar o eixo econômico para essas duas regiões, aumentado o “peso político” da Minas rural na Primeira República. Mas, como bem demonstrado pelo trabalho de Carvalho, não houve uma única política mineira, como também não houve apenas um interesse econômico.406 “Minas, são muitas!”, diria Guimarães Rosa. De

todo modo, Schwartzman, Silva e Resende exemplificam uma vertente historiográfica que, por muito tempo, interpretou a cafeicultura como hegemônica, a grande beneficiária “dos assaltos particularistas” dirigidos ao governo federal, e isto teria sido a pedra de toque na definição dos papeis de cada estado nos quadros da nação.

Ao longo da década de 1980, alguns estudos começaram a pôr em xeque estas análises. É o caso da tese de doutorado de Paul Cammack, defendida em Oxford, em 1980. Partindo do debate ensejado pela obra de Vitor Nunes Leal, Cammack questionou a supremacia dos interesses cafeeiros. Para o autor, as políticas estatais e federais em Minas Gerais na Primeira República deviam ser entendidas a partir da ação recíproca entre os interesses econômicos internos e a convergência e divergência dos interesses do estado e da federação. De um lado, os anseios dos variados setores agrícolas mineiros coadunavam no sentido de dinamizar a economia do estado, e colocar Minas em papel de destaque na nação.407 De outro, havia uma

autonomia advinda do fato de que o Estado era um canal de representação dos interesses de uma classe dominante, não um locus de atuação de um Governo clientelístico, submisso aos interesses do coronel.

A mais contundente crítica à sua interpretação408 veio de um artigo de Amílcar Vianna

Martins Filho, de 1984. A desconstrução partiu de dois pontos nodais do modelo da

406 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit.

407 CAMMACK, Paul. State and Federal Politcs in Minas Gerais, Brazil. University of Oxford: St. Antony’s,

1980.

408 José Murilo de Carvalho entrou no debate, com um artigo de 1987, contra a crítica que Cammack fez à obra de

Vitor Nunes Leal. Para Carvalho, o brasilianista cometeu um equívoco conceitual, uma confusão entre coronelismo e clientelismo. O primeiro é um sistema político que prevê a barganha entre governos e coronéis. Historicamente datado, existe somente como forma do coronel garantir o seu poder, quando este já está decadente. O segundo é um tipo de relação que se dá entre os atores políticos via concessão de benesses em cargos públicos e independe da figura do coronel. Ver: CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 40, n. 2, 1997, p. 229-250.

representação de interesses: a de que em Minas a economia era dominada pelo setor exportador e sua elite política por fazendeiros.409 Martins Filho retomava a ideia patrimonialista de Faoro.

Posteriormente, em sua tese de doutorado, defendida em 1987, em Illinois, Martins Filho esmiuçou a sua hipótese: o atraso tecnológico e a baixa qualidade do solo mineiro, principalmente na Zona da Mata, teria inviabilizado a alta lucratividade da produção cafeeira e a reserva de capital para driblar os momentos de baixa demanda no mercado externo. O resultado da crise de fins do século XIX foi a fragmentação das fazendas de plantation mineiras em pequenas unidades produtivas, e o retorno à policultura. As unidades de produção domésticas rurais e industriais dos mais diferentes itens, somadas às discrepâncias regionais, impossibilitaram a unificação de objetivos e demandas do setor produtivo. Se a união interna foi determinante para a inserção de Minas no jogo político da Primeira República, o motivo, para o autor, não foi econômico, e sim resultado da estratégia clientelística de cooptação e coerção do PRM. A sua tese é a de que a principal característica da política mineira das primeiras décadas do século XX é a não-representação de interesses econômicos.410

A assertiva de Martins Filho é generalizante e se contrapõe a alguns dados apresentados tanto por ele quanto por David Fleischer e John Wirth.411 Dizer que a posse de terras não era

fator determinante para ingresso na elite política reforça o argumento de que os interesses cafeeiros não eram predominantes, mas não invalidam o comprometimento dos bacharéis recrutados na classe média urbana com interesses econômicos. Da mesma maneira, é preciso ter claro que uma parcela considerável ser diplomada em Direito e exercer o magistério, por exemplo, não impossibilita as “conexões diretas com as atividades econômicas organizadas do Estado”. Nossos exemplos corroboram neste aspecto. João Pinheiro se afastou da política para se dedicar à criação e administração de sua indústria em Caeté. Arthur Bernardes herdou as fazendas de seu sogro, Vaz de Melo; Nelson de Senna elaborou um verdadeiro dossiê com recortes de jornal e estudos de especialistas sobre a mineração no Rio Doce, não por diletantismo, mas para embasar o pedido de licença que fez ao Governo Estadual, em 02 de maio de 1902, para se tornar concessionário da exploração mineral no Rio Doce.412 Não

obstante, segue perpetuando a visão tradicional de hegemonia paulista na definição da política econômica da Primeira República.

409 MARTINS FILHO, Amilcar Vianna. Clientelismo e representação em Minas Gerais durante a Primeira

República: uma crítica a Paul Cammack. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 27, n. 2, 1984, p. 175-197.

410 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 233.

411 FLEISCHER, A Cúpula Mineira na República Velha, op. cit.; WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit.

412 A este respeito, ver APCBH – NCS 3 – ESTUDOS TEMÁTICOS – 3.6 (1) AC, NCS 3.6 (1) AE, NCS 3.6 (1)

Ainda no decorrer dos anos 1980, dois trabalhos não diretamente relacionados a Minas trouxeram contribuições importantes. O do economista Winston Fritsch retomou a ideia de prevalência dos interesses cafeicultores. Não para recusá-los nem para vê-los como simples disputa entre Minas e São Paulo, como as vertentes anteriores, mas para entendê-los do ponto de vista macro da economia. Para Fritsch, não se pode negar o peso da instabilidade econômica brasileira na definição das políticas de valorização do café. O produto tinha uma importância tal na receita de exportações brasileiras que a ausência de medidas que sustentassem os seus preços internacionais desequilibrava todo o sistema econômico e financeiro da República.413

Mais ao final da década, Steven Topik seguiu linha semelhante e conjugou a ideia de

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