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A execução de sentença da CtlADH e o Brasil

3. O BRASIL E A EXECUÇÃO DE SENTENÇA DA CORTE

3.2.2 A execução de sentença da CtlADH e o Brasil

Em decorrência da opção deste estudo, toma-se evidente a necessidade da interação entre a jurisdição internacional e a interna do Estado-Parte, buscando formar um todo, no qual a primazia seja a proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, esta interação tem ligação com a adoção de medidas nacionais de implementação das decisões da CtlADH.

Conforme ficou claro, o Artigo 68.2 da CADH prescreve que a parte da sentença da CtlADH que determina a indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo mediante o processo vigente para a execução de sentenças contra o Estado.

Nesse instante, passa-se ao ponto central da discussão, que consiste em analisar a solução jurídica interna no Brasil, para a implementação da decisão da CtlADH, no que se refere à indenização compensatória. Trata-se do exame dos meios jurídicos existentes, no âmbito brasileiro, para a execução das decisões da CtlADH perante o Judiciário nacional.

Procura-se, assim, fazer a convergência entre as regras contidas no texto convencional e as existentes no ordenamento jurídico interno, relacionadas a essa espécie de execução de sentença. Nesse diapasão, torna-se imprescindível averiguar qual a natureza jurídica da sentença da CtlADH, para verificar se há uma equiparação ou não da mesma com a sentença estrangeira, já que ambas não são provenientes do Judiciário brasileiro.

N essa linha de análise, deve-se destacar a especificidade da decisão emitida pela CtlADH que fixa a reparação, nos termos da CADH, pois se trata de uma sentença de natureza condenatória, originária de uma instituição judiciária autônoma, integrante do

sistema interamericano de promoção e proteção dos direitos humanos413. Em outros termos, essa decisão provém de um organism o internacional instituído através de um tratado, ratificado pelo Estado brasileiro e prom ulgado internam ente m ediante D ecreto Executivo.

Por outro lado, a sentença estrangeira é aquela “ proferida por tribunal estrangeiro”, nos termos do Artigo 483 do Código de Processo Civil (CPC). É correto afirmar que esse tipo de sentença apresenta uma vinculação jurídico-institucional com o Estado de origem414. Neste sentido, existe a pertinência da decisão, prolatada pelo tribunal judiciário ou órgão público equivalente, com um determinado Estado415. São, respectivamente, emitente e destinatário desta sentença, órgãos jurisdicionais pertencentes a dois Estados soberanos.

Assim, a sentença estrangeira será uma decisão proferida por autoridade judiciária ou órgão público similar, dentro dos critérios jurisdicionais determinados pelo ordenamento jurídico do Estado de onde provenha, que produzirá seus efeitos em um outro Estado.

A sentença estrangeira para que tenha eficácia e executoriedade no Brasil, necessita da homologação, nos termos do Artigo 102, I, h da CRFB, que prescreve a competência originária do Supremo Tribunal Federal (STF) 416.

A homologação visa proporcionar o reconhecimento de decisões estrangeiras pelo Estado brasileiro, tendo o processo caráter jurisdicional, imprescindível para que essa sentença possua autoridade no âmbito jurídico interno e possa ser executada.

413 No que se refere à natureza e regime jurídico da Corte, destaca-se o Artigo Io do Estatuto da CtlADH: “A Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição judiciária autônoma, cujo o objetivo é a aplicação e interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: <http:www.direitoshumanos.usp.br>.

414 “Tal como a soberania de onde promana, ‘a jurisdição do Estado tem por limite o seu próprio território’. A sentença, que é instrumento pelo qual se exterioriza o comando jurisdicional, vale como ato de soberania, produzindo os efeitos que lhes são próprios, dentro das fronteiras do Estado em que foi proferida.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 665) (destacou-se).

415 “E da jurisprudência firme do STF que sentença estrangeira, suscetível de homologação no Brasil, não é o laudo do juízo arbitrai ao qual, alhures, se tenham submetido as partes, mas, sim, a decisão do tribunal judiciário ou órgão público equivalente que, no Estado de origem, o tenha chancelado, mediante processo no qual regularmente citada a parte contra quem se pretenda, no foro brasileiro, tomar exeqüível o julgado” (SE 4.724, pleno, RTJ 160/15, com remissão a vários precedentes).” (CUSTÓDIO, Antônio Joaquim Ferreira. A Constituição Federal Interpretada pelo STF, p. 125) (destacou-se). Assim, observa-se que a decisão deve advir de um órgão jurisdicional de um determinado Estado.

416 Pode-se dizer que a sentença estrangeira para que possa ingressar na esfera jurídica nacional e produzir os efeitos que.lhe são inerentes deve passar por um processo de homologação perante o STF. Para Welber Barrai, esta “exigência, que reflete o apego a conceito ultrapassado de soberania, é mantida também como tradição constitucional”(BARRAL, Welber. Reforma do Judiciário e Direito Internacional. Informativo Jurídico do INCIJUR, n. 04, nov. 1999, p. 3-4). Nesse mesmo sentido, José Afonso da Silva, entende que existem duas questões, nos termos no Artigo 102 da CRFB, que parecem não caracterizar matéria de jurisdição constitucional, por não envolverem, necessariamente, um conflito de interesse de natureza constitucional, sendo elas: a homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur, a ação em que todos os membros da magistratura sejam interessados. (SDLVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 487).

No Brasil adotou-se o “juízo da delibação”, sendo que a sentença estrangeira deve ser submetida a um contencioso limitado, no qual não há a revisão do mérito do julgado, verificando, tão-somente, se ocorreu o preenchimento de requisitos formais e, se o conteúdo da decisão não constitui uma ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) 417 Desse modo, a decisão de homologação é de índole constitutiva418.

Após a homologação a sentença estrangeira será executada mediante carta de sentença extraída dos autos da homologação, nos termos do Artigo 484 do CPC, originando-se um título executivo judicial, nos moldes do Artigo 584, IV do CPC. Além disso, a execução obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza, conforme determina o Artigo 484 do CPC.

Nesse ângulo de visão, é correto afirmar que o “ instituto da homologação de sentença estrangeira é reservada às sentenças oriundas de Estado estrangeiro. In casu, verificamos que essa não é a natureza da sentença judicial internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos”419.

De acordo com Ramos, a sentença da CtlADH tem a natureza jurídica de decisão de “uma organização internacional” e como tal não encontra identidade em uma sentença judicial oriunda de um Estado estrangeiro. Nesse sentido, o autor assevera que as regras de homologação de sentença não são aplicáveis às sentenças da CtlADH.

Note-se, inicialmente, que é importante a distinção apresentada entre sentença estrangeira e sentença internacional. Resta, somente, evidenciar que a decisão da CtlADH é uma decisão de um órgão jurisdicional autônomo, mesmo que a CADH seja um tratado multilateral proveniente de uma organização internacional, ou seja, da OEA. Mais correto seria considerá-la como sentença de organismo judiciário internacional, por ser as decisões proferidas pela CtlADH, formalmente, independentes da OEA, conforme se pode observar através da Carta Constitutiva da organização, bem como do Estatuto e Regimento desse órgão judicial.

No que se refere à fundamentação da distinção entre as duas espécies de sentenças - estrangeira e internacional - deve-se destacar a posição defendida por Celso de Mello, cuja

417 Cf. o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF): “Art. 216 - Não será homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”

4 8 Ver: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. 2, p. 666; NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante em vigor, p. 858.

419 RAMOS, André de Carvalho. A responsabilidade internacional do Estado por violação de Direitos Humanos, p. 547.

sustentação está relacionada com a própria competência do STF, que se caracteriza por ser “um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional” , não existindo a probabilidade de ampliação, que “extravasem os rígidos limites fixados em

numerus clausus pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I da Carta Política”420. Nesse caso,

não cabe uma interpretação visando ultrapassar o elenco delineado pelo Artigo 102, I da Constituição.

Também para Ramos a delimitação constitucional, para a competência originária do Supremo Tribunal Federal (STF) é peremptória, na qual a enumeração prevista no Artigo 102, I da Constituição Federal, enseja um “verdadeiro numerus clausus, e não pode ser ampliada, a não ser por reforma constitucional”421.

É preciso ter claro que a competência do STF é para processar e julgar, originariamente “a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente”, nos termos do Artigo 102,1, h da CRFB. Assim, esse dispositivo constitucional não faz referência à homologação de sentença internacional.

Em vista destes lim ites, a interpretação extensiva, particularm ente, dada ao referido dispositivo, para possibilitar a am pliação do leque de atribuições judicantes do STF e, consequentem ente, alcançar os julgados proferidos pela CtlA D H , não coaduna com os preceitos constitucionais.

Além disso, é preciso atentar para o próprio objetivo da hom ologação que é v erificar se a sentença advinda de um tribunal estrangeiro contraria à ordem pública. Assim , busca-se por meio desse “ crivo por que passa o julgado, se está ele regular quanto à forma, à autenticidade, à com petência do órgão prolator, bem como se penetra na substância da sentença para apurar se, frente ao direito nacional, não houve ofensa à ordem pública e aos bons costum es” 422.

Daí observar-se que esse exame procedido pelo STF não se faz necessário quando se trata de uma sentença internacional, como é o caso da sentença da CtlADH . Em outros term os, a CtlA D H profere as suas decisões de acordo com o Pacto de São José, sendo que as suas sentenças se fundam entam em regras ju ríd icas previam ente aceitas. D esta forma, em vista do Estado ser signatário da CADH e

420 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 391.

421 RAMOS, André de Carvalho. A responsabilidade internacional do Estado por violação de Direitos Humanos, p. 548.

reconhecer a jurisd ição contenciosa desse tribunal de direitos humanos, as decisões da CtlA D H já estão investidas de plena validade no território brasileiro423.

Torna-se necessário observar que um a providência fundam ental, na esfera ju ríd ica brasileira, é a adoção de form as procedim entais que viabilizem um breve e bem sucedido processo executivo, no que se refere à reparação dos danos causados pela violação das norm as da CADH, á parte lesada (beneficiários), nos term os em que foram fixados através da sentença da C tlA D H 424.

Sob o ponto de vista fático, ressalvadas as garantias processuais constitucionais que devem ser respeitadas, a hom ologação perante o STF poderá se tornar um em pecilho juríd ico , na contram ão da celeridade processual e em prol da denegação da ju stiç a 425.

Portanto, a hom ologação não é juridicam ente aplicável, tam pouco recom endável a essa espécie de sentença, por ser um óbice à sim plificação e à celeridade processual.

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