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2. CONTRATOS INTERMEDIÁRIOS NAS OPERAÇÕES DE M&A

2.5. A execução específica do contrato preliminar incompleto

Conforme demonstrado acima, o ordenamento jurídico permite que as partes estipulem contratos preliminares lacunosos, a fim de permitir que estas deixem a integração das suas lacunas para o intervalo até a conclusão do negócio jurídico definitivo. Contudo, na hipótese de as partes não chegarem a um acordo sobre tal integração, debate-se qual seria a consequência jurídica adequada: resolução por perdas e danos ou execução específica do contrato preliminar.

De um lado, sustenta parte dos juristas, a exemplo do Ministro Leitão de Abreu, que, embora o contrato preliminar lacunoso seja, de fato um contrato preliminar – ao contrário do que afirmara o Ministro Moreira Alves na mesma ocasião –, não caberia a execução específica

ao contrato preliminar que não contivesse todos os elementos do contrato definitivo70.Na ocasião do aludido julgamento, conforme lembrado por Luiza Lourenço Bianchini, o Ministro Leitão de Abreu proferiu voto no seguinte sentido:

É verdade que tais cláusulas, bem como outras, sobre as quais se trava controvérsia, necessitam determinação. Mas é exato, por igual, que, embora com certo grau de indeterminabilidade, possuem, contudo, grau de determinabilidade, que as fazem obrigatórias. Não se trata, por conseguinte, no caso, de acordo provisório, em que as partes se comprometeram a firmar contrato, cujo conteúdo fosse não só indefinido, como indefinível, não só indeterminado, como indeterminável. Ao invés de indefiníveis ou indetermináveis, as cláusulas do acordo são definíveis e determináveis, com base em dados objetivos. Desse modo, o acordo de vontades, expresso no contrato preliminar de compra e venda, é vinculante, já que esse acordo diz respeito a todas as cláusulas contratuais, não obstante exigirem algumas delas especificação complementar do seu conteúdo. [...] Conquanto divirja, pois nessa parte do voto do eminente Relator [Ministro Moreira Alves] e dos demais votos que o acompanharam, penso, no entanto, que lhes assiste razão, quando julgam a recorrida carecedora da ação de adjudicação compulsória. Isto porque, embora o pacto sobre cuja natureza se contende, constitua, a meu ver, um contrato preliminar, neste não se contêm todos os elementos do contrato definitivo.71

Tal posicionamento, por sua vez, sustenta-se na ideia de que não cabe ao juiz estipular cláusulas e condições, mas apenas fazer desnecessária, por meio da sentença, a declaração de vontade que, incidindo sobre cláusulas e condições já estipuladas, daria corpo ao negócio

definitivo72. Neste sentido, se o julgador permitisse a execução específica, estar-se-ia investindo

na própria condição de parte.

De outro lado, há aqueles que defendem que “a existência de pontos em aberto, em relação aos quais as partes não entrem em acordo posteriormente, não impede que, ao menos em tese, o juiz possa integrar o contrato, valendo-se das regras gerais de interpretação do negócio

jurídico”73. Tal posicionamento, apoia-se, por sua vez, obrigatoriedade de oferecer o máximo

de eficácia aos negócios jurídicos, permitindo-lhes a execução específica sempre que possível.

Neste sentido, considerando que os riscos externos ao contrato são infinitos, de modo que se torna impossível conseguir gerir positivamente todo e qualquer risco externo ao contrato, as

70 BIANCHINI, Luiza Lourenço, 2017, op. cit., p.209.

71 STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 88716 RJ. Relator: Ministro Moreira Alves. Dj: 11/09/1979.

JusBrasil, 1979. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/698669/recurso-extraordinario-re- 88716-rj>. Acesso em: 05 jun.2018.

72 MOREIRA, 1997, p. 233 apud BIANCHINI, Luiza Lourenço, 2017, op. cit., p.210. 73 BIANCHINI, Luiza Lourenço, 2017, op. cit., p. 214.

lacunas tornam-se inevitáveis, de modo que o julgador deverá, sempre que possível, recorrer às regras gerais de interpretação e integração dos negócios jurídicos, bem como eventual auxílio de prova pericial, conforme ensina Luiza Lourenço Bianchini:

Evidentemente, ao concluírem o contrato preliminar (e também o definitivo), as partes jamais conseguirão disciplinar todos os aspectos da relação: as lacunas são inevitáveis em todos os negócios jurídicos, razão pela qual o contrato (preliminar ou definitivo) sempre será objeto de interpretação e integração. Deve-se notar, entretanto, que a possibilidade de integração que se defende aqui ultrapassa o âmbito dessas lacunas despropositais, para alcançar, também os pontos que as partes, expressamente, deixaram para negociar depois, no intervalo entre o preliminar e o definitivo, isto é, as reservas de negociação.74

No contexto das operações societárias, o momento em que as partes terão o conhecimento adequado para formar a minha vontade negocial, via de regra, é após a due diligence, pois é quando se tem conhecimento sobre a complexidade do patrimônio – ativo e passivo. A utilidade do contrato preliminar lacunoso, portanto, é criar algum grau de vinculação para que as partes tenham alguma segurança jurídica para avançarem.

Deste modo, se as partes apresentam, desde logo, mecanismos para a integração das lacunas negociais, não há como sustentar a inexistência de caráter vinculante do contrato preliminar, tampouco a impossibilidade de execução específica. Desta forma, sustenta Luiza Lourenço Bianchini:

O princípio é o da execução específica, que somente poderá ser preterida em favor da conversão em perdas e danos quando, concretamente, faltarem ao juiz meios para integrar o negócio. Esse remédio não pode ser afastado a priori, em razão da complexidade do ajuste ou da existência de reservas de negociação, tal como resulta da tese difundida por Antônio Junqueira de Azevedo, e daqueles que o seguem. O entendimento desses autores resulta em transformar a exceção – que é a inadmissibilidade da execução específica – em regra, como se, nesses contratos preliminares, houvesse uma cláusula implícita de arrependimento.75

Como se vê, portanto, a questão não é pacífica na doutrina, de modo que aqueles que defendem a impossibilidade de execução específica do term sheet sustentam que este contrato possui excessivas lacunas negociais, aproximando-se de um simples protocolo de intenções,

74 Ibidem, p. 216.

sem o condão de vincular as partes, sendo certo que o juiz não pode investir-se na condição de parte para integrar tais lacunas.

Contudo, durante todas as negociações mantidas após a conclusão do term sheet, indaga- se se nada se modificou em relação às lacunas. Estariam as partes vinculadas somente às lacunas do contrato preliminar ou elas se vinculam conforme realizam o preenchimento das lacunas, durante as negociações? Existiriam graus de vinculação no contrato preliminar?

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