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CAPÍTULO 1. APRENDIZAGEM HISTÓRICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM

1.2 EDUCAÇÃO HISTÓRICA: DIÁLOGOS ACERCA DA APRENDIZAGEM HISTÓRICA

1.2.1 A experiência do passado a partir das fontes

Cooper (2006, p.174) aponta como uma questão de interesse internacional para o ensino de história, a preocupação de que este não se limite a transmitir uma perspectiva única e dada a respeito do passado; processo passível de ser realizado quando compreendido como algo alheio ao processo de investigação acadêmico. No entanto, não se trata da intenção de formar pequenos historiadores capazes de aplicar o método da pesquisa histórica, mas do pressuposto de que ao desenvolver a aprendizagem a partir dos processos que tornam a história um conhecimento racional, há a potencialidade de desenvolver competências cognitivas em relação ao pensamento histórico.

De maneira geral, para desenvolver a compreensão de que as “histórias” que objetivamente se apresentam e constituem os sujeitos em seu cotidiano, são interpretações sobre o passado, considera-se como uma premissa, que a busca pelo conhecimento empírico do passado e o reconhecimento de sua qualidade temporal, demandam a identificação e indagação dos vestígios do passado que se encontram no presente, e que nesta ação para o reconhecimento da experiência do passado, tornam-se fontes históricas.

realizar inferências para interpretar e constituir esse conhecimento como saber histórico. Elas frequentemente são incompletas e não devem ser tomadas como um retrato tal qual foi o passado, mas possibilitam levantar suposições a respeito dele considerando outras evidências disponíveis. Desta forma, mesmo o conhecimento historiográfico acadêmico não representa uma verdade eterna, ele ancora-se em pressupostos que lhe garantem plausibilidade mas deve ser considerado em perspectiva, visto que os historiadores são influenciados por valores dominantes de seu tempo, investigam diferentes aspectos, ou mesmo devido a limitação na disponibilidade de evidências. Assim, a história pode ser compreendida como um processo dinâmico, o que reforça a necessidade de que os sujeitos desenvolvam competências cognitivas para orientar-se nela e a partir dela.

Cooper indica possibilidades e potencialidades da descoberta do passado pelas crianças da Educação Infantil a partir das fontes históricas. São exemplos de vestígios do passado as fotografias, artefatos, roupas e lembrancinhas de bebê, brinquedos antigos, monumentos, cartões de aniversário, elementos de coleções, relatos de pessoas mais velhas e até mesmo os mitos, lendas, folclores, canções, danças e jogos de épocas passadas (COOPER, 2012, p. 156). Isso revela que há muitas possibilidades de identificar fontes históricas que integram as experiências das crianças.

Para criar significado a partir delas é preciso levantar indagações a respeito “de qual material são feitas, quem as fez, por que, como foram usadas, o que elas significaram para as pessoas que as fizeram e as usaram, há outras?” (COOPER, 2012, P. 156). Isso não significa aplicar um questionário para as crianças, mas são questões que em meio a conversas oportunizam descobrir estas fontes como coisas do passado e sobre o próprio passado.

Segundo a pesquisadora, discutir sobre as mudanças no tempo a partir das fontes, contribui com desenvolvimento da “sintaxe e a linguagem do ponto de vista, da argumentação, da hipótese a da probabilidade” (COOPER, 2006, p. 179). Percebe essas conversas como um contexto significativo para o desenvolvimento um argumento, para que perguntem e questionem sobre os significados das palavras - entre essas, aquelas que exprimem significados do passado, 9 - expliquem seu ponto de vista, aprendam a ouvir pontos de vista dos outros, e a aceitar que eles possam ser igualmente válidos em alinhamento com o que é conhecido e provável, e que frequentemente uma questão não tem apenas uma única

9 De acordo com Cooper práticas educativas que levam em consideração a aprendizagem histórica, deve,

preocupar-se com o desenvolvimento da “linguagem do tempo” e a identificação dos significados expressos a partir da utilização das palavras e ideias a respeito do passado.

resposta correta (COOPER 2012, p. 156,157).

Em seu livro History in the early years10 (COOPER, 2002, p. 48) Cooper salienta que ainda não havia sido realizado um estudo sistemático da capacidade das crianças para realizarem inferências sobre fontes históricas, mas que, no entanto, havia uma consciência cada vez maior de que as crianças pequenas podem fazer perguntas sobre objetos da vida cotidiana do passado.

No que diz respeito a teoria de Rüsen, é possível identificar nas próprias investigações de Cooper e nos exemplos que ela apresenta, a potencialidade do trabalho com fontes históricas. Primeiramente, os estudos de Cooper abrem espaço para que seja trabalhada de forma intencional a relação com o passado, identificando que as crianças se interessam em conhecê-lo e que é através desta oportunidade que podem se engajar cada vez mais e com mais propriedade para discuti-lo. Com isso, é possível que sejam mobilizados elementos da cognição histórica que se referem à dimensão da experiência, ao abrir a consciência para novas experiências do passado, e desvelá-las na perspectiva da alteridade deste passado, compreendendo-o como qualitativamente diferente.

Em um dos relatos apresentados por Cooper ela descreve um caso em que uma professora, a qual as crianças não percebiam como alguém que esperava delas apenas “respostas corretas”, trabalhava sobre uma coleção de coisas antigas que haviam levado; entre essas havia barras de ferro, máquina de escrever antiga e um brinquedo de madeira. Registrou quando os meninos com quatro anos conversavam (2002, p.34; 2006, p. 185):

James disse que gostaria de “voltar atrás no tempo” e ver como haviam sido usadas. Quando seu amigo disse quesentia pena das pessoas que as haviam utilizado, James explicou “As pessoas que usavam se sentiam sortudas, porque não conheciam nada diferente. Meus filhos terão novos brinquedos e irão olhar para os meus brinquedos como coisas do passado”. (COOPER, 2002, p.34; 2006, p. 185).

Esse é um dos exemplos das experiências que têm sido desenvolvidas por estudantes e professoras que participaram dos estudos realizados por Cooper. Como a própria autora afirma, apresenta-se nessa fala um pensamento histórico elaborado. Analisando-a a partir da teoria de Rüsen, nesta situação, James demonstrou apreender a experiência da diferença e da mudança no tempo se apropriando dela mediante uma interpretação própria, a partir de um

10 Foi utilizada a tradução espanhola do livro, intitulada Didáctica de la historia en la educación infantil y

impulso decorrente dos problemas de orientação do próprio presente. Revela uma forma de “olhar para o passado” e dar sentido ao tempo (articulando as competências de interpretação e orientação), com a qual é possível supor que mesmo alguns adultos não teriam. Demonstra a capacidade de perceber a alteridade do passado e que essa não está diretamente relacionada a idade dos sujeitos, mas as oportunidades proporcionadas para tal aprendizagem. Desta forma, a história passa a ter significado, ao relacionar as experiências do passado com as intenções projetadas.Segundo Rüsen, é por meio deste processo que

as divergências entre as experiências do presente e as expectativas de futuro, com as quais se deve lidar no agir dirigem seu olhar para o passado, com a intenção de construir delas uma imagem realista e de cogitar como superá-las. A alteridade do passado, experimentada, abre o potencial de futuro do próprio presente. Para tanto, importa relacioná-la interpretativamente ao presente, ou seja, inserí-la intelectualmente no quadro de orientação da própria vida prática. (RÜSEN, 2010b, p. 112)

Desenvolver a aprendizagem histórica a partir das fontes, é uma forma de “levantar o véu da familiaridade que se tem com o passado camuflado na vida prática presente e de reconhecer o estranho, assim descoberto, como próprio”. Torna-se um contributo a formação histórica ao intensificar os pressupostos da subjetividade no manejo cognitivo do passado (RÜSEN, 2010b, p. 108).

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